Irreconhecível. É assim que está a Avenida Sete de Setembro. O vai e vem frenético de clientes e a agitação de vendedores ambulantes anunciando as mercadorias deu lugar a calçadas vazias, lojas fechadas e um silêncio que não lembra nem de longe o frenesi de um dos principais centros populares de Salvador. O setor estima prejuízo de mais de 70% no faturamento.
O supervisor de vendas Geanderson Anjos, 22 anos, foi uma das poucas pessoas que estavam na Avenida Sete na tarde desta terça-feira (24). A loja de tecidos em que ele trabalha era a única aberta em todo o quarteirão e estava vazia quando a equipe de reportagem chegou. O trabalhador contou que o movimento começou a reduzir na semana passada.
“Já tinha caído uns 15%, mas no sábado foi ainda pior. Muitas lojas não abriram porque foi dia de paralisação. Aqui abriu, mas a queda no movimento foi de 80%. De lá pra cá ficou ainda pior”, contou, enquanto aguardava por algum cliente. Lá dentro, os funcionários conversavam para matar o tempo.
Além do medo de transmissão do novo coronavírus e dos apelos das autoridades para que as pessoas fiquem em casa, o mau tempo também fez muita gente desistir das compras. Na região do Relógio de São Pedro, sem a presença das barracas dos vendedores ambulantes, era possível ver até as fachadas das lojas. Todas fechadas.
Apenas farmácias e agências bancárias funcionaram nesta terça-feira. A loja de tecidos onde Geanderson trabalha e um estabelecimento que vende produtos para festas foram as únicas exceções. O balconista da loja de acessórios, que pediu para não ser identificado, contou que poucos clientes apareceram. “E quem apareceu mora por aqui”, disse.
Ele contou que o dono do negócio está preocupado com o pagamento do aluguel onde o estabelecimento funciona e que essa foi a única razão para manter o local aberto. “Mas ele já disse que está aguardando apenas o decreto da prefeitura mandando fechar o comércio de rua para baixar as portas. Não tem outro jeito. Com o movimento tão fraco, é melhor fazer como as outras lojas e fechar também”, disse.
Na rua, estavam apenas os trabalhadores que estão realizando as obras de requalificação. Poucos moradores se arriscaram sair de casa e nada de clientes com sacolas, como costuma ser comum por ali. Sobrava vaga de estacionamento na frente das lojas, uma raridade. Os comerciantes da Avenida Joana Angélica e da Rua Chile também baixaram as portas e, na Rua Carlos Gomes, apenas o som dos bares marcava presença – eles, inclusive, estão proibidos de abrir a partir desta quarta (25).
Prejuízo
Para o presidente do Sindicato dos Lojistas do Estado da Bahia (Sindlojas), Paulo Motta, março de 2020 pode ser considerado um mês perdido para os comerciantes de rua. Ele contou que, até a semana passada, o prejuízo no faturamento era de cerca de 70%, mas que a situação ficou ainda pior nos últimos dias.
“Não era para ser assim. Março é um mês bom porque é o período de volta às aulas, mas devido a essa pandemia e tudo que tem acontecido, a economia está sendo prejudicada, ainda mais com essa possibilidade do fechamento do comércio de rua. Abril tem Páscoa e maio tem Dia das Mães. Estamos preocupados com essas datas também”, disse.
Os empresários ainda não sabem como vão fazer para amenizar as perdas, e esperaram socorro da União. “Não temos muito que fazer. Somos reféns da situação. Vamos acompanhar o que o Governo Federal vai fazer, quais decisões vai tomar. A partir daí pensaremos em como vamos agir”, afirmou Motta. Em Salvador, são 12 mil lojas e 122 mil trabalhadores nesse segmento.
A prefeitura de Salvador estuda a possibilidade de fechar o comércio de rua como forma de barrar o avanço da transmissão da Covid-19. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro já fizeram o mesmo. Casas de shows e espetáculos, boates, danceterias, salões de dança, casas de festas e eventos, clínicas de estéticas e salões de beleza, além de bares e restaurantes também serão fechados a partir desta quarta-feira (25) na capital baiana – a determinação vale por 15 dias, mas pode ser prorrogada. Os shoppings suspenderam as atividades desde a semana passada e até as praias foram interditadas.
A Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) informou que, até às 17h desta terça, 48 pacientes foram confirmados com a doença em Salvador. Em todo o estado, são 79 casos.
O diretor jurídico do Sindicato dos Comerciários de Salvador, que representa os trabalhadores, Alfredo Santiago, disse que o cenário é incerto e cobrou mais medidas de segurança dos lojistas.
“Estamos sentindo os impactos negativos, desde a queda brusca nas vendas ate as demissões que estão ocorrendo, além da incerteza de centenas de trabalhadores que não sabem se receberão salário no final do mês. Ainda há negligência de alguns lojistas que não adotaram as medidas de segurança para proteger seus trabalhadores e seus próprios negócios”, afirmou.
Alfredo disse que é preciso bom senso para superar mais esse desafio e para encontrar o equilíbrio. A farmacêutica Gabriela Alves, 34 anos, passou apressada pela Avenida Sete. Segurando firme a bolsa com uma das mãos e com um guarda-chuva na outra, ela usava máscara e contou que só saiu de casa porque mora na região e precisava comprar uma medicação.
“Minha avó é hipertensa e necessita de um remédio que já está acabando. Aproveitei que estou de folga e vim comprar, mas já estou voltando. Além do risco de contaminação em sair de casa, o fato de a rua estar vazia provoca uma sensação de insegurança. E tá frio”, brincou. Ela disse que a sensação ao caminhar pela região é como se todos os dias fossem domingo. “Tudo fechado e quase nenhum movimento. É triste”, afirmou.
Procurada, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado da Bahia (Fecomércio) informou que ainda não fez o levantamento do prejuízo provocado pelo novo coronavírus no comércio de rua.
Correio da Bahia