O urologista Lucas Batista, 46, atual presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (Seção Bahia), acredita que conhece todas as piadas relacionadas à sua especialidade, responsável pelo trato urinário de homens e mulheres e genital dos homens. Formado pela Escola Bahiana de Medicina e doutor pela Universidade Federal de São Paulo (USP), ele é professor de urologia da Universidade Federal da Bahia, onde também é chefe do Serviço de Urologia da instituição. Nesta entrevista, quando há uma estimativa de que cerca de 65 mil homens sejam diagnosticados com câncer de próstata no Brasil em 2020, o especialista em laparoscopia urológica e cirurgia robótica fala sobre os impactos do isolamento social nos tratamentos urológicos e faz considerações sobre relacionamentos conjugais, telemedicina e questões que envolvem valores geracionais.
Os homens não têm a cultura de fazer exames de prevenção de doenças além do câncer de próstata, diferentemente das mulheres, que frequentam um ginecologista. Por que é importante mudar esse comportamento?
As pessoas têm orientação pelas sociedades médicas, pela mídia, e ficou generalizado que deve procurar um urologista a partir dos 50 anos, principalmente para a prevenção do câncer de próstata: aos 45 anos, quando ele tem história familiar de câncer de próstata, e aos 50, quando não tem história familiar. Mas eles precisam ter um conhecimento e uma educação de começar a ir ao médico ainda cedo, para fazer exames e ter orientações que muitas vezes não têm em casa.
Muito antes de a pessoa chegar à meia-idade, o imaginário machista e as piadas sobre o exame do toque retal, que é associado à perda da masculinidade, já fizeram algum estrago. Como contornar isso?
Com a divulgação em massa, isso tem diminuído bastante. Hoje em dia as pessoas aceitam muito mais ir ao urologista a partir dos 50 anos e realizar o exame físico, o toque retal, com aceitação muito maior do que antes. É verdade que existe essa discriminação, achando que a pessoa que é tocada pode perder a masculinidade, mas isso depende também da educação da pessoa durante a vida, de informações, e o próprio médico conversar e mostrar a importância de fazer o exame físico, em que se percebem alterações a partir do toque. Recentemente, tive um paciente com PSA [exame com coleta de sangue] normal, de 2,3, o normal é ate 2,5, fiz o toque e percebi que tinha um endurecimento da próstata. Acabei pedindo uma ressonância, ele fez a biópsia e deu o diagnóstico de um tumor inclusive mais agressivo. Se ele não tivesse feito o toque, não iria fazer o diagnóstico. Agora, coloque esse exemplo meu, pessoal, numa gama de cem mil homens, um milhão de homens que estão nessa faixa etária, quantos vão ter o diagnóstico de câncer? Porque o Ministério da Saúde diz que todo ano a gente tem em torno de 60 mil, 65 mil homens com câncer de próstata, é um número muito alto.
Como a redução de consultas durante o isolamento social pode impactar essa estimativa de 65 mil casos de câncer de próstata para 2020?
Em primeiro lugar, é preciso dizer que o isolamento tem que existir. Ele é efetivo e tem que ser realizado. Mas precisamos entender que determinadas pessoas têm que manter acompanhamento médico, com respeito às orientações de conduta nos hospitais e consultórios. As pessoas que já estavam em tratamento oncológico, fazendo radioterapia, quimioterapia, que já estavam com cirurgias programadas com biópsia de próstata agendada, aquelas que são sintomáticas, com sangue na urina, que pertencem a grupo de risco elevado, com PSA elevado e em investigação, essas não podem ficar paradas quatro ou cinco meses por causa da pandemia. Há determinados tipos de tumor que você pode esperar com segurança muito grande dois, três, quatro meses, que não vai causar malefício. Tem tumor de próstata que é possível esperar quatro, seis meses sem tratar porque fazemos vigilância ativa, quando o tumor é pouco agressivo e em vez de operar ou tratar, o paciente faz exames de três em três meses e evita fazer a cirurgia naquele momento ou às vezes nem é necessário, a depender da evolução. Mas há outros tipos de tumor que não podem esperar três meses sem tratar, porque vão evoluir. Tratar o paciente numa fase inicial, com cirurgia menos invasiva, é que vai aumentar a taxa de cura, a possibilidade de manter relação sexual e não precisar usar uma fralda por causa de incontinência urinária. Se não tratar, a gente perde esse timing, esse momento específico. Qual a solução disso? É o relacionamento com o paciente que às vezes é perdido com o médico, então, que ele tenha uma relação de confiança e o procure para tirar dúvidas sobre o seu caso.
Qual a sua opinião em relação à telemedicina na urologia?
Acho que a telemedicina é uma ferramenta importante que veio para ajudar e deve ser mantida, mas em casos específicos. Ela jamais vai tomar o lugar de uma consulta presencial. Em alguns casos, o paciente não precisa estar presente no consultório, principalmente os que estão muito distantes, ou são muito idosos, os que não podem se locomover naquele período, seja por problema de saúde ou financeiro. Ela abre uma porta para que o médico consiga informar ao paciente que ele não deve ser mantido em telemedicina e tem que ir ao consultório para ser avaliado, investigado, examinado. Ela proporciona esse tipo de ajuda ao paciente. Agora, muitos médicos acham que a telemedicina veio para ocupar o lado presencial, como se ele ficasse em casa fazendo telemedicina e não precisasse mais ir ao consultório ou que seriam trocados por médicos que não estão treinados, conhecedores, e que por causa do custo os pacientes irão para eles. Eu não vejo por esse lado. Mas tem que ter bom senso com a telemedicina. Muitas vezes temos o fator econômico, financeiro, por trás de várias coisas, inclusive da própria telemedicina, para não prejudicar pacientes e médicos também. O contato com o paciente é muito importante.
Neste momento em que há muita ansiedade por causa do isolamento, muitos falam que casais estão com dificuldade nos relacionamentos. Isso afeta de alguma forma problemas relacionados à disfunção erétil?
Não existe um trabalho sobre aumento de disfunção erétil na pandemia. Vou falar num nível de evidência 5, fraco, quando a gente coloca num plano científico. Mas o que observo em meu consultório, quando pacientes me procuram, é que o nível de disfunção erétil aumentou muito nesta pandemia. O ser humano, os homens particularmente, têm uma tendência muito grande de direcionar grande parte de sua ansiedade, cansaço físico e de estresse para a parte sexual. Tenho muitos pacientes com 30, 40, 50 anos relatando início de disfunção erétil ou ejaculação rápida, que antes não existiam, em todas as faixas etárias.
Logicamente, isso vai aumentando com o envelhecimento da pessoa. Muitos perderam emprego ou não conseguiram segurar a parte financeira, não têm mais contato com amigos, família, parentes ou amigos faleceram, isso tudo traz ansiedade para a pessoa e acaba se refletindo no sintoma psicossomático, exteriorizando esse estresse na parte da sua masculinidade. Aí temos toda parte filosófica, psicológica do ser humano que muitas vezes mostra o seu bem-estar pela parte sexual. Não são todos, mas alguns podem ter a disfunção sexual neste momento.
De forma geral, como se deve proceder?
Os principais inimigos da disfunção erétil são a hipertensão, é preciso controlar a hipertensão, que ele não escolhe ser hipertenso; controlar a diabetes ou não ser diabético, que ele também não escolhe; tratar ou não ter colesterol alto; não fumar, ele escolhe; não engordar acima de 92 cm de gordura abdominal; e é preciso fazer atividade física e se alimentar bem. Isso é a cartilha para todos se protegerem da disfunção erétil. Outra coisa que é muito difícil acontecer e é muito importante: não ser ansioso nem estressado.
Vocês acabam tendo uma função de psicólogos na relação com os pacientes porque eles não costumam tratar de questões da intimidade com outros profissionais. Mas ainda existe o tabu de mulheres irem ao urologista?
Os urologistas que conseguem fazer uma certa função de um terapeuta é importante, mas o profissional que tem a habilidade de ouvir o paciente, identificar que ele precisa de um terapeuta, e se naquele momento já conseguir ajudar de alguma forma, já ajuda muito. É importante ter esse cuidado, essa paciência. Vivo falando isso para meus pacientes que vão frequentemente ao meu consultório e não têm problema nenhum. Todos os exames são completamente normais e ele só vai lá falar sobre sua vida sexual. Tenho paciente que chega ao consultório extremamente ansioso e sai muito calmo, por uma semiterapia, pseudoterapia que fiz sem treinamento. E quando você vai para essa parte sexual é muito interessante porque hoje tem muitas mulheres, pelo menos 50% dos meus pacientes vão com as mulheres acompanhando. As mulheres são mais companheiras, e o casal consegue dividir mais a vida conjugal da parte da saúde do homem, e não apenas da sexual, porque a mulher está ali presente com ele, preocupada com um diagnóstico de câncer e querendo que o parceiro melhore a parte sexual também. Tem muitas mulheres que durante o exame do toque estão presentes. Isso é muito importante porque está vencendo tabus. Quando o casal fica unido desde a prevenção, melhora o tratamento.
Tem a ver com a popularização do feminismo?
Acho que sim, é um choque de gerações. Tratar uma pessoa de 70, 80 anos é completamente diferente a aceitação dele e a de uma pessoa de 30, 40 anos. Eles reconhecem que a mulher tem papel familiar fundamental na casa e na vida deles, e que os interesses dela têm que ser atendidos como os dele são. Isso tem, mas depende da faixa etária. Imagine nossos filhos com 5, 6 anos, como será quando eles tiverem 40? Tenho 20 anos de formado e no começo da minha profissão era difícil atender um paciente e ele declarar que era homossexual. Hoje é extremamente comum, o que é muito bom. Isso ajuda o raciocínio do médico entender o que pode estar acontecendo.
Durante a formação dos médicos, na faculdade, o preconceito em relação ao toque e à urologia também se reproduz?
Não. Eu posso dizer que já ouvi todas as brincadeiras relacionadas à urologia. É difícil você conseguir dizer uma que não ouvi. Amigos meus de meio não médico brincam que isso não é masculino, e retrata nossa cultura. Mas quando você pergunta se eles vão ao urologista, 100% vão. Existem piadas que vou fazer toque, coloco musiquinha, que eu apago a luz, depois dou vinho para o meu paciente, isso meus amigos falam. Mas tudo como brincadeira, intimidade, amizade, não de forma depreciativa. (A Tarde)