1ª rapper mulher no RiR: “Homens não consomem muita música feita por mulheres”

Foto: Reprodução

Bivolt é cria do Boqueirão. No rap, é cria das batalhas. Isso porque ela se formou como MC nas ruas, no Freestyle. Entre singles e participações, a artista chamava a atenção no mundo do rap, sendo a primeira rapper mulher a se apresentar no Rock in Rio em 2017, até alcançar o vôo definitivo: o primeiro disco. 

“Bivolt”, assim auto-intitulado, mostra os dois lados da cantora. O 110 explora o lado romântico da artista, enquanto o 220 evidencia sua formação oriunda das batalhas de rap, a linguagem da rua, as rimas mais intensas.Em conversa com o Terra, a rapper fala sobre o processo de lançamento do primeiro disco, a participação nas batalhas de rua e a visibilidade feminina no Rap. Confira a entrevista a seguir: 

Você começou nas batalhas. Como surgiu o seu interesse e vontade de participar? Você tinha algum receio porque, na época, era um ambiente dominado por homens?

No meu rolê eu já estava habituada a andar mais com homens que com mulheres. Eu gostava de andar muito na rua, de empinar pipa, andar de skate. Foram coisas que eu cresci fazendo mais com homens que com mulheres. Quando eu colei na batalha pela primeira vez, a galera ficou muito surpresa que eu realmente queria batalhar. Ninguém nem sabia se podia mulher ou não. Num primeiro momento eu fui bem apoiada a me inscrever e realizar aquilo de fato, mas conforme eu ia todo sábado, cada vez mais, eu percebi que muitos homens se sentiam incomodados em me ter ali, me tratavam como “café com leite” até o ponto onde eu fui ganhando. Aí, quando eu comecei a ganhar, já era. Ficou louco, de igual pra igual. Mas receio é algo que eu nunca tive porque eu nunca tive medo de enfrentar os meus problemas, é uma coisa bem pessoal minha. Receio foi realmente uma coisa que eu não tive. 

O que você acha dessa maior visibilidade que as mulheres conquistaram no rap?

Eu acho extremamente necessário, porém o consumo dos homens nos trabalhos femininos ainda é muito baixo, então eles consomem muito pouco o que as mulheres fazem e acaba que o nosso público se restringe mais a um público feminino. E isso deixa a gente um pouco distante de uma parada igualitária. Porém, o fator de ganharmos mais público, mais visibilidade, mesmo que seja feminino, incentiva que outras mulheres estejam cada vez mais em atividade, produzindo, cantando, fazendo acontecer como DJs, em várias vertentes, independentemente do gênero. Eu sinto que não só no rap, mas na música em geral as mulheres estão entrando mais em cena e ganhando mais espaço. O que me deixa mais a desejar, ainda, é que os homens não consomem muita música feita por mulheres, acho que é cultural e estrutural, que tem que mudar. Talvez a próxima geração esteja com a gente nessa. 

Quais artistas te inspiram?

Em geral, as pessoas me inspiram muito com as suas histórias, suas superações. Eu cresci ouvindo as músicas que minha avó gostava. Ela gostava muito da Elis Regina, então todo mundo diz que eu pareço com ela, que eu sou a reencarnação dela e eu acho até engraçado, ela era uma das cantoras favoritas da minha avó. Eu cresci ouvindo muita música internacional também, como Lauryn Hill e Erykah Badu, que são artistas mulheres que além de todo o trabalho musical impecável, principalmente de elas cantarem e rimarem assim como eu, elas são referências não só nisso pra mim, mas também a história de vida, principalmente a Lauryn Hill.

No Brasil, muitas artistas me inspiram também. Negra Li, uma mulher que era de um grupo de Rap totalmente masculino e só ela ali de mulher, fazendo e acontecendo, cantando e rimando. São várias minhas inspirações, mas o que mais me inspira são as histórias das pessoas, o cotidiano. Acho que musicalmente isso me afeta muito mais que as próprias músicas. 

Como foi o processo de lançar o seu primeiro álbum?

O processo foi muito legal, porque é algo que eu tenho buscado há muitos anos. Hoje, eu enxergo que veio na hora certa. Criar isso junto com o Nave, trazer para mim outras perspectivas sonoras, me desafiar bastante como compositora, fazer uma parada mais minimalista e ao mesmo tempo grandiosa… Foi um processo bem divertido, que aconteceu de um jeito bem fluido. Acho que amor e alegria definem esse processo. 

E como aconteceram as participações? Como foi trabalhar com esses artistas?

No geral, todas as participações que eu chamei pro disco a gente já era meio amigo. Isso tornou o processo ainda mais gostoso, porque acho que fazer música com quem você ama é minha real intenção. Tasha & Tracie e o Lucas Boombeat são meus amigos de infância, Dada Yute também, a gente é da mesma quebrada. Sempre fizemos rolês juntos, nos conhecemos há muito tempo. O Jé Santiago, sem palavras, meu sonho era fazer uma música com ele, da época dele de R&B. A Xenia foi a participação mais inusitada, eu sou muito fã, de ir em show, consumir, comprar disco… Era um sonho fazer uma música com ela, e os cosmos me ouviram e me presentearam com essa benção. Coincidentemente, minha empresária cruzou com ela em Nova York, coisa mais improvável de acontecer. Xênia quis ouvir a música, ela gostou, tocou no coração dela e rolou, fluiu. Ficar no estúdio com essa mulher, meu Deus! Ela é pura alegria, foi muito bom! Durante a gravação dessa música o Lula foi solto, nossa, foi emocionante! Foi um dia que entrou para a minha memória, com certeza! Eu fiz músicas com pessoas que eu conheço, admiro e sou fã.

(TERRA)

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