Com mais de 15 mil detentos no sistema prisional, a Bahia é um dos estados brasileiros que superam a média nacional em números de presos provisórios: são 51%, quando o cenário nacional é de 40%. Os dados, do diagnóstico realizado pelo Ministério Público estadual em 2019, demonstram ainda que em boa parte das unidade prisionais presos provisórios e condenados ocupam os mesmos espaços.
Esse fato, segundo o promotor de Justiça Edmundo Reis, “indica uma violação à Lei de Execução Penal”, que determina que presos provisórios e condenados em regimes diferentes ocupem espaços penitenciários diferentes. Coordenador da Unidade de Monitoramento da Pena do MPBA (Umep), o promotor abriu o ciclo de palestras do ‘Colóquios Internacionais – Diálogos entre a Academia e o MPBA sobre o Cárcere’, realizado na tarde de ontem, dia 1°.
Edmundo Reis destacou a cultura punitivista do país, lembrando que “vemos hoje muito fortemente no inconsciente coletivo uma negação aos propósitos primeiros da execução penal. As pessoas querem penas cada vez mais duras, mas elas são mal aplicadas”. Entretanto, uma regra mínima de tratamento prevê que uma pena privativa de liberdade deve ter por objeto, a medida que a duração da pena persista, fomentar nos presos a vontade de viver em conformidade com a lei, sustentando-se do produto do seu trabalho. “O objetivo do tratamento penitenciário é fazer do preso uma pessoa com a intenção e a capacidade de viver em liberdade de acordo com a lei”, reforçou aos participantes do evento, que teve na sua abertura a procuradora-geral de Justiça Norma Cavalcanti. Em sua saudação, a PGJ parabenizou a iniciativa e desejou que o evento servisse de vetor para a implementação de políticas públicas voltadas à melhoria do sistema carcerário, no sentido de reconhecer direitos dos apenados e também de executar as necessidades do sistema que “carece de aprimoramento”.
O aprimoramento foi um dos pontos centrais das falas dos palestrantes. Edmundo Reis abordou essa necessidade questionando: “como querer que uma pessoa se integre à sociedade promovendo seu isolamento por um largo período de tempo dentro de uma subcultura? Como atingir esse objetivo quando o próprio Estado, a quem cumpre executar o cumprimento da pena, descumpre a lei quando lhes nega o mínimo essencial ao respeito da dignidade humana?”. “Precisamos melhorar e muito o sistema, exigir a observância da lei e o respeito à dignidade da pessoa humana”, disse ele. Para o promotor, a observância desses quesitos pode representar o declínio dos índices de reincidência e criminalidade, através do cumprimento de pena, não mais brando, mas mais digno e eficaz. Ele ressaltou que a aferição da eficácia do sistema penal deveria ser medida não pelo tempo de isolamento social que proporciona ao condenado, mas pela reincidência. “É preciso punir quem precisa ser punido, mas proporcionar os meios e modos necessários aos que desejam reintegrar-se à sociedade”, concluiu.
Curador da série de Colóquios Internacionais, que acontecerá até dezembro, o professor José Menezes propôs algumas reflexões a partir do questionamento sobre o porquê se mobilizar na defesa da dignidade de alguém que rompeu com o laço social, cometeu delito. Citando Foucault, ele registrou que “a sociedade multiplica a força de vingança pelo ato cometido”. Também destacou a racionalidade da sociedade moderna, que está marcada por aversão a esse tipo de ser humano, e reforçou que é preciso utilizar a ciência para resolver problemas sérios como os do sistema prisional. Essa relevância da integração entre ciência e atuação prática foi também destacada pelos promotores de Justiça Edmundo Reis e Thays Rabelo. Ela fechou as palestras do dia abordando o tema ‘Por uma modelagem da atuação estratégica do MP no Sistema Prisional (Adoção de Tutela Difusa)’ e reforçou que o sistema precisa ser estudado de maneira crítica, com análise de dados, para que se possa avaliar as políticas públicas existentes e adotar posturas mais propositivas.
Thays Rabelo apresentou dados e algumas diretrizes de órgãos como o Conselho Nacional do Ministério Público, falou sobre o modelo de atuação e reforçou o relevante papel do MP. Para ela, a Instituição precisa ir além do seu papel fiscalizatório, cumprindo também o seu papel de defensor dos direitos humanos por meio de uma atuação mais ampla com a tutela difusa da execução penal. Isso, explicou, para que seja possível garantir direitos e permitir a redução da reincidência. “A porta de entrada do presídio é sobretudo a reincidência”, frisou, alertando que é preciso propor medidas alternativas, o que só será ocorrerá a partir da compreensão do que está acontecendo inclusive dentro de cada uma das instituições que precisam ajudar a resolver o problema. Entre os diversos fatores de vulnerabilidade do sistema citados pela promotora de Justiça, a qualidade da vaga foi destaque. Ela explicou que a vaga deve estar acoplada a assistências importantes no âmbito da privação da liberdade. “Não adianta só prender. O sistema precisa estar estruturado para receber o preso e ajuda-lo a sair mais qualificado”, salientou.
O evento foi conduzido pelo procurador de Justiça Rômulo Moreira e contou ainda com a participação do reitor da Unifacs, Vinícius Scarpi, que ressaltou a relevância da participação da universidade nas discussões; da professora Carolina Spínola; do coordenador do Centro de Apoio Operacional de Segurança Pública e Defesa Social (Ceosp), promotor de Justiça Luís Alberto Vasconcelos, que reforçou a necessidade de reabilitar a pessoa que está no cárcere para o convívio social e de enxergar o sistema prisional como parte da sociedade e não como algo excluído dela; da desembargadora Joanice Maria Guimarães; e da corregedora-geral do MP, procuradora de Justiça Cleonice Lima, que lembrou dos inúmeros obstáculos a serem superados frente aos problemas na área penal e parabenizou a iniciativa. (Mp-BA)