13 de maio: um marco da luta negra por cidadania há mais de 133 anos

Coordenadora geral da Casa Akotirene, Joice Marques denuncia que, após a abolição, os avanços sociais foram poucos, comparados aos danos provocados pela escravidão - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Uma luta que tem cor, raça e endereço. Por séculos a população afro-brasileira tem buscado condições dignas de viver em sociedade e, mesmo com alguns direitos conquistados, está longe do ideal. Após 133 anos da abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, o retrato que se vê dos negros no Brasil é cruel, com altos índices de violência e desemprego. De acordo com dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), em 2018, dos 2.881.854 habitantes do DF, 1.659.995 se declararam negros (57,6%). A maioria vive em regiões periféricas e de baixa renda.

Segundo estudo da Codeplan, em média, os negros recebem 39,4% a menos do que a população não negra. E 15,8% das mulheres negras trabalham como empregadas domésticas para sustentar a família. Uma realidade que se reflete no comportamento vivenciado em 1888, depois da Lei Áurea. O professor de artes e membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UNB) Nelson Fernando Inocêncio da Silva, 59 anos, faz uma análise histórica desse processo. “A abolição não permitiu que a população negra se tornasse cidadã. A Lei Áurea foi uma forma de se livrar da população negra, tirando a responsabilidade, e a deixando à margem, nas periferias e favelas. O Estado não chega com serviço de saúde, educação e jurídico. O Estado só chega para reprimir”, destaca.

“A abolição é a transição mais longa do Brasil. Buscamos, há mais de um século, que a população negra participe e se torne cidadã efetivamente, com respeito a sua identidade. Não podemos pensar em democracia sem pensar na população negra”, ressalta Nelson Inocêncio. “Nós não temos garantia nenhuma de que o futuro será melhor do que o presente, mas temos que arregaçar as mangas para buscar uma condição mais justa”, afirma o professor.

Para o coordenador distrital do Movimento Negro Unificado do DF, Geovanny Silva, 30, o regime escravocrata e a abolição foi um dos períodos mais cruéis da história da humanidade. Na avaliação dele, houve uma falsa libertação pois não houve política de inserção social. “Não foi dado condições de ensino, política habitacional para que a população negra pudesse ter sua própria moradia. A gente vê um histórico de muita discriminação, de muitos problemas sociais que se refletem até hoje”, destaca.

Na avaliação de Joice Marques, 34, coordenadora geral da Casa Akotirene — Quilombo Urbano, o 13 de maio não deve ser celebrado. “É impossível comemorar enquanto vivemos em uma realidade muito dolorosa. É preciso unificar o nosso discurso de resistência e luta. Em mais de 130 anos, os avanços são muito poucos em comparação ao que foi retirado. É preciso ter um equilíbrio na balança”, avalia. “É triste ver que, em 2021, a gente está lutando pela mesma coisa que há 133 anos. O Brasil é um país que tem um débito com a sua própria história. A gente precisa desse acerto de contas”, ressalta Joice, que faz um trabalho junto a Beatriz Velozo e Kellen Vieira na Casa Akotirene de resgate da história afro-brasileira e da identidade da população negra. O trio tem sido um pilar importante para a comunidade carente de Ceilândia, principalmente durante a pandemia, com a assistência na saúde mental e social de 150 famílias.

Conquistas e desafios

Falar de avanço da população negra só é possível ao evocar a luta dessa comunidade. “Foi muito sangue derramado para que essas conquistas se tornassem reais. Mas, a principal delas é a criminalização do racismo, isso no final da década de 1980, depois de quase 100 anos da abolição. E essa é uma conquista que ainda não foi consolidada, temos poucas condenações pelo crime”, frisa Geovanny Silva. Para ele, o maior desafio, hoje, é o racismo.

“Precisamos superar o caos do sistema de segurança pública, que mira em um jovem negro de qualquer forma. A gente vê chacinas, como a que teve na semana passada, na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. São vidas negras colocadas em risco. Isso é um grande desafio. De não criminalizar a população negra e sua cultura”, avalia Geovanny.

A política de cotas nas universidades e em concursos públicos é um elemento de promoção da população negra de grande impacto, na análise da professora do Departamento de História da UnB Ana Flávia Magalhães Pinto. “O Brasil se beneficiou muito dos movimentos sociais negros. As lutas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) envolveram muitos militantes negros. As ações afirmativas, a política de cotas sociais. As políticas de saúde de combate à mortalidade infantil. O 13 de maio é um dia de luta pela manutenção dos direitos conquistados”, defende a docente.

História

Ana Flávia conta que o processo para a abolição da escravidão no Brasil foi lento e começou bem antes de 1888. “É importante a gente falar das vidas negras que fazem parte dessa luta. Luis Gama, Chiquinha Gonzaga, Maria Firmino dos Reis, entre outros nomes foram grandes abolicionistas”, lembra. Os movimentos negros iniciaram e, ao longo dos últimos anos, têm ganhado força e fôlego.

De acordo com a historiadora, o Estado fez de tudo para prolongar a escravidão no Brasil, com liberação de direitos feita aos poucos. Um dos primeiros marcos ocorreu alguns anos após a independência do país, em 1831, com a Lei Feijó, que proibia o tráfico de escravos. “Mas essa lei não era cumprida, e muitos negros eram escravizados ilegalmente”, explica a professora. Apenas em 1850 esse tipo de ação foi erradicada no território brasileiro.

Em 1871, outro marco com a Lei do Ventre Livre, a qual permitia que os bebês das escravas nascessem libertos. Na prática, as crianças ficavam sob a tutela do senhor, dono dos escravos, até os 8 anos e, depois, poderiam ser encaminhados para a tutela do Estado. “Nesse período, muitas mães fugiam para ficar com os filhos ou pagavam uma indenização para garantir a liberdade dele. Com essa lei, era possível, também, reivindicar a sua liberdade, mas o valor era muito alto”, explica Ana Flávia. Após 14 anos, foi decretada a Lei Sexagenária, autorizando a libertação de escravos com mais de 60 anos. E três anos depois, a abolição da escravidão no país.

Linha do tempo

1831
Lei Feijó: proibição do tráfico de escravos que, na prática, não surtiu muito efeito.

1850
Lei Eusébio de Queiroz: fim efetivo do tráfico de escravos no Brasil.

1871
Lei Rio Branco (lei do Ventre Livre): filhos de escravas nascem livres do regime escravocrata brasileiro. Oportunidade de compra da liberdade.

1885
Lei Saraiva-Cotegipe (Lei sexagenária): libertação dos idosos com 60 anos ou mais.

1888
Lei Áurea: abolição formal da escravidão no Brasil.

Solidariedade

A Frente Nacional Antirracista (FNA), em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa), fará um ato nacional para marcar o dia da abolição do trabalho escravo no Brasil. A ação está prevista para ocorrer em várias regiões do país com entrega de cestas básicas em favelas, comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas. No Distrito Federal, a iniciativa entregará, hoje, 300 cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social do Sol Nascente. (Correios Brasiliese)

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