O Dia das Mães na comunidade do Jacarezinho, na zona norte do Rio, será marcado pelo luto. Depois da operação policial mais letal da história do estado, com 28 mortos, mães choram a perda de seus filhos.
Antes de ver os becos da favela banhados de sangue, elas tentaram salvá-los. Por volta das 8h da quinta-feira (6), homens encurralados chegaram a enviar mensagens a familiares. A ideia era que, com a presença de mães e esposas, os policiais se convencessem a prendê-los. Mas não adiantou, segundo as famílias.
“Meu filho me ligou às 8h e eu perguntei onde ele estava, para gente ir para lá ajudar. Tinha muito jovem sendo coagido, e a gente ia para lá, as mães, para poder tirar e levarem eles presos. Mãe nenhuma cria filho para ser bandido, eu não criei. Quando meu filho foi para se entregar, no Beco do Caboclo, junto com outros, mataram todo mundo. Foi a hora que meu filho parou de falar comigo.
Eu fui até lá, tinha quatro coagidos. Falaram que meu filho estava na casa. Fiquei no beco esperando meu filho sair, mas ele não saiu. Meu filho não vai voltar mais. Isso não foi operação, foi uma chacina. Isso vai ficar impune? Essas mães todas chorando vai ficar impune? A gente não cria filho pra ser bandido, não.
Nunca vi uma operação dessas. Isso não foi uma operação, foi assassinato. Podiam ter levado preso. E eu ouvi os policiais dizerem que 20 mães chorando era pouco, que tinha que se f* e chorar mais, chorar mais mães ainda.
Eu não vou comemorar mais Dia das Mães, Natal. Minha vida acabou. Eu preferia ser morta, mas enterrar um filho… Eu preferia morrer. Não foi uma operação, foi uma chacina.”
Mãe de Marlon Santana, 23 anos, morto no Jacarezinho
Procurada sobre a denúncia, a Policia Civil afirmou que “as informações não procedem”. Disse também que não houve registro “deste tipo de conduta” na corregedoria ou em vídeos feitos durante a operação.
Violência contra mulheres na operação
As denúncias de descaso da Polícia Civil com as mulheres durante a operação se acumulam. De acordo com relatos, mulheres foram xingadas de “piranha”, receberam spray de pimenta e ouviram que os policiais iam atirar.
Houve quem escutasse “a gente deve ter matado” ao perguntar onde estava o marido. O Dia das Mães também será de dor para quem perdeu o pai de seus filhos: é o caso da esposa de Cleiton da Silva de Freitas Lima, 27. Ela, que preferiu não se identificar, é mãe de um menino de três anos dele.
“Meu marido ficou de pé, eles entraram na casa, colocaram meu marido de costas e atiraram. Os moradores da casa me contaram. Não tinha mais arma, não tinha mais nada. Eles estavam ajoelhados pedindo para não morrerem, e mataram mesmo assim. Eles foram para matar, não para prender. Não é porque a gente mora em comunidade, meu marido podia ser o que for, mas esse não devia ser o fim dele.
Foi covardia pura. Moro no Jacarezinho desde que nasci [há 26 anos], mas nunca vi uma operação desse tipo. Já vi troca de tiros, mas nada igual. Quando fui perguntar do meu esposo, falaram: ‘Ou está preso ou está morto, se preso não está, a gente deve ter matado’. Eu vi. Isso ninguém me falou.”
Esposa de Cleiton Lima, de 27 anos
“Como meu domingo vai ser? Tomando calmante, tomando chá, remédio de pressão? Estou desde ontem sem dormir. Isso só vai dar em alguma coisa porque estão comentando lá fora [do Brasil]. Um bom trabalho seria prender, não matar.
Eu sou mãe, o policial chegou na minha cara e não me deixou ver o corpo, dizendo que, se fosse meu filho, eu veria no cemitério. Eu não gerei um filho pensando no que ele faria da vida. A gente diz o caminho certo e o errado, mas depois que ele cresce, vamos fazer o quê? A família do policial tem sentimentos, e a dos mortos não têm? São filhos de chocadeira? Eu não consigo olhar pro meu neto.
A moça que abrigou ele na casa abraçou ele, disse que logo a família ia chegar. Para depois dizerem que meu filho era bandido, matador?”. (Fonte: Uol)