Um grupo de 70 psicólogas acusa um homem de assediá-las sexualmente
Um grupo de 70 psicólogas acusa um homem de assediá-las sexualmente por meio de sessões online e redes sociais. O suspeito de praticar o crime, de acordo com as denúncias e o inquérito policial aberto em São Paulo, seria Lucas Silva Dornelles, 34.
Segundo os relatos, o paciente age da mesma forma. As psicólogas são contatadas pelas redes sociais e ele pede uma consulta com urgência, afirma que o atendimento precisa ser feito por videochamada pois tem deficiência física e oferece um valor alto de pagamento -como R$ 6.000 por uma sessão.
Algumas profissionais que aceitaram atendê-lo afirmam que, durante a sessão, ele começa a se masturbar. No inquérito a que a Folha teve acesso há relatos de psicólogas que dizem que notaram que a respiração do suspeito mudou em dado momento e ele passou a fazer movimentos típicos de masturbação.
A reportagem tentou contato com Dornelles por telefone na sexta (16) e nesta segunda (19), mas ele não atendeu as ligações.
Após a repercussão das primeiras denúncias, Dornelles foi ouvido pela Polícia Civil de Bom Retiro do Sul (RS), onde supostamente mora. De acordo com o delegado Juliano Stobbe, ele compareceu para prestar esclarecimentos, confirmou que fez contato com as profissionais, mas negou o crime de importunação sexual e “disse que se enxerga como alguém excluído da sociedade” em razão da deficiência física.
Agora, devido a uma solicitação da Delegacia de Proteção à Mulher de São Paulo, ele deve ser ouvido novamente.
Em um dos depoimentos, uma das profissionais conta que ele narrou um sonho erótico que teria tido com ela e passou a se masturbar. Quando foi interrompido, reagiu com irritação. Depois, a procurou novamente e pediu para que falassem só sobre sexo, o que foi negado.
A psicóloga Naine Soares, de Foz de Iguaçu (PR), diz que Dornelles entrou em contato com ela em março. Quando ela informou que não poderia atendê-lo e que não realizava consultas dessa forma, o homem ofereceu R$ 6.000 pela sessão, o que ela também recusou.
Só depois Soares soube de colegas que passaram por situações parecidas. “Tive uma sensação de impotência e fiquei muito triste com essa situação. Estamos suscetíveis a muitas coisas no online”, afirma ela, que também decidiu denunciá-lo.
Já Liliany Souza diz ter sido contatada por ele em um domingo à noite, em fevereiro deste ano. Ela logo estranhou o comportamento do homem e não chegou a atendê-lo. Diante da negativa, o suspeito passou a xingá-la.
“Ele me chamou de vagabunda, disse que eu mostro meus peitos no Instagram para atrair pacientes”, diz.
Após relatar, pela segunda vez no Instagram, o que tinha passado, Souza foi chamada pelo CRP (Conselho Regional de Psicologia) de São Paulo para uma roda de conversa sobre assédio contra psicólogas. No evento, que aconteceu em abril, ela conheceu outra profissional e soube de uma denúncia coletiva que colegas iniciaram contra Dornelles e decidiu participar.
Souza fez uma cartilha no Instagram para ajudar outras profissionais a identificar a situação de assédio antes que ela aconteça. No post, ela sugere que, antes de agendar uma sessão, solicitem os dados básicos para o prontuário e sempre cobrem pelo primeiro atendimento.
A psicóloga aconselha ainda que a última sessão presencial do dia não seja com homens ou pessoas desconhecidas. “Caso aconteça, avise alguém para que você possa pedir ajuda, se preciso.”
Depois da publicação, Souza comenta que se “abriu uma caixa de Pandora”, pois passou a receber diversas mensagens de pessoas que tinham passado por situação parecida. Ela notou outro padrão do suspeito, que costumava iniciar os atendimentos dizendo às psicólogas que sabe que a função impõe sigilo profissional.
“Ele, normalmente, assedia mulheres formadas há poucos anos. São profissionais que usam o Instagram a fim de captar paciente”, relata.
Souza analisa que o cenário mostra como as mulheres continuam não sendo respeitadas no local de trabalho. “A psicologia é uma profissão em que 9 a cada 10 profissionais são mulheres. Esta é mais uma forma de colocar a mulher nesse espaço de desqualificação”, diz. “É uma violência enorme. A terapeuta acha que está auxiliando uma pessoa psicologicamente, enquanto ele está se masturbando.”
O caso é investigado pela 3ª Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo. Além disso, as vítimas denunciaram o homem ao Ministério Público paulista, que realizou oitivas com ao menos quatro mulheres e encaminhou o processo ao Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde o assediador supostamente vive.
A Promotoria gaúcha confirma que recebeu o caso e que avalia se tem atribuição para investigá-lo, uma vez que a maioria das situações aconteceu fora do estado.
Afirma também que fez uma parceria com o CRP (Conselho Regional de Psicologia) de Rio Grande do Sul a fim de alertar e orientar profissionais sobre a necessidade de denunciar possíveis assédios ocorridos.
Em seu site, o CRP de São Paulo publicou uma nota junto com o SinPsi-SP (Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo) em que repudia a violência sexual contra psicólogas no exercício profissional.
“Nos solidarizamos com todas as profissionais e reafirmamos a nossa defesa intransigente dos Direitos Humanos e de condições dignas para a prática profissional psicológica”, dizem as instituições.
As entidades orientam que as psicólogas organizem um dossiê de imagens, áudios e gravações das situações vividas e denunciem formalmente o caso, registrando um boletim de ocorrência na Delegacia das Mulheres. Além disso, é indicado que as profissionais interrompam as sessões assim que identificarem situações de violência sexual.
O CRP-SP classifica como violência sexual no ambiente de trabalho a conduta manifestada fisicamente, por palavras, gestos ou outros meios propostos ou impostos às mulheres contra suas vontades, causando constrangimento e violando a sua liberdade sexual. (Bahia Noticias)