Primeiro: o que é cantar bem? Alguns critérios são questão de treino: não desafinar, controlar bem a respiração e dominar a técnica de cada registro (registros são os diferentes mecanismos de produção de som com as cordas vocais – como o falsete ou o modal, que é a voz comum). Também é importante, por exemplo, fazer transições suaves de um registro para o outro.
É possível praticar e melhorar sensivelmente em cada um desses critérios, do mesmo jeito que podemos melhorar em instrumentos musicais.
Outros critérios, como o timbre, são considerados bons ou ruins conforme a estética da época. O vibrato exagerado das cantores de ópera italianas era motivo de tiração de sarro pelos críticos ingleses do século 19. A voz rouca de Joe Cocker seria deselegante no pop de Frank Sinatra, mas conquistou a década de 1960. O nasal nada sensual de Bob Dylan não é considerado propriamente agradável pelos fãs, mas ele nunca quis ser agradável: sua voz cortante casava com a mensagem de suas letras. O timbre é uma característica biológica, evidentemente.
Bem como a tessitura: certas pessoas alcançam mais notas que outras, e embora sempre se possa ganhar alguns meios tons a mais com alguns anos de treino, MC Jerry num vai chegar ao falsete de MC Melody. Como uma nota muito aguda sustentada por vários segundos é algo impressionante, o público não especialista pode ter a impressão de que pessoas de voz mais aguda cantam melhor – ainda que essa nem sempre seja a parte mais desafiadora de uma peça do ponto de vista técnico.
Por fim, há o repertório: pessoas acostumadas a ouvir música e cantar desde a infância terão mais facilidade em acertar a afinação, e tendem a transpor os trejeitos de seus ídolos em sua própria maneira de cantar. Em resumo, cantar bem é uma mistura de como você nasce, do quanto você pratica, de como você é criado e, enfim, se sua voz está em sintonia com o espírito de sua era. Difícil. (Super Interessante)