Não é segredo que cenas de sexo explícito no cinema vêm diminuindo significativamente nos últimos 20 anos. Não se trata apenas de uma impressão. Um estudo recente que analisou a indústria cinematográfica, conduzido pela consultoria de dados Stephen Follows, descobriu que o erotismo em longas-metragens caiu em quase 40% desde os anos 2000.
Alguns anos antes, a Playboy realizou um levantamento e descobriu que apenas um em cada 100 filmes lançados na década de 2010 mostrava pessoas fazendo sexo — menos do que em qualquer década desde 1960.
Na mesma lógica, em 2019, o premiado cineasta espanhol Pedro Almodóvar comentou, ao jornal The New York Times, que faltava sexualidade nos filmes de super-heróis — que, à época, estavam no auge. “O ser humano tem tanta sexualidade! Tenho a sensação de que na Europa, na Espanha, tenho muito mais liberdade do que se trabalhasse aqui.”
Cinco anos depois, o cenário parece ter mudado. Os longas de 2023 e 2024 estão entrando em contato com seu lado “tesudo”. Cillian Murphy e Florence Pugh transaram em uma sala de conferências durante uma sequência de sonho de Oppenheimer, enquanto Bella Baxter, vivida por Emma Stone, abraçou a transa como uma ferramenta para expandir sua visão de mundo em Pobres Criaturas.
Além disso, títulos como Love Lies Bleeding, Rivais e Motel Destino podem estar enviando uma mensagem clara: o cinema está mais excitado do que nunca.
A cena viral da banheira Saltburn incendiou a internet, causando tanto choque quanto curiosidade. Em Pobres Criaturas, as representações feministas da terceira onda da exploração sexual elevaram a personagem de Emma Stone, Bella Baxter, a um estado de libertação.
O thriller de vingança Love Lies Bleeding, por sua vez, empolgou o público queer com sua representação de “sexo real”, marcando uma era esperançosa de representação erótica queer na tela.
O que mudou nas cenas de sexo?
A professora Rose May Carneiro, do departamento de Audiovisual da Universidade de Brasília (UnB), aponta que, antigamente, as cenas de sexo tinham o ideal de vender a permissividade, a rebeldia e um amor idealizado.
“Era o sexo que não estava acessível nas milhões de plataformas. Assistíamos comédias para ver meninos e meninas na saga da primeira noite e, por incrível que pareça, tinha amor em questão, uma certa ‘honra’, casamento, gravidez, famílias envolvidas. Hoje, é sexo por sexo, mecânico, com performance visual. O corpo filmado para ser inatingível, e até o amor é impossível, porque não se fala mais de amor com aquela utopia”, comenta a pesquisadora.
Desenvolvimento dos filmes
Cenas de sexo não precisam justificar sua existência. Às vezes, é divertido apenas assistir pessoas cantando e dançando em um musical e, às vezes, é divertido apenas assistir pessoas atraentes fazendo sexo.
No entanto, cenas como essas podem ter significados muito maiores e profundos para os filmes em que estão incluídas. “O sexo, quando bem filmado, é tão gostoso como na vida real. A câmera vai descortinando os corpos, em camadas, e os planos trazem detalhes das mãos, dos olhares e gozos”, acrescenta Rose May.
A presença de cenas sexuais e sensuais nos filmes sempre gerou debate. Enquanto algumas pessoas as veem como fúteis ou desnecessárias, há quem defenda que, quando usadas de maneira adequada, podem ter uma função importante na narrativa.
A professora salienta que as cenas sexuais podem ajudar na elaboração dos personagens, como “mostrar vulnerabilidade ou intimidade dos personagens, revelando aspectos emocionais e relacionais profundos.”
“Em alguns casos, elas são cruciais para a história, ajudando a moldar relações ou conflitos e, por fim, podem explorar questões de identidade sexual, poder, ou dinâmicas de gênero através dessas cenas”, acrescenta.
Com sexo ou sem sexo?
Há um claro cabo de guerra entre os proponentes de cenas eróticas e grupos oponentes ferrenhos, como os puriteens — em outras palavras, jovens extremamente “anti-sexo” e cronicamente on-line.
Apesar de uma parcela significativa da geração Z não demonstrar entusiasmo por mais conteúdo sexual, é possível que eles simplesmente não tenham sido expostos às melhores representações. Até por que o erotismo no cinema tem sido centrado principalmente no olhar masculino.
Assim, Rose May relaciona que a tendência de diminuição de cenas sexuais nos filmes pode ser reflexo de mudanças na sensibilidade do público.
“O uso de tais cenas depende do contexto e da intenção. Quando feitas de forma gratuita, podem parecer desnecessárias; em outros casos, podem ser peças fundamentais para o desenvolvimento da história ou para gerar debates sobre temas complexos”, finaliza a professora.