Dia Internacional de Combate à Homofobia: ‘Minha filha salvou nossa família da mediocridade’, diz mãe de lésbica no DF

Imagem: Reprodução

Era 1999, quando a servidora pública Sonia da Silva Martins, hoje com 72 anos, viu a filha “sair do armário”, como ela mesma diz. A adolescente, Alexandra Martins da Costa, aos 15 anos, desabrochava em coragem e autoafirmação para se declarar lésbica.

“Levei um susto”, admite Sonia.

Desde então, há 23 anos, a luta da filha contra o preconceito passou também a luta de Sonia. Para ela, “ter um filho LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais] é uma honra, é sair da bolha e entrar em contato com os reais problemas do país e ser cidadão”, afirma.

“Minha filha salvou nossa família mediocridade”, diz a mãe.
Homossexualidade não é doença e as ‘Mães pela Diversidade’

Em 17 de maio de 1990, há exatos 32 anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) excluiu a homossexualidade da classificação de doenças, ou problemas relacionados à saúde. Por isso, a data foi escolhida como símbolo de luta pela diversidade sexual, contra a violência e o preconceito.

No entanto, até hoje há quem diga que a orientação sexual é uma escolha, uma decisão pessoal ou algo a ser tratado.

“Não é uma questão de escolher quem a gente quer ser. Isso é uma ilusão. Ninguém escolhe sofrer, ninguém escolhe ser discriminado”, diz Sonia da Silva Martins.

A mãe e militante do movimento LGBTQIA+ lembra que, nos últimos anos, houve avanços no que diz respeito à legislação. Ela cita, por exemplo, a regulamentação, em 2013, de uniões homoafetivas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em cartório e ainda a decisão do ST , em 2019, que permitiu a criminalização da homofobia e da transfobia.

Sonia é uma das fundadoras do “Mães pela Diversidade”, uma organização não-governamental que reúne famílias de crianças, adolescentes e adultos LGBTQIA+, e que existe desde 2014. Para ela, alguns direitos, como a “simples” instalação de banheiros unissex é um ato fundamental.

“Hoje tem muita gente fazendo a transição. A cada cinco famílias que procuram a gente, três são trans, inclusive crianças e adolescentes”, diz uma das fundadoras da ONG Mães pela Diversidade.
Discriminação estrutural

Alexandra, a filha de Sonia, atualmente tem 38 anos. Apesar dos avanços da última década, ela acredita que, para reduzir os preconceitos e a discriminação, sejam necessárias mais políticas públicas. A promoção ao combate à homofobia e ações voltadas para a educação, dentro e fora das escolas, são fundamentais segundo a jornalista, para que o tema seja tratado com naturalidade.

“Ninguém nasce homofóbico, as pessoas não nascem sem bom senso. Elas vão construindo um imaginário do que é comunidade LGBTQIA+ a partir do que elas veem na família e entre amigos”, diz Alexandra.
Para ela, o apoio da família também é fundamental para o enfrentamento da questão. Apoio que ela sempre teve desde que se descobriu lésbica, ainda na adolescência.

“Pra mim é um imenso privilégio, um grande sonho. A minha família aceita e tem consciência de também ajudar a construir uma sociedade mais democrática”, conta a jornalista.

‘Super presenteada’

No Distrito Federal, 3,8% da população se identificam como gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, entre outros (LGBTQIA+) . Os dados são da sexta edição da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), o estudo foi feito pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e divulgado na semana passada.

Lurdinha Piantino é artista plástica e tem dois filhos homossexuais: o ator Lúcio Piantino, de 26 anos, e a produtora cultural Joana Piantino, de 29 anos.

“Fui super presenteada. Meus filhos são maravilhosos”, disse ela ao g1.
Além de gay, Lúcio tem síndrome de down. “Uma luta dupla” contra o preconceito, diz Lurdinha. As descobertas sexuais vieram aos 19 anos, quando ele tentou se relacionar com mulheres, mas sentia-se frustrado, segundo a mãe.

“De repente, ele conheceu um cara e se entendeu gay. Eles namoraram dois anos, mas na pandemia eles acabaram se separando”, conta.

A filha mais velha revelou para a família que se sentia atraída por outra mulher, aos 17 anos. Para Lurdinha, não foi uma surpresa.

“Quando ela me contou, eu já sabia. Desde pequena ela só gostava de brincadeira de menino, gostava de short, camiseta e não se interessava por menino nenhum. Foi super tranquilo. Hoje ela mora com a namorada e está super bem”, conta Lurdinha.
Para a artista plástica, acabar com o preconceito ainda é um sonho, que depende de uma série de fatores que têm relação com a aceitação da sociedade em função do machismo e, muitas vezes, da religião. “Não é todo mundo que apoia. Muitas amigas da minha filha, que se assumiram, as mães colocavam pra fora de casa, batiam”, aponta.

“Pra mim, não acho que eu tenha que aceitar. Eu tenho que acolher e apoiar”, diz a mãe de Lúcio e Joana.

“Eu me considero mãe de pessoas, mãe dos meus filhos. A orientação sexual, as escolhas que eles fazem, eu acolho e respeito. Eu só espero que sejam respeitados pela sociedade e que possam viver a vida com tranquilidade sem sofrer preconceito”, diz Lurdinha Piantino.
Para a artista plástica, a violência ainda é uma das maiores preocupações. Em 2020, o DF registrou 391 denúncias de violência contra pessoas LGBT, segundo estudo do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos (Centrodh). Entretanto, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), à época, somente 39 ocorrências foram investigadas como homotransfobia, ou seja, 10% do total.

“Só oriento para tomarem cuidado. Que eles não precisam ficar demonstrando publicamente o amor deles porque podem ser agredidos. Infelizmente é assim. A sociedade ainda precisa evoluir muito para poder respeitar o outro, independente de qualquer coisa”, diz a mãe de dois jovens homossexuais.

“As pessoas não aceitam as diferenças, só conseguem se identificar com quem é parecido com elas. É a nossa luta eterna”, diz a artista plástica. (G1)

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