Para onde está indo a máscara que você usou durante todo esse tempo?

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Ao longo de dois anos ela esteve ali, sempre presente. Companhia diária e necessária,  qualquer que fosse o lugar. Até que, recentemente, deixou de ser obrigatória e se tornou facultativa, tanto em ambientes abertos quanto fechados, conforme determinação do poder público. Mas, afinal, para onde vão essas máscaras descartadas e o quanto o seu uso aumentou a quantidade de lixo gerado na pandemia? 

Estudos pelo mundo, já apontavam há pouco mais de um ano para uma estimativa de 3,4 bilhões de máscaras ou protetores faciais descartados diariamente, conforme mostrou a pesquisa Poluição Por Covid: Impacto da Pandemia de Covid-19 na Pegada Global de Resíduos Plásticos, publicada no National Library Medicine por Nsikak Benson  do Departamento de Química da Universidade Covenant, Nigéria; e David E Bassey, da  Energy Services Canadá e  Thavamani Palanisami, da Escola de Engenharia da Universidade de Newcastle, Austrália. 

Imagine ainda que a cada minuto, jogamos fora 3 milhões de máscaras faciais. A constatação é do toxicologista ambiental Elvis Genbo Xu, da Universidade do Sul da Dinamarca e do professor de engenharia civil e ambiental Zhiyong Jason Ren, da Universidade de Princeton, que compartilharam o resultado da pesquisa na revista científica Frontiers of Environmental Science & Engineering.  

O tamanho do montante da geração de resíduos impressiona. Apesar do uso opcional neste momento, as máscaras ainda permanecerão entre nós por muito tempo, como alerta o especialista de conteúdos do Instituto Akatu Consumo Consciente, Bruno Yamanaka:

“Esse tipo de EPI foi parar praticamente em todos os cantos do mundo. O destino desses resíduos continua sendo o mesmo dos resíduos comuns, ou seja, a coleta regular municipal que encaminha os resíduos sólidos urbanos para aterros sanitários, salvo os resíduos hospitalares destinados à incineração”. 

O descarte de máscaras no chão ou de forma inadequada traz um risco enorme para o meio ambiente, pois pode contaminar os lençóis freáticos, mares ou ainda entupir canais urbanos, causando alagamentos nas cidades e trazendo sério perigo para a fauna e a flora marinha.

“Fora o risco dos organismos marinhos ingeri-las, a longo prazo, esses materiais são degradados e resultam em fragmentos plásticos, conhecidos como microplásticos, que são mais fáceis ainda de serem ingeridos. Além disso, as máscaras podem conter diversos tipos de vírus, o que configura um risco para as pessoas que manipulam os resíduos domésticos”, comenta Yamanaka. 

Úteis, porém, não-recicláveis. Nem parece, mas uma máscara descartável cirúrgica, que  tem em sua composição principal o polipropileno, pode levar até 450 anos para se degradar e desaparecer completamente do meio ambiente. A máscara do tipo pff2 utiliza o mesmo material com uma quantidade maior de camadas e com um meio filtrante de microfibras sintéticas, e segue a mesma lógica de persistência no meio ambiente que a máscara descartável. Já para as máscaras de tecido sintético, a estimativa é que levem entre 100 e 300 anos para se decompor. 

E o impacto de tudo isso, virá em toneladas. De acordo com um relatório publicado pela OceansAsia, quase 1,56 bilhão de máscaras faciais entraram no oceano em 2020 durante a pandemia. Engenheiro ambiental e doutor em Geologia e professor  da  Unifacs, Victor Vieira destaca que depois que as máscaras passaram a fazer parte da rotina população, não dá mais para se enxergar os efeitos de vê-las jogadas na rua de qualquer jeito, como um problema sério para as próximas gerações. 

“Pesquisas recentes demonstram que os microplásticos já fazem parte do nosso ‘cardápio’ e presente em nossos organismos. Desde os peixes amazônicos até os crustáceos da fossa das Marianas (ponto mais profundo dos oceanos), todos já apresentam fibras plásticas nos seus tratos digestivos. O descarte inadequado de máscaras compostas por polímeros  vai contribuir diretamente com esse problema ambiental e de saúde”, diz. 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) também já demonstrou preocupação sobre os efeitos do lixo gerados pelo coronavírus. Em fevereiro, a agência declarou que o lixo representa uma “ameaça à saúde humana e ambiental e expõe a necessidade urgente de melhorar as práticas de gestão de resíduos”. O relatório destacou que cerca de 1,5 milhão de EPIs (aproximadamente, 87 mil toneladas) – enviados por meio do sistema das Nações Unidas – foram utilizados pela população entre março de 2020 e novembro de 2021. 

Tratamento?
Os números mais recentes apurados pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostram que a geração de Resíduo Sólido Urbano (RSU) no Brasil sofreu influência direta da pandemia da covid-19 em 2020, alcançando um total de 82,5 milhões de toneladas geradas, representando 225.965 toneladas diárias. Com isso, cada brasileiro gerou, em média, 1,07 kg de resíduo por dia.   

No mesmo período, houve um aumento de 70% no descarte de resíduos hospitalares no país, não só de máscaras, mas também de toucas, luvas, aventais, agulhas e seringas. Para a coordenadora do Departamento Técnico da Abrelpe Fernanda Romero a pandemia expôs a necessidade urgente de atendimento às normas vigentes para tratamento e destino adequados. 

“Mesmo antes, o manejo inadequado de resíduos já era um risco, incluindo os resíduos de serviços de saúde. Reduzir os impactos passa pela responsabilidade compartilhada. Isso inclui investimentos para erradicar os destinos inadequados e garantir de atendimento às normas vigentes”, pondera. 

Em Salvador, não houve um protocolo específico para o descarte das máscaras de uso doméstico. Fiscal de Controle Sanitário  e chefe do Serviço de Saúde da Vigilância Sanitária Municipal, Neyla Nascimento explica que as orientações para o lixo nos serviços de saúde consideraram a Nota Técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nº 04/2020 com as recomendações de medidas de prevenção e controle para assistência de casos suspeitos e confirmados de covid.  

Outro documento que serviu de referência foi a Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa RDC nº 222 de 28 de marco de 2018, que regulamenta as Boas Práticas de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde. “No caso dos hospitais, as máscaras foram caracterizadas como resíduos infectantes com coleta de empresas especializadas que fazem o processo de incineração. Já no que diz respeito à população, infelizmente, a única alternativa foi o lixo domiciliar comum”, diz Neyla. 

Em unidades de saúde, como o Hospital Universitário Professor Edgard Santos, houve aumento em torno de 60% da geração mensal dos resíduos apenas do grupo A (infectantes). Em 2019, foram gerados 17.243 kg, enquanto no ano seguinte esse volume pulou para 26.929 kg. Em 2021, foram 27.752 kg. Nos últimos dois anos foram consumidas no hospital 859.400 unidades de máscaras cirúrgicas e 26.529 unidades de máscaras N95/PFF2. 

“O mais importante foi a necessidade de ajuste nos processos ou implantação de novos processos para atender à demanda com segurança. Treinamento, recursos que assegurassem o descarte adequado, adaptação da empresa contratada para suprir as necessidades do aumento de demanda que ocorria em todo o país, foram condições essenciais”, afirma a enfermeira presidente da Comissão de Gerenciamento de Resíduos do Hupes, Iris Limeira.  

Com relação à geração de lixo comum pela população, a Sotero Ambiental também reconhece o aumento na geração de resíduos por conta da covid. A estimativa é que houve aumento de cerca de 10% na quantidade de lixo coletado nos domicílios. É o que ressalta o diretor de Operações do consórcio, Carlos Neto. A Sotero responde pelos serviços de coleta domiciliar e limpeza urbana em 48% de Salvador. 

“Sabemos que muitos municípios brasileiros não possuem o sistema de coleta seletiva de resíduos recicláveis. Outros, não dão nem o destino adequado para os resíduos de saúde. Para minimizar o impacto ambiental, é preciso um plano de gerenciamento eficiente dos resíduos, além da sensibilização ambiental por parte da população”, diz Neto. 

Já a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb), não informou números sobre a quantidade ou o crescimento do lixo gerado na pandemia. Sobre as máscaras, em nota, a Limpurb disse que “devido à grande geração de máscaras em domicílios, essas acabam sendo encaminhadas junto aos resíduos domiciliares”. 

Desafios 
Não é de hoje que o Brasil enfrenta problemas com relação ao tratamento e descarte de resíduos, antes mesmo do coronavírus. O biólogo, professor da UniRuy Wyden e mestre em ecologia e biomonitoramento, Salomão Pinho, pontua que  houve avanços na coleta de resíduos sólidos urbanos nos últimos 10 anos, porém, o tratamento não acompanhou o mesmo processo. 

“Não adianta apenas coletar os resíduos e enviar diretamente para o aterro sanitário. Tratamentos deveriam ser realizados e apenas os rejeitos deveriam chegar aos aterros. Hábitos de descarte incorreto e ausência ou ineficiência no tratamento de resíduos levam a um cenário caótico, pois diante de uma situação de pandemia os esforços foram concentrados no combate à doença e em menor proporção aos impactos desse processo”, pondera Pinho. 

Durante a semana, o presidente Jair Bolsonaro editou decreto que aprova o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares). O documento define metas, diretrizes, projetos, programas e ações voltadas para tirar o atraso e alcançar os objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/ 2010), em um prazo de 20 anos. Entre as medidas previstas está o encerramento dos lixões, com reaproveitamento de 50% dos resíduos gerados no país via reciclagem, compostagem, biodigestão e recuperação energética. 

“O maior gargalo para gerar o menor impacto possível está relacionado à falta de preparação da sociedade em geral sobre como descartar corretamente os vários tipos de resíduos e a dificuldade das gestões públicas em gerenciar da melhor esses resíduos. São necessárias ações conjuntas: o setor público atuando de maneira mais efetiva no gerenciamento de resíduos, o setor empresarial com boas práticas e a sociedade civil implementando novos hábitos de consumo e descarte”, completa Salomão Pinho.

Como lidar com esses resíduos em casa?

O fato do lixo gerado na pandemia ir junto e misturado com o lixo comum só aumenta a necessidade de começar em casa a fazer o descarte de uma maneira que ajude a  tentar reduzir esse impacto. A orientação da epidemiologista do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz), Naiá Ortelan, é destinar uma lixeira forrada e específica só para jogar fora as máscaras utilizadas e os lenços de papel, sobretudo, os contaminados. 

“Até hoje, ainda não foi evidenciado nenhuma forma de transmissão do vírus através de objetos que possam estar contaminados, porque a grande questão é o cuidado em lavar as mãos. Se você, por exemplo, colocou a mão em uma máscara e tocou nos olhos, na boca ou no nariz vai se contaminar. Esse é o maior risco, principalmente, ao tocar na máscara”, explica. 

O SARS-CoV-2 fica ativo por  até três dias. As máscaras cirúrgicas e, principalmente, as pff2, têm a capacidade de fazer com que as partículas fiquem grudadas nelas.  “Foi verificado que partículas viáveis do vírus  podem ser encontradas em todas as superfícies em até 72 horas após a contaminação. Principalmente num ambiente fechado e se alguém tiver o vírus, ele vai estar circulando e vai grudar na máscara. Porém, para causar uma infecção vai depender da quantidade de vírus que você vai entrar em contato”. 

Também é importante que o elástico da máscara seja cortado antes do material se jogado na lixeira.  “Justamente por conta do descarte e coleta inadequada, as máscaras, muitas vezes, acabam indo para o mar. Eu mesma, já cansei de ver máscaras por ali e os bichos acabam sofrendo. Não só pela poluição em si, mas por conta desses elásticos ficarem presos no corpo dos animais”, completa a epidemiologista.

Flexibilização 
A Paraíba foi o último estado do país a flexibilizar o uso de máscaras em espaços abertos. Já com relação aos ambientes fechados, lugares como a Bahia, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso, Rondônia, Alagoas, Maranhão, São Paulo, Amazonas, Sergipe, Paraná, Roraima, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Distrito Federal estão entre os que estenderam a medida. No entanto, há estados que ainda solicitam o uso em locais específicos como transportes públicos e hospitais.  

Ainda é necessário se proteger 
Diante do uso facultativo da máscara, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recomenda que o item de proteção continue sendo mantido por pessoas com baixa imunidade (imunossuprimidas),  doenças crônicas como doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, obesidade, idosos, pessoas não vacinadas ou que não tomaram todas as doses da vacina. Além disso, profissionais de saúde e outros trabalhadores expostos a grande circulação de pessoas durante o dia de trabalho são aconselhadas a permanecerem com a proteção facial. 

LINHA DO TEMPO

. Janeiro/ 2020: Pandemia declarada 
O SARS-CoV-2 foi descoberto em dezembro de 2019 logo após o aparecimento de diversos casos de doença respiratória aguda, na cidade de Wuhan, na China. Em 30 janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a epidemia pela covid-19 como uma emergência de saúde pública de interesse internacional, sendo reconhecida oficialmente, em 11 de março, como a 2ª pandemia do século XXI.  

. Abril/ 2020: Primeiro, a máscara de tecido 
No início do mês de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou um documento com orientações gerais sobre as máscaras faciais de uso não profissional, que ficaram conhecidas como máscaras de tecido ou artesanais. A recomendação era que o item de proteção fosse utilizado em espaços públicos, feito de material de algodão e possuísse três camadas.  Na Bahia, em 13 de abril, o governador Rui Costa sancionava a lei 14.258 que determinava a obrigatoriedade das máscaras em todo estado.

. Junho/ 2020: Depois, a cirúrgica (ou descartável) 
Nos primeiros meses da pandemia as máscaras cirúrgicas deveriam ser exclusivas para os profissionais de saúde, a fim de evitar situações de desabastecimento. Só no início de junho que a Organização Mundial de Saúde publicou um documento com novas evidências científicas relevantes para o uso de máscaras na redução da propagação do SARS-CoV-2. Entre as novas orientações, em áreas com transmissão comunitária, a recomendação era que pessoas com 60 anos ou mais ou com doenças pré-existentes usassem a máscara.  

. Janeiro/ 2021: 98% de proteção com a pff2 
Assim como as máscaras cirúrgicas, os respiradores N-95/ PFF2 também ficaram restritos aos profissionais de saúde logo que a covid exigiu o uso de proteção facial.  Em janeiro do ano passado, o surgimento de novas variantes mais transmissíveis do coronavírus levaram países como a Alemanha, Áustria e França a recomendar máscaras de uso profissional ao público em geral. Em maio de 2021, o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) publicava um estudo no periódico Aerosol Science and Technology, testando a eficiência de 227 modelos de máscaras desde a PFF2 até as de tecido comum.  A pff2 alcançou eficiência de 98% na filtração de partículas que podem conter o vírus. Em segundo lugar, as cirúrgicas com 89%. Já nas de tecido de algodão a filtragem média foi de 40%.  

. Para onde vão as máscaras? 
Boa parte das máscaras no Brasil são descartadas juntamente com lixo doméstico comum, indo parar em aterros sanitários, aterros controlados e até em lixões. Já o material gerado em ambientes hospitalares foi destinado à incineração.  

. Descarte e decomposição
No geral, uma máscara descartável (cirúrgica) se decompõe em microplásticos e pode levar até 450 anos para desaparecer completamente do meio ambiente. Já nas máscaras de tecido sintético a estimativa é de que levam entre 100 e 300 anos para se decompor.

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