Trabalho contribui com ressocialização de detentos no Complexo da Mata Escura: ‘Vou mudar minha história’

Hélio de Jesus é um dos detentos que ressocializam por meio do trabalho no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA
Hélio de Jesus é um dos detentos que ressocializam por meio do trabalho no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Se “o trabalho dignifica o homem”, para os internos do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, o exercício de uma profissão ajuda também na ressocialização e na contagem dos dias para estar mais perto da família, por meio da progressão de pena.

O principal fator que permite que um detento trabalhe no conjunto penal da capital é o bom comportamento. Eles passam por avaliações com psicólogos, assistentes sociais e conselho de segurança do presídio. Os familiares dos internos também são entrevistados.

Os custodiados podem fazer trabalho dentro ou fora do complexo penitenciário, a depender dos regimes de suas condenações. No conjunto penal, oito empresas estão instaladas para conceder vagas de emprego para quem está em regime fechado.

A empresa que mais abriga detentos é voltada para o ramo de construção civil. Um desses custodiados é o Hélio de Jesus Santos, de 35 anos. Preso há 8 anos e 4 meses, ele cumpre pena de 17 anos por assalto a mão armada em uma fazenda no interior do estado.

“Eu gosto do trabalho aqui, é bastante tranquilo. A expectativa de sair é manter a minha função, para poder sustentar minha família. A função que eu mais amo é a construção civil. Espero conseguir um emprego nessa área, se alguém me der uma oportunidade”, disse Hélio.

Hélio de Jesus é um dos detentos que ressocializam por meio do trabalho no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA
Hélio de Jesus é um dos detentos que ressocializam por meio do trabalho no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

A ocupação dentro do presídio leva, além da remuneração, alívio para as famílias que estão fora do conjunto penal, aguardando o momento em que os detentos serão liberados.

“É um alívio saber que ele trabalha aqui dentro, porque eu sei que ele ocupa a mente e não faz besteira. Eu não trabalho, esse dinheiro dele aqui que sustenta nossa família. Antes de ser preso, ele trabalhava, mas nunca assinou carteira”, conta Ananda Gomes, esposa de Hélio. O casal, que se conheceu no presídio quando Ananda acompanhava uma visita, tem dois filhos.

Além das empresas dentro do Complexo Penitenciário, os detentos trabalham também em órgãos do governo, como a própria Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA). Veja lista de empresas e órgãos abaixo:

Custodiados no Complexo da Mata Escura que trabalham remuneradamente

Empresa/ÓrgãoInternos trabalhando
JC Santos13
Lemos Passos4
Forteart16
LA Blocos e Premoldados40
JCN Embalagens6
Bahia Palets4
Himalaia7
Socializa25
E. C. Vitória4
Carta de emprego44
Contrato e Serviço1
Prozes1
Seap19
Seinfra6
TJ-BA9
Saeb19
PGE10

Fonte: Seap-BA

Em toda Bahia, 900 custodiados trabalham recebendo salário. Além deles, outros detentos também fazem trabalhos internos, que não são remunerados, mas a Seap não detalhou os dados.

No conjunto penal de Salvador, 228 trabalham recebendo a remuneração: 75% de um salário mínimo, um total de R$ 748,50. Parte desse dinheiro (R$ 187,13) é retida em uma espécie de poupança, que eles recebem quando saem do presídio, a chamada conta pecúlio.

O restante do valor (R$ 561,38) fica disponível para os detentos. Eles não têm acesso direto a esse dinheiro, mas os próprios escolhem o que vão fazer com os valores: guardar ou entregar para as famílias. Caso optem por guardar, o valor é colocado em uma conta bancária. No caso das famílias, o pagamento também pode ser depositado, ou entregue em espécie.

Para a família de Orlando Xavier de Andrade, 42 anos, esse dinheiro é um complemento da renda mensal. Condenado a 25 anos e 7 meses por latrocínio e roubo na cidade de Valença, baixo-sul da Bahia, Orlando está detido há mais de 8 anos.

“O trabalho para mim é bom porque trabalhando a gente recebe alguma coisa para ajudar a família e também tem a remição [diminuição] da pena, que é o mais importante, para poder sair desse lugar aqui e retornar para a família”, ponderou.

A empresa que mais fornece empregos para detentos no Complexo Penitenciário da Mata Escura é voltada para o ramo de construção civil. — Foto: Itana Alencar/G1 BA
A empresa que mais fornece empregos para detentos no Complexo Penitenciário da Mata Escura é voltada para o ramo de construção civil. — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Assim como os custodiados que estudam, o regime de redução da condenação também funciona no modelo 3×1: para cada três dias trabalhados, o benefício é de um dia na progressão da pena. A carga horária varia entre 6h e 8h, com base na Lei de Execução Penal.

“O trabalho ajuda a reduzir bastante a minha pena. Trabalho todos os dias, de segunda a sexta. De vez em quando, quando precisa que eu trabalhe dia de sábado, eu venho. Nós pegamos 7h e paramos às 16h. É um trabalho fundamental para mim”, completou Hélio.

“Ajuda bastante, ajuda a minha família, ajuda a pagar o aluguel, tudo através desse trabalho. Ajuda também a ocupar a mente, a gente sai mudado, sai outra pessoa” – Hélio de Jesus, detento.

O coordenador de segurança do Complexo Penitenciário da Mata Escura, Gabriel de Jesus, explica que os detentos que trabalham têm o benefício de ficar na área livre do presídio por um tempo determinado. Geralmente, eles saem do pavilhão por volta das 6h30 e retornam 16h.

“O interno que comete um crime mais grave, a condenação é mais alta. Então, a possibilidade de ele conseguir um benefício é depois de muito tempo. Uma média de seis anos, oito anos. É mais complicado de ir para a área livre. Todo o pessoal que transita aqui é de excelente comportamento”, explica Gabriel.

O detento Tarcísio Alves trabalha no ramo da construção civil no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA
O detento Tarcísio Alves trabalha no ramo da construção civil no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Tarcísio Alves, de 42 anos, usufrui desse benefício desde o ano passado. Ele foi preso em 2018, após ser condenado por um homicídio cometido em 2006. Natural de Mutuípe, na região do Vale do Jiquiriçá, inicialmente o caso foi classificado como legítima defesa pela polícia. Doze anos após o ocorrido, Tarcísio passou por julgamento e foi condenado a 9 anos e 6 meses, em regime fechado.

“Eu cheguei para pagar o crime que eu respondo e tive essa oportunidade de vir trabalhar aqui. Para conseguir trabalhar eu passei por muitas avaliações, com assistente social, advogado. Eu levei 11 meses esperando a chance de poder trabalhar aqui no presídio. Queria trabalhar para ocupar a minha mente, e com uma coisa que eu sei fazer desde que eu estava na rua, porque eu já era pedreiro. E sabendo também que eu tenho o benefício de diminuir a minha pena, e de poder ajudar minha família de algum modo”, avaliou Tarcísio.

“Para mim foi fácil começar porque eu já tinha experiência, mas aqui também há oportunidade para muitos que entram e saem daqui com uma profissão. É uma chance de crescer na vida, porque cada dia que passa a pessoa vai melhorando e aprendendo a ser profissional” – Tarcísio Alves, detento.

O superintendente de ressocialização sustentável da Seap, Luís Antônio Fonseca, pondera que o principal objetivo do trabalho no presídio é dar oportunidade de mudança de vida para quem está custodiado pelo estado.

“O trabalho dignifica, sociabiliza a pessoa ao convívio. Nosso principal objetivo é devolver essa pessoa à sociedade melhor do que ela entrou aqui. A gente sabe que a pessoa privada de liberdade perde o estímulo, perde a vontade de viver. É por meio do trabalho e da educação que a gente passa a devolver a condição do recomeço, de um novo retorno lá fora, do restabelecimento de vínculos familiares”.

“A sociedade que paga imposto e investe nesse preso precisa que a gente faça esse trabalho de recondução. Isso é feito pelos pilares da educação e do trabalho, e sobretudo a confiança e a segurança de que ele vai sair do presídio recodificado, com novos conceitos de vida, com novos valores, coisas que muitos que chegaram aqui não tiveram” – Luís Antônio Fonseca, superintendente da Seap.

Trabalho contribui com ressocialização de detentos no Complexo da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA
Trabalho contribui com ressocialização de detentos no Complexo da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Não é incomum encontrar um detento que tenha planos para o futuro por meio do trabalho, em todo o Complexo Penitenciário. Muitos fazem questão de narrar a vida que esperam ter quando saírem da cadeia.

“Isso aqui é duro, estar privado da liberdade. Qual é o ser humano que não quer estar livre? Aqui, trabalhando, eu até me sinto um pouco livre, mas não é como estar junto da família. Trabalhar também ajuda a diminuir um pouco a dor, porque ajuda a saber fazer a caminhada. Meus objetivos são, quando eu tiver em liberdade, me empregar em uma empresa e cuidar da minha família. E nunca mais ter nenhum motivo para vir para um lugar desse aqui. Sair daqui de cabeça erguida, pela porta da frente”, disse Tarcísio.

“É como diz aquela frase: Pode ter aparecido uma pedra no meu caminho, mas meu destino quem muda sou eu. O destino me trouxe até aqui, mas eu vou mudar minha história quando sair. Isso aqui é uma chuva, vai passar” – Tarcísio Alves, detento.

Para Tarcísio, o trabalho também serve para ocupar os dias em que bate a saudade da família. Ele conta que o dia da visita – que varia a depender da unidade prisional – traz conforto, mas também angústia.

“É a maior alegria quando ela [esposa] chega, mas quando sai fica só uma tristeza. É uma vida dura, mas Deus sabe trabalhar o ser humano. Muitas vezes o pessoal pode até se queixar, mas tem sido muito aprendizado também para mim. Todo mundo que está aqui sofre. O homem pode ser o mais duro que for, mas ele sabe que aqui vai ter um momento de fraqueza. A minha fraqueza é querer estar em casa. Saber que tem tudo, mas não pode usufruir porque está aqui e é difícil. Não ter o direito de ir e vir é uma dificuldade que eu enfrento aqui”, falou com a voz embargada.

“Bate muita saudade lá de fora. Se um dia eu já criei passarinho, nunca mais eu crio. Viver preso é terrível, não tem nada pior do que não poder ter liberdade” – Tarcísio Alves, detento. (G1/BA)

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