Cesta básica, combustível, Netflix: o que a reforma tributária pode mudar na sua vida

Veja abaixo o que deve mudar com a reforma.

Encampada pelo governo Lula e apressada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a reforma tributária pode ser votada pelos deputados até o fim desta semana. Uma mudança no sistema tributário do País é esperada há décadas.

Nessa primeira fase, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma prevê apenas alterações nos tributos que incidem sobre consumo.

Veja abaixo o que deve mudar com a reforma.

Os brasileiros vão pagar mais impostos com a reforma?

O governo diz que a reforma não vai aumentar a carga tributária total do País. Isso significa que eventuais aumentos em um setor serão compensados por reduções em outros.

O preço dos itens da cesta básica vai subir?

Não é possível saber, pois as alíquotas dos novos impostos ainda não estão definidas – isso será feito em um momento posterior. Os itens da cesta básica, no entanto, estão na categoria de produtos que entrarão na alíquota reduzida.

Se confirmados estudos preliminares do Ministério da Fazenda com alíquota única de 25%, portanto, os produtos da cesta básica seriam taxados em 12,5%.

Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) aponta que, mesmo assim, a reforma tributária pode fazer com que o imposto para produtos do setor aumente em até 60%. O estudo foi rebatido pelo secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. “Não vai acontecer”, disse Appy. “Não tem aumento de tributação da cesta básica”, afirmou o secretário.

O coordenador de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, defende a desoneração de 100% de, pelo menos, uma lista mais reduzida da cesta básica, como arroz, feijão e açúcar, entre outros.

O que é o cashback? Quem vai receber?

O cashback prevê a devolução de parte do imposto que incide sobre o consumo. Ele será destinado para a população de baixa renda.

Em maio, em entrevista ao Estadão, o secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse que ainda discutia o desenho operacional para garantir o cashback e que o desconto poderia ser feito “na boca do caixa”.

“Lembrando que ele pode ser um desconto na boca do caixa. Não preciso esperar arrecadar para depois devolver. Especialmente no Brasil é muito fácil de fazer isso”, afirmou.

Como são os impostos que pagamos hoje para produtos como bombons? Vai mudar alguma coisa?

Atualmente, a depender do enquadramento do produto em determinada categoria, ele pode receber um tratamento tributário distinto ou ter uma alíquota reduzida.

É o caso do bombom sonho de valsa, por exemplo, que foi reclassificado há um ano como “biscoito wafer” para pagar menos impostos. Quando era classificado como chocolate, o produto pagava 3,25% de IPI. Como biscoito wafer, considerado um item de padaria, a fabricante não precisa mais pagar IPI.

O vice-presidente Geraldo Alckmin chegou a dizer que o Brasil tem um “manicômio tributário”. A reforma tributária promete reduzir essas distorções.

A indústria vai pagar menos impostos? O que isso significa?

O setor industrial deve ser o maior beneficiado pela atual reforma, que aumenta a uniformidade das cobranças. Atualmente, a indústria é atingida com maior intensidade pela carga tributária – e paga cerca de 34% dos impostos federais. A indústria, portanto, deve pagar menos impostos com a alíquota única. O governo diz que isso ajudará a gerar empregos e reativar o setor.

É verdade que os serviços ficarão mais caros e isso vai afetar a classe média?

A carga tributária média sobre serviços pode subir, com a maior uniformização dos impostos. Setores específicos, como educação, terão alíquota reduzida.

Appy disse que o setor de serviços, de modo geral, será beneficiado com a reforma pelo crescimento econômico e afirmou que algumas áreas do setor serão beneficiadas com redução de carga tributária. Ele apontou que os tomadores de serviço podem ter redução de 7% a 13% na carga pelas mudanças no sistema.

O setor defende a desoneração da folha de pagamento como forma de compensação, para manter empregos a despeito de aumento de custo tributário. A desoneração da folha não é discutida na etapa atual da reforma.

Se o setor de serviços pode ter aumento de carga tributária, gastos com educação, saúde e transporte público vão ficar mais caros?

Não. A proposta prevê que serviços de educação, saúde, transporte público coletivo e alguns medicamentos estarão excluídos da regra geral de alíquota única. Nestes casos, a alíquota cobrada será equivalente a metade (50%) da alíquota única. Também terão tarifa reduzida produtos agropecuários in natura, atividades artísticas e produtos da cesta básica.

Remédios vão custar mais caro?

Não. Parte dos remédios está na previsão de alíquota reduzida (50%) e há ainda remédios, como os de tratamento contra o câncer, que estão na terceira opção: a alíquota zero.

Voltaremos a pagar imposto na compra de livros?

Não. Livros continuarão a ter imunidade tributária. Conforme afirmou Appy, os planos do governo não incluem acabar com isenção de impostos para as compras de livros no País. Atualmente, a regra que rege a tributação de livros prevê que o bem de consumo é isento de impostos.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, o então ministro da Economia Paulo Guedes sugeriu que os livros perdessem a isenção tributária porque, segundo o chefe da pasta, os itens só seriam consumidos “pelos ricos”. À época, o representante voltou atrás no posicionamento diante da polêmica causada por sua declaração.

A reforma tributária pode afetar o preço de serviços de streaming como Netflix, Disney+ e MAX?

Conforme divulgado pelo Ministério da Fazenda, o projeto do governo pode ter impacto nos serviços de streaming, mas essa elevação seria, segundo a pasta, compensada pela redução sobre o preço da energia elétrica.

Como a reforma afeta os combustíveis?

Para a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), uma das preocupações em relação às propostas que tramitam na Câmara e no Senado é a possibilidade de que haja um aumento nos principais insumos do setor, como combustíveis, energia elétrica e mão de obra. A entidade alega que, caso aprovada, a reforma pode gerar um aumento de impostos para esses três segmentos estratégicos para os transportes no Brasil.

Qual o impacto no turismo/viagens?

Em um manifesto assinado conjuntamente por diversas associações ligadas ao setor do turismo, as entidades alegam que a aprovação da proposta de reforma tributária pode impactar negativamente o setor, encarecendo os serviços de turismo, por atrapalhar a competitividade do País como um destino turístico, além de dificultar o crescimento do setor.

O crédito no Brasil pode ficar mais caro?

Durante um evento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em abril deste ano, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, disse que a aprovação de uma reforma tributária pode reduzir o custo de crédito no Brasil.

O IPTU vai subir?

Não há previsão de aumento do IPTU na reforma. No Congresso, foram incluídas seções sobre outros impostos, além dos relativos ao consumo, como o IPTU. O que a reforma faz é autorizar que os prefeitos atualizem a base de cálculo do imposto por meio de um decreto, ou seja, sem a necessidade de aprovação da Câmara municipal. Isso dá mais liberdade para os prefeitos que querem ampliar receitas mas esbarram no legislativo local.

A inclusão deste trecho foi um aceno feito pelo relator do texto, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-BA), aos prefeitos, que reclamaram da reforma.

E o IPVA?

Embora a reforma seja destinada para os tributos de consumo, essa primeira fase também prevê que itens de luxo, como jatinhos e lanchas, sofram incidência de IPVA, assim como já ocorre com os automóveis.

Quais tributos pagamos hoje e não irão existir mais?

Cinco tributos que existem hoje serão extintos. São eles: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS).

O que entra no lugar?

No lugar do IPI, PIS e Cofins, que são de arrecadação do governo federal, o Brasil terá a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A União define a alíquota neste caso.

No lugar do ICMS e do ISS, que são arrecadados por Estados e municípios, o Brasil terá o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Os Estados e municípios definem a alíquota neste caso.

Também será criado o Imposto Seletivo, que é federal, para onerar mais os bens e serviços que o governo quer desestimular, por serem prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, caso de cigarros.

Quais as características desses novos impostos?

Além de simplificar o número de regras existentes sobre o assunto, a criação de um só Imposto sobre Valor Agregado (IVA) divido em dois tributos (CBS e IBS) com três alíquotas prevê maior uniformização ao sistema. Com isso, o governo também argumenta que acabará a cobrança de imposto sobre imposto.

Uma das maiores mudanças é com relação ao local que recebe a arrecadação: hoje, a arrecadação é na origem. A reforma prevê que a arrecadação fique no Estado ou cidade de destino (ou seja, onde serviço ou bem for consumido) e não na origem.

A votação na Câmara já significa que a reforma foi aprovada?

Não. Como é uma Proposta de Emenda à Constituição, o texto precisa ser votado em dois turnos na Câmara, aprovado por três quintos dos deputados (308 votos), e depois ir para análise do Senado, o que só deve acontecer após a volta do recesso parlamentar.

No Senado, o procedimento é o mesmo: duas votações com três quintos dos votos a favor. Se os senadores fizerem alterações significativas no texto, a proposta precisa passar mais uma vez pela análise da Câmara dos Deputados.

Uma vez aprovada, a reforma passa a valer imediatamente?

Não, haverá uma fase de transição. O novo modelo pode estar plenamente implementado, para todos os tributos, só em 2033.

Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu que pobres pagariam menos impostos e ricos pagariam mais. Isso está acontecendo nesta reforma?

A primeira fase da reforma tributária é focada nos tributos que incidem sobre o consumo.

Depois de promulgada a PEC, o governo terá um prazo de 180 dias para enviar a proposta de alteração nos impostos sobre a renda. O segundo momento, da discussão sobre tributação que recai sobre a renda, é apontado por especialistas como a fase em que haverá margem para taxar mais os mais ricos, com discussão, por exemplo, sobre tributação de dividendos.

Na campanha, o então candidato Lula prometeu também isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 salários mínimos.

Um dos argumentos para aprovar a reforma é o de que a simplificação tributária tornará o País mais competitivo. Que efeito isso pode ter na vida do brasileiro?

Com um sistema mais simples, é possível identificar o quanto de tributo foi pago pelos brasileiros e melhorar a eficiência da economia. As empresas poderão deixar de investir milhões de reais para entender o sistema tributário do País para alocar recursos em investimentos produtivos, considerados fundamentais para acelerar o crescimento da economia brasileira.

Em média, o setor produtivo brasileiro gasta 62 dias ao ano para lidar com as burocracias ligadas ao pagamento de impostos. Já a média nos países da OCDE é de 6 dias.

O governo estima que a reforma tributária pode gerar um aumento de 12 a 20 pontos porcentuais no PIB em um horizonte de 10 a 15 anos.

Mais de 60 economistas e empresários assinaram um manifesto em apoio à reforma tributária. No documento, o grupo afirma que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que reforma os tributos sobre o consumo seria “abrangente e em conformidade com as melhores práticas internacionais”.

Por que governadores e prefeitos debatem com o Congresso alterações no texto?

A reforma encontra resistência em parte dos prefeitos e governadores porque eles temem perda de arrecadação e dizem que há uma quebra do pacto federativo. Hoje, os municípios são responsáveis pela arrecadação do ISS, e os Estados pelo ICMS.

No texto original da PEC, está prevista a criação de um Conselho Federativo, que seria responsável por centralizar, gerir e distribuir entre os Estados e os municípios a arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que, com a reforma, vai substituir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) é um dos principais críticos do Conselho. Ele defende uma espécie de câmara de compensação, em que os Estados compensariam uns aos outros ao fim de cada dia por operações interestaduais.(Política Livre)

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