Mesmo com estoque crítico, Hemoba mantém restrição para receber sangue de homossexuais

(Foto: Camila Souza/GOVBA)

O ato de doar sangue é voluntário e visto como um ação altruísta que pode manter outras pessoas vivas. Apesar de ser rápido, simples e também sem riscos à saúde de quem está doando, o procedimento não faz parte da rotina da população brasileira, causando graves problemas aos hemocentros do país.

Na Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia (Hemoba), os estoques de quatro dos oito tipos sanguíneos estão em estado crítico. Está em falta os sangues A-, B-, O- e O+. De janeiro a junho, a média de bolsas coletadas foi de  9.715. No entanto, essa situação poderia ser diferente caso homossexuais e bissexuais não fossem alvos de duras restrições sanitárias dos bancos de sangue.

O jornalista Caio Moreira (nome fictício) está entre os vetados pelo Hemoba em 2019Segundo relato, ele não conseguiu doar sangue, pois foi considerado como inapto no processo de triagem. Caio, que possui um relacionamento homoafetivo há cincos anos, afirma que foi alvo de preconceito.

“Fiquei triste em ser excluído, porque fui vetado por um critério preceituoso que me coloca como inelegível por conta do meu relacionamento sexual com outro homem”, desabafou.

De acordo com dados apontados pela revista Super Interessante em abril de 2019, a restrição faz com que o país deixe de coletar aproximadamente 18,9 milhões de litros de sangue. Isso porque a Portaria Nº 158, de 4 de fevereiro de 2016 da Anvisa, do Ministério da Saúde, diz que estão inaptos “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes” nos últimos 12 meses. Entretanto, o artigo 64, inciso IV, não faz menção ao uso, ou não, de preservativo.

Para o advogado Filipe Garbelotto, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Enfrentamento à Homofobia, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), a dubiedade levanta um debate sobre a portaria.

“O problema está no ponto que ela não faz menção sobre a utilização de preservativo. Então, subentende-se que homens que tiveram relações sexuais com mulheres nos últimos 12 meses podem doar sangue. No entanto, homens que se relacionam com outros homens não. Ela não faz a descriminação, entre aspas, que deveria ocorrer por conta da não utilização do preservativo, e não pelo lado sexual em si”, afirmou.

Garbelotto relatou que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)  está no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir as restrições a doação de sangue por homossexuais aplicada pela Anvisa. Para ele, a Portaria é retrograda e arbitrária.

“Acaba indiretamente sendo uma proibição para que homossexuais doem sangue. As informações que a gente tem é que acaba sendo inócuo, porque fica evidenciando que é um caráter muito mais moral do que técnico. A realização dos testes no material colhido deve ser aplicado para além do questionário”. E completou. “Essa vedação é abusiva, absurda”, comentou.

Questionada pela equipe do Varela Notícias, a Fundação Hemoba afirmou “que no Estado continua vigente a norma federal que dispõe sobre a triagem clínica de candidatos à doação de sangue no pais, hoje, a Portaria de Consolidação nº 5 do Ministério da Saúde, publicada em Diário Oficial da União de 03/10 /2017 (nº 190, Seção 1 – Suplemento – p. 360)”.

Ação na Justiça 

Em julho, o plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJ-RN) decidiu por unanimidade que a Portaria da Anvisa é considerada inconstitucional. O caso foi julgado após recurso de um homem que foi proibido doar sangue em 2010 por ser homossexual e ter se relacionado com uma pessoa do mesmo sexo nos 12 meses anteriores.

Além de vetar a proibição, o caso determinou que o banco de sangue pague indenização por danos morais. Para o advogado Filipe Garbelotto, outros possíveis doadores que sejam vetados com a norma podem ingressar com uma ação na Justiça local.

“Eu entendo que sim, tanto que é possível que essa situação ocorreu recentemente no Rio Grande do Norte. Foi um caso justamente dessa natureza. Um rapaz foi impedido de oferecer o material pra o banco de sangue por ter respondido que é homossexual. Ele ingressou na Justiça e derrubou essa vedação. Além disso, ganhou a causa por danos morais”, afirmou.

(Varela Notícias)

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