Caso Lucas Terra: Em júri, defesa busca negar sexo entre pastores

Promotoria sustenta que jovem foi assassinado por ter flagrado ato entre Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda

O segundo dia do júri popular do caso Lucas Terra, que vai decidir se os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda serão ou não condenados por envolvimento no assassinato do jovem, ocorrido em 2001, terminou no início da noite desta quarta-feira (26) após o depoimento de nove testemunhas de defesas. Pela manhã, foram ouvidos o pastor Allan dos Santos Bárbara, auxiliar da Igreja Universal da Pituba na época do crime, e o bispo Jadson Santos Edington, que era pastor da regional da Pituba quando o crime ocorreu. De acordo com a acusação, Fernando e Joel assassinaram Lucas porque o jovem flagrou os dois em pleno ato sexual. Um terceiro envolvido no crime, Silvio Galiza, já foi condenado e cumpre pena no semiaberto.

Após a fase de oitivas, a previsão é de que nesta quinta-feira (27), os réus sejam ouvidos. Logo em seguida, as equipes de acusação e de defesa devem apresentar as provas técnicas e debaterem entre si. Essa etapa deve durar, no mínimo, nove horas. Se houver tempo, a votação dos jurados poderá acontecer ainda amanhã.

Na tarde desta quarta-feira, o Tribunal do Júri ouviu, além de Claudineia Aparecida de Freitas Silva e Eliane da Silva Miranda, esposas dos réus, Gilberto da Silva Carvalho, que era pastor da igreja do Vale das Pedrinhas, o bispo Maurício Gonzaga Amaral da Silva, antigo pastor da igreja da Catedral, a obreira Carmen Lúcia Magalhães, a administradora financeira encarregada de conferir e registrar a prestação de contas diária na Catedral, Lilian Santos da Silva Luz Sousa, e a voluntária Rosangela Dantas Costa dos Santos, que atuava na área administrativa, também na Catedral.

Após o recesso, a primeira testemunha a depor foi o pastor Gilberto da Silva Carvalho. Ele relembrou que foi o responsável pela primeira sanção de Silvio Galiza na Igreja Universal. Na época, ele era pastor da igreja no Nordeste de Amaralina e tinha Silvio como seu auxiliar, mas não estava satisfeito com suas atitudes, alegando que Silvio brincava em excesso. “Ficava abraçando homens e mulheres, brincava muito. Eu, como homem de Deus, não aprendi assim. Falava com ele e era o mesmo que nada”, relatou.

Ao reportar o comportamento aos bispos, Gilberto viu Silvio ser transferido para a igreja da Santa Cruz. Um tempo depois, ele próprio foi designado a comandar a igreja do Vale das Pedrinhas, subordinada à igreja da Pituba, que tinha o pastor Joel Miranda como líder.

Segundo Gilberto, na noite do crime os suspeitos Fernando Aparecido e Joel Miranda estavam na igreja na Pituba até às 21h40 e era impossível, dado o movimento após o culto, que eles tivessem tido alguma relação sexual. “Não tem como, porque imagine, estava lá vários pastores com as esposas. Não tinha como”, reiterou.

A segunda testemunha pós-recesso e a quarta do dia foi o bispo Maurício Gonzaga Amaral. Ele declarou que foi traído por Silvio Galiza quando perguntado se não desconfiava do seu caráter e afirmou que acreditava plenamente na inocência de Fernando e de Joel.

Destaque da tarde, Claudineia Aparecida de Freitas Silva e Eliane da Silva Miranda, esposas dos réus, prestaram um depoimento emocionado e choraram ao lembrar o momento em que receberam a notícia de que seus respectivos maridos estavam envolvidos no caso. Ao rememorar as dificuldades enfrentadas durante a prisão de Joel, Eliane chorou. O choro comoveu Joel e Fernando que, pela primeira vez, também choraram diante dos jurados.

Estratégias

As testemunhas Carmen Lúcia Magalhães, Lilian Santos da Silva Luz Sousa e Rosangela Dantas Costa dos Santos e Eliane da Silva prestaram depoimento, mas responderam apenas aos questionamentos da defesa, uma vez que foram dispensadas pela acusação. 

De acordo com a assistente de acusação Tauane Sande, a dispensa foi parte da estratégia adotada pelo Ministério Público. “São testemunhas inúteis. São testemunhas que simplesmente são amigas para comprovar que os réus têm uma moral ilibada e para [mostrar] qual é a rotina da igreja. Elas não presenciaram o fato. As testemunhas que nós abordamos são testemunhas cruciais”, explicou.

Em seus questionamentos no júri, a defesa estimulou as testemunhas a reconstituírem o dia do crime. Todas negaram que fosse possível que Joel Miranda e Fernando Aparecido pudessem ter tido qualquer relação sexual na igreja da Pituba na noite do crime, sob afirmação de não havia privacidade suficiente no local nem indícios que sustentassem a tese da acusação de que os dois eram homossexuais. 

Em contrapartida, Tauane Sande alega que a defesa está ignorando os autos do processo. “Eles ficam dizendo que isso foi à noite, mas foi de manhã. Lucas viu de manhã a situação que Silvio relata que foi o ato libidinoso entre os pastores. Isso está nos autos, mas parece que eles esqueceram”.

Também assistente da equipe do Ministério Público, Vinícius Dantas acredita que a estratégia da defesa é a negação da autoria. “Conforme as perguntas que eles fazem e todo o comportamento que eles têm tido até o momento, eles negaram esses anos todos e vão continuar negando”, diz.

A equipe de defesa não se disponibilizou a falar com a imprensa. Ontem, foi comunicado que um pronunciamento só ocorrerá só final do júri.

Contradições

Na tarde desta quarta-feira (26), durante o depoimento de Claudineia Aparecida de Freitas Silva, esposa de Fernando, houve confusão entre as equipes de defesa e acusação, que divergiram a respeito do que havia sido dito pela testemunha. De acordo com a acusação, Claudineia teria afirmado, durante depoimento no júri de Silvio Galiza, que Lucas procurou Fernando “no dia, um dia ou dois dias antes do crime” com o objetivo de buscar sua gravata, acessório que simbolizava sua formatura como obreiro, função que já desempenhava na Igreja Universal do Rio de Janeiro.

Contudo, no depoimento de hoje, Claudineia disse que viu Lucas pela última vez no Rio de Janeiro. A defesa rebateu a tentativa de argumentação da acusação, esclarecendo que Claudineia não havia dito que viu Lucas no depoimento anterior, mas que quem o teria visto foi seu marido. Ambas as equipes interromperam o andamento da oitiva e trocaram acusações entre si. 

Já no depoimento de Eliane da Silva Miranda, esposa de Joel Miranda, houve contradição quanto a noite do crime. Segundo Eliane, ela e Joel moravam naquela época com o pastor Beljair e sua esposa e, na noite do dia 21 de março, ela e Joel estavam em casa às 22h. No entanto, entre 22h e 22h30 acontecia todos os dias na Catedral a prestação de contas dos pastores das igrejas da região. Sendo pastor, era dever de Joel participar da prestação nesse horário, o que impossibilitava que ele estivesse em casa, conforme indicava o depoimento de Eliane. 

Ontem, Beljair de Souza Santos, testemunha arrolada pela acusação, também contrapôs a obreira Sueli ao afirmar que nunca reuniu os obreiros com o intuito de proibi-los a continuar na busca por Lucas Terra na época do seu desaparecimento. 

Ao ser indagado pela acusação, Beljair também disse que, quando o crime ocorreu, morava com sua esposa, o pastor Joel e a esposa dele no bairro da Pituba. A declaração apresentada contrariou o depoimento dado pelo pastor em 2008. Naquele ano, ele afirmou que na época do crime morava em uma área residencial próxima à Av. Paralela.

Luciano Miranda de Souza, obreiro que acompanhou Silvio Galiza e Lucas Souza até o ponto de ônibus após o culto, na noite do crime, também foi controverso durante o primeiro dia do júri. Enquanto confirmou ter lembrança de ver Silvio e Lucas tomando um ônibus, ele alegou que não se lembrava de diversos momentos daquela noite, contrariando depoimentos prestados nos júris de Silvio Galiza, anos atrás.

Luciano também afirmou que teve conhecimento do possível envolvimento de Fernando Aparecido e Joel Miranda no assassinato de Lucas através de um vídeo, quando foi prestar depoimento no Ministério Público. Contudo, no depoimento prestado ontem, disse que não lembrava do conteúdo assistido.

A Igreja Universal afirma, em nota, que acredita na inocência dos pastores.(Correio)

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