Trabalho análogo à escravidão: Juíza da Bahia explica termo, como denunciar, indenizações e prisão

Sede do Tribunal Regional do Trabalho em Salvador — Foto: Henrique Mendes/G1

O caso da babá Raiana Ribeiro da Silva, que precisou pular do terceiro andar de um prédio para escapar de agressões e cárcere privado cometidos pela patroa, Melina Esteves França, em Salvador, acende um debate sobre outro crime: o de trabalho análogo à escravidão.

A legislação brasileira caracteriza como trabalho análogo à escravidão situações degradantes à dignidade humana. As principais delas são:

  • Colocar a saúde e a vida do trabalhador em risco;
  • Jornadas exaustivas;
  • Sobrecarga de trabalho e ausência de folgas;
  • Isolamento do trabalhador;
  • Ameaças e violências físicas e psicológicas.

No caso de Raiana, além da agressão e do cárcere, a babá também relatou que foi impedida de se alimentar e beber água, e teve telefone confiscado por Melina após pedir ajuda a familiares.

G1 conversou com a juíza auxiliar da 9ª Vara do Trabalho de Salvador, Clarissa Carvalho, que explicou o termo usado para enquadrar crime, como denunciar e como se dá o andamento dos processos.

Se as condições de trabalho são desumanas e escravistas, por que se usa o termo analogia?

“Porque é o termo legal. Existe um crime tipificado no código penal, que usa esse termo, criado por legisladores. Sabemos que nossa sociedade tem uma marca profunda com relação à escravidão. É um estigma forte. Nós somos um pais que, até a pós-Independência, tinha o regime de escravidão e essa marca nos permeia ainda hoje. Além de ser algo incomodo, é muito forte dizer que alguém é escravo. A escravidão foi, ao menos teoricamente, abolida. Como ela é abolida, não podemos chamar alguém de escravo, mesmo quando a gente sabe que tem esse tipo de regime”.

Então, mesmo com o termo ‘análogo’, é possível dizer que é a mesma coisa?

“Sim, é a mesma coisa. Nós temos um fato, que é alguém naquela condição análoga. Hoje, esse fato tem repercussão na esfera criminal, porque existe um crime previsto no código pena. É vítima todo empregado que teve direitos cerceados, que não teve seus direitos trabalhistas garantidos. O artigo traz definições, do que seria considerar alguém em condições análogas à escravidão, como: jornadas exaustivas, sem folgas, condições degradantes, higiene ruim, meio de locomoção restrito, e outras”.

Como denunciar que um trabalhador está em situação análoga à escravidão?

As denúncias não vêm diretamente para a Justiça do Trabalho. Quem recebe, e normalmente são anônimas, são os auditores fiscais e o Ministério da Economia. As pessoas denunciam a um auditor fiscal, esse auditor provoca o Ministério Público do Trabalho, que vai analisar a denúncia. Geralmente as denúncias um trazem local e o prenome da vítima. Havendo elementos que indiquem que é algo verdadeiro, ele instaura o inquérito e havendo plausibilidade o MPT vai ajuizar a tutela para que o poder judiciário autorize a entrar no domicílio”.

Em todos os casos é preciso autorização judicial para verificar a situação do trabalhador?

“A decisão traz autorização para entrar na residência. Em algumas situações, os auditores não precisam dela, por exemplo: o MPT e os auditores vão até o domicilio e há uma resistência. Ou quando as pessoas têm conhecimento prévio e pode haver uma situação alterada. Então, para que haja um possível flagrante ou para que não se tenha uma camuflagem do caso, não é necessária a autorização em todas as situações”.

E depois disso?

“Constatada a condição, o MPT vai seguir dando o andamento ao inquérito civil. Normalmente as pessoas acusadas constituem o advogado e se defendem nessa esfera. Se o MPT não consegue um acordo nas audiências, ele coleta elementos e ajuíza ação, um processo. Nessas ações são coletadas provas e remetidas para o juiz. O MPT pode, por exemplo, ouvir testemunhas, principalmente nos casos de maior repercussão, mas não tem o mesmo valor de testemunha ouvida em juízo.https://daf66b3a51f049c456a7f274788bdcec.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

O que é pedido à Justiça Trabalhista em uma ação desse tipo?

“Na ação trabalhista, se o MPT não consegue o acordo, pede pagamento de todos os direitos trabalhistas, salário, decimo terceiro, férias, FGTS, horas extraordinárias, tudo o que está em débito. E, normalmente, se pede também uma indenização por danos morais, por ter mantido o trabalhador nessa condição. Na execução de um processo trabalhista, como outro qualquer, a primeira forma de pagamento em execução é o dinheiro. Depois, a Justiça parte para imóveis e veículos em garantia. Isso depende do patrimônio do réu”.

A pessoa que mantém um trabalhador em condição análoga à escravidão vai presa?

“Sim. A prisão vai depender do processo criminal. É um crime que tem pena prevista de reclusão, então essa pessoa precisa ser condenada na esfera criminal. A sentença vai condenar pelo crime que foi pedido. A reclusão pode ser dois a oito anos, e também tem multa”. (G1)

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