Os números do mercado mostram que iniciar uma empresa, seja pela realização de um sonho ou por necessidade, requer coragem, porque nem sempre é sinônimo de retorno satisfatório e instantâneo. Os quase dois milhões de pequenos negócios baianos já sabem disso, ou pelo menos 84% deles. Isso porque oito a cada dez empreendedores no estado têm uma renda de até dois salários mínimos, pouco mais de R$ 2,6 mil por mês. Esse número foi revelado por uma pesquisa do Sebrae, que levou em conta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do terceiro trimestre deste ano. Há, no entanto, alguma esperança. O mesmo estudo apontou que esse rendimento aumenta à medida que o empreendedor se qualifica e se formaliza.
Analista da unidade de gestão estratégica do Sebrae Bahia, Anderson Teixeira enxerga esse índice como preocupante. Não só porque o número é superior à média nacional – que é de 68% dos empreendedores com renda até dois salários mínimos –, mas também por institutos como o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) já calculam que a renda ideal para uma família seria algo em torno de R$ 6,5 mil ou quase cinco salários mínimos.
“São dados que mostram uma realidade que pode até desestimular quem está pensando ou se preparando para abrir o próprio negócio. Com esse cenário, as pessoas tendem a optar por priorizar um emprego com CLT, quem vai achar que é melhor empreender do que a certa estabilidade de um emprego com carteira assinada e o salário certo em todo final de mês?”, aponta o analista do Sebrae.
Para Érika Macedo, por exemplo, o empreendedorismo não foi uma escolha. Na verdade, foi uma necessidade. Ela era corretora de imóveis, mas se viu desempregada e com uma filha pequena em plena pandemia da Covid-19. Encontrou na produção de bolos, doces e salgados uma forma de levar renda para casa e assim criou a Delícias da Kika. Em três anos empreendendo, superar a barreira dos dois salários mínimos em faturamento não tem sido fácil para Érika.
“Ainda me encontro nessa faixa, não está sendo fácil ultrapassar essa barreira. O material é muito caro, não gosto de trabalhar com produto de meia qualidade. Faço mercado toda semana, corro vários atacados atrás de promoção para conseguir ter um lucro maior. Precisamos estar sempre confiante de que vai melhorar”, afirma.
Érika mora com a filha de cinco anos e sustenta sozinha a casa. Ela faz parte de um perfil de grande representatividade entre os empreendedores baianos: aqueles que conciliam a gestão do negócio com a chefia do domicílio. Eles representam uma fatia de 57% do empreendedorismo no estado. E não é só em casa, Érika está sozinha também nas tarefas da empresa. É ela quem compra os insumos, produz e ainda faz a entrega. Junto com tantos outros empreendedores que tocam o negócio por conta própria, a dona da Delícias da Kika representa 89% das micro e pequenas empresas baianas.
Para o analista do Sebrae, essa falta de suporte nas atividades da empresa é um dos fatores que contribuem para frear o faturamento dos empreendedores baianos. A ausência de planejamento e de gestão financeira também. “O que vemos é que esses empreendedores não estudam o mercado, não entendem as suas habilidades e nem o perfil e necessidades de seu público. Acabam replicando atividades. Por isso, chegamos em muitos bairros e tem um monte de barbearia, porque um vai replicando o outro. Isso impacta no faturamento. Tem pouco consumidor para muito negócio. Ele acaba praticamente só trocando dinheiro”, alerta Teixeira.
Capacitação é essencial
Outro fator que costuma prender o empreendedor na barreira dos dois salários mínimos de faturamento é a resistência a se conectar. O analista do Sebrae é taxativo: as redes sociais não são apenas para construir relação com o público, elas hoje também são plataformas para venda e lucro. Segundo a pesquisa, capacitação – não só nesta, mas também em outras áreas ligadas ao negócio – aumenta as chances de crescimento do faturamento.
“Esse ainda é um desafio muito grande a ser superado entre os empreendedores. Temos um percentual muito grande de donos de pequenos negócios com baixa escolaridade. Fazer com que eles retornem para uma sala de aula para aprender, para se capacitar é um desafio, mas é importante, porque é o que vai trazer diferencial para o negócio”, explica.
A publicitária Rosangela Garcia acredita no poder da capacitação e investiu nisso. Com uma agência de marketing digital e inteligência de dados, ela já tem dois cursos superiores e duas pós-graduações, mas atualmente ainda está conciliando uma mentoria do Sebrae, um curso e m uma instituição internacional e um MBA. Algumas dessas experiências foram divisores de água na sua forma de empreender, revela ela.
“Nem todo mundo consegue ter uma graduação, mas existem cursos, como essas mentorias, que contribuem muito para o empreendedor, são experiências enriquecedoras, que trazem insights, ajuda a pensar em soluções e trazem a parte da mão na massa”, opina.
Até agosto deste ano, Rosangela conciliava seu negócio com um emprego CLT. Com a carga de trabalho, era difícil se dedicar como queria à sua própria agência, mas ela acabou sendo demitida e no mês seguinte a chave virou: iria se dedicar integralmente a sua empresa. A publicitária chegou, inclusive, a negar convites para novas vagas com carteira assinada. Foram anos adiando esse projeto após um outro negócio, de venda de moda íntima e cosméticos, chegar ao fim justamente por problemas com o faturamento.
A empreendedora Carolina Guimarães, dona da loja de plantas e itens de jardinagem Kerol Flores Garden, ainda concilia seu negócio com a faculdade. Estudante do curso de Zootecnia, ela montou o negócio no pátio de sua casa há sete anos. O faturamento ainda não é suficiente para locar outro espaço, não supera a faixa dos dois salários mínimos, conta ela.
Carolina sozinha também é responsável por tarefas que vão desde a venda e limpeza da loja até a contabilidade e o marketing. A grande dificuldade para ela é justamente o que foi enfrentado por Rosangela nos primeiros meses de sua agência: conciliar o negócio próprio com outras atividades. “A principal barreira para aumentar essa renda é justamente porque não posso manter a loja aberta todos os dias da semana, não tenho mão de obra para isso”, relata.
A empreendedora ainda se prepara financeiramente para abrir um CNPJ. Por enquanto, ela faz parte do grupo de micro e pequenos negócios informais. Segundo aponta a pesquisa do Sebrae, são eles os que costumam ter menor renda: 90% desses negócios faturam até dois salários mínimos. Entre os formais, esse número despenca para 58%.
Isso, segundo o especialista do Sebrae, significa que com a formalização há crescimento dos rendimentos mensais do negócio. As explicações, para ele, são muitas: desde a facilidade do acesso ao crédito e a cursos de capacitação até as facilidades na relação com os fornecedores. “O informal também é empreendedor, mas ele encontra ainda mais limitações”, conclui.
(A Tarde)