Dia do índio: A Bahia é o terceiro estado em população indígena; a maior parte está em Salvador

Foto: Reprodução / Google /Tribos indígenas

O Dia do Índio, comemorado nesta sexta-feira, 19, rememora o primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que aconteceu em 1940 no México e tinha como objetivo reunir líderes de diversas regiões do continente para zelar pelos seus direitos. A data foi instituída em 1943 no Brasil pelo presidente Getúlio Vargas.

Cinquenta e três lideranças indígenas da Bahia são assistidas atualmente por um programa de proteção, por estarem sob diversos tipos de ameaças, inclusive de morte. Conflitos históricos entre índios e fazendeiros por conta de terras persistem no interior do estado, e as disputas são acirradas, sobretudo devido à lentidão de processos para demarcação de terras.

Às vésperas do Dia do Índio, comemorado nesta sexta-feira (19), uma missão foi realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) na região sul do estado, para apurar casos de homicídios e violações de direitos humanos dos indígenas.

Representantes do órgão estiveram nos municípios de Eunápolis, Belmonte, Ilhéus, Buerarema e Canavieiras, que concentram grandes quantidade de índios. Segundo o CNDH, desde 2005, foram registrados mais de 30 assassinatos na região — somente nos últimos dois anos, 17 lideranças indígenas jovens foram mortas.

Atualmente, uma das lideranças sob proteção por conta de ameaça é Rosivaldo Ferreira da Silva, o Cacique Babau, 44 anos, líder da terra indígena Tupinambá de Olivença, de 47,3 mil hectares, localizada entre os municípios de Una, Ilhéus e Buerarema, no sul do estado — a terra abriga 4,6 mil indígenas. Ele relatou ao governo e ao Ministério Público Federal ter recebido informações de um suposto plano de assassinatos tendo como alvo ele e integrantes de sua família.

A Bahia é o estado com maior população indígena do Nordeste e o terceiro do país, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com 56.742 pessoas que se declaravam índios naquele ano (6,9% dos 821.501 indígenas brasileiros), o estado ficava atrás apenas de Amazonas (167.122) e Mato Grosso do Sul (72.102).

Número de índios na Bahia, segundo Censo 2010 — Foto: Divulgação/IBGE
Número de índios na Bahia, segundo Censo 2010 — Foto: Divulgação/IBGE

São 143 comunidades distribuídas em 33 municípios. Proporcionalmente ao número de habitantes, municípios do sul baiano concentram as maiores taxas de pessoas que se declaram indígenas, junto com cidades do Norte e Nordeste do estado.

O estado tem, ao todo, 22 etnias reconhecidas. Entre as informadas pelos que se declararam indígenas, os Pataxó eram os mais numerosos na Bahia, com 11.942 representantes (21,0% do total). Em seguida, vinham os Pataxó Hã-Hã-Hãe (3.337 ou 5,9%), os Kiriri (2.984 ou 5,3%), os Botocudo (2.869 ou5,1%) e os Tupinambá (2.174 ou 3,8%).

A área liderada por Babau já teve estudos para demarcação aprovados pela Funai há 10 anos, mas a demarcação está paralisada desde 2016, na última etapa do processo: a publicação da portaria declaratória pelo Ministério da Justiça. Em 2013, tropas da Força Nacional de Segurança tiveram que ser enviadas à região sul do estado após atos de violência registrados durante disputa entre fazendeiros e índios, na localidade conhecida como Serra do Padeiro.

Outros quatro territórios indígenas no estado estão na mesma situação, aguardando análise para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena, conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai): Barra Velha do Monte Pascoal, em Porto Seguro; Comexatibá, em Prado; Tumbalalá, entre Abaré e Curaçá; e Tupinambá de Belmonte, no município de Belmonte.

Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) transferiu para o Ministério da Agricultura a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas e quilombolas. Até então, a atribuição ficava com a Funai. A mudança consta na medida provisória assinada por Bolsonaro que trata da organização dos ministérios. A MP não define como serão feitas as identificações e demarcações.

A assessoria de comunicação do Ministério da Agricultura informou que a transferência dos processos da Funai para a pasta ainda está sendo efetivada e que ainda não há dados sobre o processo de demarcação de terras.

Programa de proteção

Índios da terra Indígena Tupinambá de Belmonte — Foto: Divulgação/CNDH
Índios da terra Indígena Tupinambá de Belmonte — Foto: Divulgação/CNDH

Assim como a tramitação dos processos, os conflitos também parecem não ter previsão de acabar. O Programa de Defensores aos Direitos Humanos (PPDDH), ligado à Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), atende, ao todo, 63 pessoas sob ameaça hoje na Bahia, sendo 53 lideranças indígenas e 10 lideranças quilombolas.

Ao longo da disputa por terras, Babau já foi preso duas vezes. Uma em 2014, teve um mandado de prisão expedido por se negar a depor em um inquérito policial que apurava o assassinato de um produtor rural em que ele era suspeito, e outra em 2016, junto com o irmão, durante uma ação de reintegração de posse.

Além de Babau, outra liderança sob proteção, conforme a SJDHDS, é a cacica Cátia Tupinambá, chefe indígena da Aldeia Patiburi que luta pela demarcação da terra indígena Tupinambá de Belmonte, área de 9.521 hectares. Um enteado dela, David Charles Santos de Almeida, 32 anos, está desaparecido desde fevereiro, e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil.

“Vemos com muita preocupação essa situação dos povos indígenas com todos esses conflitos históricos, que têm origem na questão da demarcação, uma atividade fundamental da União. Os conflitos com os índios se sucedem por interesses outros, de imobiliários, latifundiários que querem extensão de suas propriedades. E os índios sofrem porque são obrigados a sair das terras, são expulsos das suas áreas. E quando surgem as lideranças, há todo um programa de violência muito forte, inclusive com ameaças de morte”, destaca o secretário SJDHDS, Carlos Martins.

Cacique Babau chegou a ser preso, em meio a conflitos por terra, suspeito de envolvimento em morte de produtor rural. — Foto: Caroline Fasolo/CIMI
Cacique Babau chegou a ser preso, em meio a conflitos por terra, suspeito de envolvimento em morte de produtor rural. — Foto: Caroline Fasolo/CIMI

A solicitação de inclusão no programa de proteção é feita voluntariamente e atendida pelo governo desde que a pessoa que fez o pedido seja representante de uma coletividade. É necessário também que a pessoa esteja à frente de questões que envolvem a comunidade, não seja um violador de direitos e tenha comprovada a ameaça.

Após ter o pedido acatado, a pessoa recebe monitoramento com visita in loco para que seja determinado o grau de ameaça e definido qual a melhor estratégia de proteção. Pode ocorrer, inclusive, a retirada provisória da pessoa do seu local de atuação em casos excepcionais e emergenciais por, no máximo, 90 dias, além da articulação de proteção policial e articulação para acompanhamento ou assistência jurídica, psicológica e assistencial por meio de políticas públicas.

“Os conflitos não se limitam às áreas ainda não demarcadas. Existem também embates em áreas já delimitadas e demarcadas com decisão do STF, porque fazendeiros e juízes de primeira instância parecem não respeitar a decisão. Aí, as lideranças indígenas são criminalizadas e contra elas forjadas diversas ações”, destaca Martins.

A SJDHDS diz que realizou e realiza constantemente as articulações necessárias com as autoridades competentes, sobretudo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-BA), responsável pelas investigações dos casos, e que visitas periódicas ocorrem para verificar permanência do risco e a situação de ameaças aos líderes indígenas.

A Funai informou que atua diretamente com os povos indígenas, dentro de suas atribuições legais e regimentais, através de unidades descentralizadas, a fim de identificar situações de conflitos. O órgão afirmou que realiza atividades de articulação com outras instituições, tanto em nível local, quanto em nível nacional compartilhando as responsabilidades de acordo com a competência de cada instituição.

Missão

Equipes do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) realizaram a missão no sul da Bahia para tratar das violações de direitos humanos dos indígenas entre segunda (15) e quarta (17). — Foto: Divulgação/CNDH

Equipes do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) realizaram entre segunda (15) e quarta-feira (17) a missão no sul da Bahia para tratar das violações de direitos humanos dos indígenas.

As equipes visitaram, na terça-feira (16), a terra onde vive atualmente o cacique Babau. O encontro reuniu cerca de 150 integrantes da comunidade e alguns pequenos produtores da região. Conforme o CNDH, os índios da localidade apontam que vem sofrendo ameaças durante décadas e falaram sobre a falta de assistência do poder público e sobre as ameaças a Babau.

Durante a audiência, o procurador da república Gabriel Pimenta Alves informou à comunidade sobre o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Federal contra Edvan Moreira, acusado pelo assassinato do indígena Adenilson Nascimento, conhecido como Pinduca, ocorrido em 2015.

Na ocasião a esposa da vítima, Zenaildes Menezes Ferreira e seu filho (presentes na audiência) também se feriram. Segundo as investigações, o assassinato foi uma retaliação pelas atividades desenvolvidas pela vítima de liderança indígena e em disputas por terras.

Na Terra Indígena Tupinambá de Belmonte, as equipes realizaram uma audiência com os índios, em que foram apresentadas os andamentos das ações judiciais e inquéritos policiais que versam sobre as tomadas de parte da região, já delimitada pela Funai.

Os indígenas presentes apontaram, além da falta de segurança, problemas como a falta de energia elétrica após derrubada de 14 postes na região, a impossibilidade de escoamento da produção, segundo eles, por bloqueio por parte dos antigos compradores, que estariam sendo pressionados por fazendeiros.

Após percorrer a região, os membros do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) se reuniram, na quarta-feira (17), em Salvador, com o secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Estado, Carlos Martins, e representantes da Secretaria de Segurança Pública e do Ministério Público da Bahia, para falar sobre os conflitos envolvendo povos indígenas e fazendeiros em diversas regiões que ainda não foram demarcadas.

O CNDH vai apresentar à secretaria os relatórios da viagem e se comprometeu a encaminhar de forma mais ágil os casos que demandam maior atenção ou que possuem maior gravidade. A SJDHDS disse que vai encaminhar e articular com outros órgãos do Governo do Estado as medidas as serem tomadas em cada caso relatado pelo grupo.

Por Alan Tiago Alves, G1 BA

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