Durante toda a vida somos acostumadas a ouvir que, para a mulher, o casamento é algo que a legitima, enquanto que, para o homem, é algo que o prende. Esse pensamento machista está profundamente enraizado em nossa cultura e é ainda mais normalizado por meio de piadas sobre casamento e divórcio.
Em uma rápida passagem pelas redes sociais, podemos ver alguns “memes” que inferiorizam a mulher no casamento, principalmente neste momento de isolamento social, onde muitos casais precisaram ficar em casa como medida de contenção do novo coronavírus. Alguns deles, você pode ver abaixo:
“Esse conteúdo reforça estereótipos de que a mulher não é inteligente, de que o casamento é uma prisão para homem, de que a mulher é alguém que está sempre cobrando, que é chata”, opina a promotora de justiça Valéria Scarance. “Os estereótipos correspondem ao que chamamos de violência simbólica, ou seja, aquela violência em que se repetem ensinamentos e padrões que, em regra, importam em uma subordinação da mulher e em ensinamentos de que o homem é superior”, completa.
Levando em conta que, desde o início da quarentena no Brasil, em março, o número de vítimas de violência doméstica aumentaram, esse tipo de conteúdo é ainda mais problemático. De certa forma, é algo que legitima as atitudes violentas dos homens.
“Essas piadas reforçam a ideia de que a mulher é uma pessoa que provoca o homem. Uma mulher louca, insuportável de se conviver. Ou seja, essas piadas legitimam as explosões dos homens como se essa conduta fosse justificada pelo modo de ser da parceira”, pondera Valéria. “Piadas são ensinamentos silenciosos disfarçados de brincadeiras. Não tem graça uma piada machista, racista, discriminatória, porque essa piada traz uma mensagem que torna legítima a violência”, completa.
Segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de feminicídio aumentaram 41,4% no estado de São Paulo nos meses de março e abril de 2020, comparados com o mesmo período do ano passado. Além disso, segundo o Ministério Público de São Paulo, as medidas protetivas emergenciais aumentaram 30% e as prisões em flagrante por violência contra a mulher cresceram em 54%.
A cultura do memes é reflexo da mentalidade da população
Para Ivana Bentes, professora da ECO-UFRJ (Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisadora de memes políticos, os memes reforçam os valores de um grupo de pertencimento, ou seja, parcelas da sociedade que sempre foram vistas de forma privilegiada.
Por exemplo, piadas sobre engordar na quarentena reproduzem gordofobia e discriminam pessoas gordas apenas por possuírem um corpo fora do padrão estético, como apontado por CLAUDIA anteriormente. O mesmo acontece com as mulheres no caso das piadas machistas sobre casamento e relacionamentos. E isso só piora quando esse tipo de conteúdo é aceito sem contestações.
“Essa afirmação constante, partindo desse comportamento machista, é retroalimentado pela sociabilidade, pelo grupo ao qual você pertence. Ou seja, enquanto ela não for considerada algo que incomoda, enquanto homens e mulheres aceitarem essas piadas e se calarem diante disso, elas se tornarão um hábito”, explica Ivana.
Do ponto de vista da pesquisadora, o meme acompanha a mentalidade de uma sociedade. Por isso, a tendência, com o surgimento de movimentos e coletivos feministas nas redes sociais, é que, cada vez mais, esse tipo de piada seja considerada intolerável. “Se a sociedade muda, se um tipo de comportamento vai se tornando intolerável, cria-se um novo patamar em relação ao que é tolerável socialmente, e, sem dúvida, esses memes vão mudar, se atualizar”.
Portanto, para que haja a quebra de um padrão comportamental, que reforça a violência de gênero ou contra qualquer outra minoria – muitas vezes por meio da comunicação informal, como os memes – é preciso haver uma mudança de postura e contestação. “Os memes são, então, uma construção, um reflexo dessas mudanças que estão acontecendo. Nós não temos que mudar os memes, mas a sociedade”, finaliza Ivana. (MSN)