Histórias, “causos”, balelas, invencionices ou, simplesmente, mentiras. Celebradas no dia de hoje – 1º de abril -, elas foram contadas durante toda a história da humanidade. Em excesso, podem indicar transtornos psicológicos graves, além de trazer sérias consequências para quem conta. Mas hoje, Dia da Mentira, Dia dos Tolos ou Dia dos Bobos, elas são aceitas e até celebradas.
A tradição de 1º de abril remonta à instituição do Calendário Gregoriano, que substituiu o Calendário Juliano por determinação do Concílio de Trento (conselho ecumênico da Igreja Católica). O Calendário Gregoriano divide o ano em quatro estações distribuídas ao longo de 12 meses, ou 365 dias, de acordo com o movimento da Terra em relação ao Sol e estabelece o primeiro dia do ano em 1º de janeiro.
Com a instituição do novo calendário pelo papa Gregório IX, em 1582, historiadores contam que parte da população francesa se revoltou contra a medida e se recusou a adotar o 1º de janeiro como início do ano. Zombados pelo resto da população, os resistentes às mudanças eram convidados para festas e comemorações inexistentes no 1º de abril. Nascia assim a tradição de zombaria e de pregação de peças.
Há também relatos históricos que relacionam a data ao festival de Hilária – uma festa romana no período anterior ao nascimento de Cristo – que celebrava o equinócio de março em honra à deusa Cibele, a “Mãe dos Deuses”, uma divindade que reunia aspectos das deusas gregas Gaia, Reia e Deméter.
No Brasil, a tradição foi introduzida em 1828, com o noticiário impresso mineiro “A Mentira”, que trazia em sua primeira edição a morte de Dom Pedro I na capa e foi publicado justamente em 1º de abril.
Mentiras históricas
Mas não são apenas as pessoas que contam mentiras no 1º de abril. Empresas entenderam o potencial de marketing e a oportunidade de engajamento das “pegadinhas” para aumentar a visibilidade no mercado e passaram, desde o século passado, a participar da celebração.
Entre os mais conhecidos exemplos está a emissora pública britânica BBC, que tradicionalmente prega peças no público desde a década de 30. Em uma das memoráveis brincadeiras, a BBC afirmou que o governo do Reino Unido trocaria o mecanismo de ponteiros do Big Ben – o relógio mais famoso do mundo e símbolo nacional – por um mostrador digital. A mentira, veiculada em 1980, ainda prometeu que a primeira pessoa a ligar para a rádio ganharia os antigos ponteiros do grande relógio como lembrança.
A ação gerou milhares de ligações e cartas e acabou causando problemas à emissora, que teve que explicar a manobra durante a programação nas semanas seguintes.
Nos Estados Unidos, em 1992, a National Public Radio (NPR), também uma emissora pública de comunicação, veiculou entrevista do comediante Rich Little em que ele se passava pelo ex-presidente Richard Nixon.
No quadro, chamado “Conversa da Nação”, o personagem afirmava categoricamente que se candidataria novamente à Presidência naquele ano. O problema é que Nixon, figura política controversa, havia renunciado durante processo de impeachment em 1974 pelo envolvimento no escândalo de Watergate, o que gerou revolta nos ouvintes.
A emissora ficou com todas as linhas telefônicas congestionadas até que, em determinado momento, foi anunciada a pegadinha do Dia dos Tolos.
A Amazon, a maior loja online do mundo, também celebra o Dia da Mentira com brincadeiras que, muitas vezes, confundem os usuários. Em 2015, a Amazon reverteu sua página principal para a versão de 1999 – época em que a internet ainda era rudimentar. Até descobrirem a brincadeira, os usuários deveriam passar pela experiência de “túnel do tempo” na navegação do site.
Mentiroso moderno
Apesar da permissão lúdica no dia 1º de abril, a mentira pode se tornar hábito e degradar relações sociais. Em tempos de ampla difusão de conteúdos na internet, uma mentira pode ser considerada até mesmo fake news – notícias falsas ou com dados manipulados deliberadamente para enganar ou enviesar as conclusões do leitor – e ser punida legalmente.
Para o psiquiatra Ilton Castro, existem diferentes níveis de mentira: há aquelas que suavizam realidades e as que são usadas para usufruir benefícios em detrimento de outras pessoas. Há também a condição psicológica conhecida como mitomania, definida pelo uso compulsivo de mentiras.
“No jogo social, é normal mentir ou omitir alguma coisa, mas existem casos considerados sérios. A mentira aparece como um hábito. O mitomaníaco mente e acredita no que diz. A fantasia vira realidade e ganha enredos intermináveis. A mentira cresce”, explicou o psiquiatra.
O uso exacerbado de mentiras pode indicar transtorno de personalidade e fragilidades psicológicas que necessitam ser trabalhadas, acrescentou. (Agência Brasil)