Cada movimento dos filhos é uma fofura: dá vontade de registrar eles escovando os dentes, voltando da escolinha, brincando com os amigos, com o cachorro e tantas outras cenas do cotidiano. Com as redes sociais, esses momentos são exibidos online e o comportamento ganhou até um termo em inglês, o sharenting(união de share, compartilhar, e parenting, parentalidade).
O problema é que o hábito pode trazer riscos. “A internet é a maior praça pública do planeta, e ainda que você tenha a sensação de que está compartilhando algo só para seus amigos, outras pessoas que não são tão próximas terão acesso àquela informação”, comenta Rodrigo Nejm, diretor de educação da Safernet, associação civil especializada em segurança digital.
Isso não quer dizer que não é permitido postar fotos dos filhos, mas sim que, ao fazer, é preciso tomar alguns cuidados. “Compartilhar uma imagem ou informação é como colocar um outdoor nessa praça pública”, explica Nejm.
Segurança no mundo real
As redes sociais são um local onde pessoas mal intencionadas podem encontrar todos os dados que precisam para planejar um crime, por exemplo. “Quando você posta sem crivo, com o uniforme da escola, por exemplo, está divulgado para todos onde seu filho estuda e onde pode ser encontrado”, alerta Kelli Angelini, gerente da Assessoria Jurídica do NIC.br, entidade ligada ao Comitê Gestor da Internet no Brasil.
“Acontece de verdade de sequestradores, ao serem questionados sobre como obtiveram informações das vítimas, responderem que usaram as redes sociais”, destaca Kelli.
Antes de postar, verifique se há alguma pista da sua vida offline na foto. Além do uniforme, cuidado com modelos de carro, nomes de rua e check-in ou marcações em locais que fazem parte da rotina: escola, clube, prédio e outros. São pequenos detalhes que, para alguém mal intencionado, viram um portfólio de dados sobre a família.
“Se expor assim é como andar na rua tarde da noite com um notebook na mão, mas não temos essa consciência online”, destaca Fabricio da Mota Alves, advogado especialista em segurança digital e assessor jurídico do Senado Federal. “Nosso maior tesouro são os filhos, então pra que vamos deixar esse tesouro exposto na internet?”, raciocina o jurista.
Riscos virtuais
O mais destacado pelos especialistas é a exploração da imagem da criança para fins sexuais. Pedófilos buscam na internet fotos de família. “E eles possuem um olhar bem perverso, então cliques na piscina, trocando de fralda ou qualquer exposição do corpo podem acabar parando nas mãos erradas”, aponta Nejm.
A Polícia Federal investiga quadrilhas que atuam buscando e comercializando retratos infantis em redes de pedofilia. “E muito mais grave é pensar que, ao compartilhar informações, os pais podem acabar permitindo que o criminoso entre em contato com o filho no mundo real”, lamenta Mota.
Além da questão do corpo na foto, as hashtags relacionadas a família, como #mãedemenina #amomeufilho e tantas outras, também são usadas para fins escusos.
Mantenha o perfil privado
Restringir a privacidade dos aplicativos ajuda a impedir que as fotos sejam vistas por todos os usuários da rede. O Instagram possui a opção de fechar o perfil apenas para amigos e dá para selecionar os mais próximos na lista Melhores Amigos antes de postar os stories da família. No Facebook é possível ainda criar listas de pessoas que podem visualizar a publicação.
Mesmo que seu perfil seja fechado, reflita se seus amigos são mesmo seus amigos. “Se você tem mil amigos, pessoas que não são tão próximas assim terão acesso ao conteúdo que você posta, então o amigo do amigo pode tirar um print daquilo”, explica Nejm.
Evite postar momentos íntimos demais
Detalhes da rotina, situações bem particulares podem ser fofas para a família, mas gerar constrangimento para a criança no futuro. “Há uma responsabilidade parental com relação a exposição desmedida dos filhos”, comenta Fabricio.
“Uma vez na rede, não é possível garantir que aquele conteúdo sumirá mesmo se for deletado, e isso pode trazer sofrimento no futuro, ainda que seja algo aparentemente inocente”, destaca o advogado.
“Quando dou palestras em escolas, os próprios adolescentes contam que os pais postam as imagens deles e eles não se sentem confortáveis com isso”, relata Kelli. O ideal é prestar atenção se os filhos estão gostando da exibição, o que nos leva ao próximo ponto.
A criança tem direito à privacidade
É preciso ensinar desde cedo que o pequeno tem direito à privacidade e deve preservar sua identidade virtual. Nesse sentido, a exposição excessiva tem dois problemas: pode gerar momentos desagradáveis aos filhos e, no futuro, tornar a criança um adolescente vulnerável online.
Uma das maneiras de educar sobre o tema é pedir permissão ao filho quando ele estiver maiorzinho antes de publicar alguma imagem. Ser exemplo também é importante. Se o pai posta em excesso e dá informações pessoais demais, pode estar criando um filho que também compartilha muito da vida sem crivo nenhum, o que expõe à riscos.
Por último, vale a reflexão de que essa identidade também tem um valor mercadológico. “Na medida que você começa a publicar fotos das crianças, fornece para as empresas digitais informações biométricas que podem ser usadas para fins comerciais”, destaca Fabricio.
A Lei de Proteção de Dados, que entra em vigor em agosto, tem um capítulo específico sobre privacidade infantil. “Ela diz que os pais devem dar autorização para as empresas utilizarem os dados dos filhos”, comenta o advogado.
Dicas para postar fotos dos filhos
- Antes de postar, verifique se a foto tem informações pessoais ou que revelem detalhes da rotina (uniforme da escolinha, por exemplo)
- Evite fazer check-ins em locais que a família visita com frequência (escola, clube, igreja etc)
- Cuidado com fotos que exponham demais o corpo da criança
- Faça uma lista de Melhores Amigos no Instagram para compartilhar os cliques
- Mantenha seu perfil privado e as postagens restritas aos amigos no Instagram e no Facebook
- Escolha os momentos mais bacanas para serem compartilhados — e pense se o registro pode trazer constrangimento ao filho no futuro
O site da Safernet conta com materiais bacanas sobre educação digital e segurança. Há inclusive uma cartilha específica sobre redes sociais e uma central de ajuda para tirar dúvidas. (Bebê.Abril)