Um ano de óleo na Bahia: pesquisador aponta que natureza vai levar 10 anos para se recuperar

Manchas de óleo atingiram 32 cidades baianas (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO)

O desastre ambiental na Bahia começou no Litoral Norte há exatamente 1 ano, quando as primeiras manchas de óleo chegaram em Mangue Seco, em Jandaíra, segundo a Marinha. Entre 3 de outubro e 5 de novembro, o petróleo cru percorreu a costa baiana atingindo Mucuri, o último município litorâneo antes da fronteira com o Espírito Santo. Por onde passava, a substância impregnava as praias e o mar. Os culpados pelo crime ambiental ainda não foram apontados.

Ao todo, 32 cidades baianas foram oleadas, segundo a Defesa Civil do Estado (Sudec) – veja a lista ao final da matéria. Até fevereiro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contabilizou 459,49 toneladas de óleo coletadas nas praias da Bahia – em todo Brasil, foram retiradas 5.379,76 toneladas do petróleo cru do litoral.

As manchas pararam de chegar, mas o resíduo ainda assusta por ter deixado uma marca na forma de impactos ambientais. O diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ibio/Ufba), Francisco Kelmo, estima que a natureza vai levar, no mínimo, 10 anos para se recuperar.

Pescadores de algumas regiões afetadas relatam a escassez de peixes após o incidência do óleo. O presidente da Colônia de Pesca de Conde, no Litoral Norte, Givaldo Batista dos Santos, afirma que o barco da colônia volta “quase vazio” para a costa. Antes, em uma viagem de oito dias, os pescadores da região chegavam a capturar 500 quilos de pescado, mas agora apenas 100 Kg “na marra”.

“Acredito que foi o óleo, antes não era assim. Ocorreu algum distúrbio”, comenta o presidenta da colônia. Para ele, os pescadores pagam por um mal do qual não foram os responsáveis. “A gente não foi o culpado, mas estamos pagando o preço. Quem cometeu está de boa”, reclama Givaldo.

O pescado de outras áreas não sofreu o mesmo impacto. Em Baixio, no município de Esplanada, o pescador Ricardo Lobato não sentiu a diferença entre a pesca em 2020 e a situação antes do óleo. “A pesca caiu assim que as manchas chegaram, mas já está tudo normal. Não teve a morte de peixes aqui na comunidade”, ressalta.

Depois que as manchas de óleo chegavam, o trabalho de retirada do resíduo das praias era árduo. Além do governo, os voluntários também se empenharam para ver as praias limpas. O grupo Guardiões do Litoral foi criado com esse intuito e até hoje monitora as praias do estado.

“Existe o óleo recorrente, que ficou preso e vem à tona. Isso ocorre mais fortemente em algumas praias, mas em menor quantidade do que aconteceu no ano passado. Buscamos monitorar as praias com a ajuda dos voluntários que moram nas proximidades”, comenta o ambientalista e participante do grupo, Maurício Cardim.

Um ano depois do desastre, uma das preocupações de Cardim é a possibilidade de que, no longo prazo, os hidrocarbonetos existentes no óleo venham parar na nossa mesa com a absorção dessa substâncias por organismos que integram a cadeia alimentar.

Contaminação
Em fevereiro, a Bahia Pesca divulgou os resultados da segunda análise com 34 amostras de pescado coletados em 10 cidades baianas afetadas pelo óleo. O estudo do Centro de Excelência em Geoquímica do Petróleo (Lepetro), da Ufba, indicou que peixes e camarões não estavam contaminados com hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) em níveis acima dos adotados pela Anvisa como seguros. Entretanto, sete amostras de ostras, siris e caranguejos estavam contaminados com HPA em níveis considerados acima dos ideais.

Foram analisadas 34 amostras de ostras, peixes e crustáceos, coletados entre os dias entre 27 de janeiro e 13 de fevereiro. Destas, apenas sete possuíam o índice mais elevado de contaminação. As coletas aconteceram em dez cidades baianas: Jandaíra, Conde, Entre Rios, Camaçari, Salvador, Itaparica, Vera Cruz, Jaguaripe, Valença e Taperoá.

Em janeiro e fevereiro deste ano, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) iniciou o processo de capacitação das equipes de Saúde da Família e das vigilâncias municipais para implantação do protocolo Orientações Técnicas para Avaliação de Saúde de População Exposta a Petróleo e do monitoramento de saúde dos expostos. Em março, o trabalho foi interrompido com a pandemia. A pasta estima que menos de 10% das ocorrências foram notificadas.

“A Bahia Pesca ia fazer coletas até o final do ano, mas tivemos que suspender as idas a campo com a pandemia. Somente com a retomada das atividades, vamos poder saber como está a concentração de HPA nos pescados”, comenta o técnico da Bahia Pesca, Brunno Falcão.

De acordo com a Sesab, parte das pessoas que tiveram contato com a substância relatou de sintomas agudos, como irritação respiratória, falta de ar, lesões de pele, tonturas, dor de cabeça por horas ou dias. Com o protocolo, a pasta vai avaliar sintomas e potenciais adoecimentos a médio e longo prazo, a exemplo de distúrbios neurológicos, doenças hematológicas e outras. 

“A longo prazo [podem ocorrer] doenças neurológicas, hematológicas, cânceres, impactos psicossociais”, aponta a pasta, que indica que o maior impacto observado foram psicológicos pela impossibilidade de realizar a pesca nas regiões afetadas.

Resquícios das manchas
Por volta de dezembro, ocorreu uma redução no volume de manchas de óleo que chegava nas praias, estima o superintendente da Sudec, Paulo Sérgio Luz. Entretanto, resquícios do óleo continuam a aparecer no estado. De acordo com ele, os municípios realizam a limpeza das novas manchas, contando, inclusive, com o apoio do Corpo de Bombeiros em casos do aparecimento de uma quantidade maior de resíduo.

Desde a chegada do óleo na Bahia, pesquisadores do laboratório de Kelmo estudam os impactos do material. As comparações das condições do oceano em Praia do Forte, Guarajuba, Genipabu e Itacimirim após o desastre com o que era visto antes apontam que houve perda da biodiversidade, redução da densidade populacional e o aumento de doenças em corais da região.

Em 20 de setembro, o diretor do Ibio/Ufba encontrou alguns pontos de óleo enterrado na areia, em Itacimirim. “A gente procura ser otimista. Nessa nova estação reprodutiva que começou agora, desejo que os animais comecem a reproduzir e recuperar o estoque da vida marinha. Entretanto, como ainda tem óleo enterrado em vários pontos do litoral, é bem possível que isso não aconteça”, comenta o pesquisador.

No Instituto de Geociências da Ufba (Igeo), os pesquisadores estão em alerta para analisar todas as novas manchas de óleo que aparecem pela costa do Nordeste. Segundo a diretora do Igeo/Ufba, Olívia Oliveira, pesquisadores da instituição já realizaram mais de 70 análises em todos os estados nordestinos e todos corroboraram com o que foi apontado no começo do desastre, que o óleo possui origem da bacia petrolífera venezuelana.

“Analisamos para saber a origem da nova mancha. Sendo do mesmo episódio, o culpado, quando for identificado, deverá assumir a culpa por todos estes eventos não apenas o da época da chegada do óleo”, explica. 

A pandemia impediu a continuidade de algumas pesquisas no Igeo, bem como a coleta de novas amostras de pescado pela Bahia Pesca.

Cidades oleadas na Bahia

  • Jandaíra
  • Conde
  • Esplanada
  • Entre Rios
  • Mata de São João 
  • Camaçari
  • Lauro de Freitas
  • Salvador
  • Itaparica
  • Vera Cruz
  • Jaguaripe
  • Valença
  • Cairu
  • Taperoá 
  • Nilo Peçanha
  • Ituberá
  • Igrapiúna
  • Camamu
  • Maraú
  • Itacaré
  • Uruçus
  • Ilhéus 
  • Una 
  • Canavieiras
  • Belmonte
  • Santa Cruz Cabrália
  • Porto Seguro
  • Prado
  • Alcobaça
  • Caravelas
  • Nova Viçosa 
  • Mucuri (Cooreio)
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