Neste sábado (15), Dia do Professor, baianos falam sobre rotinas e desafios que encaram nas escolas
Neste sábado (15), data em que se comemora o Dia do Professor, figura responsável pela formação de crianças, adolescentes e adultos, os g1 ouviu profissionais da área que acreditam na educação antirracista e afrocentrada como determinante para a qualificação de discussões raciais.
Educação antirracista: escola resiste há mais de 30 anos com referência da cultura afro-brasileira como parte essencial do currículo
Os professores ouvidos trabalham com pessoas de diferentes idades, classes sociais, raças e gêneros. Segundo eles, para que a educação antirracista seja implantada nas salas de aulas, os desafios são diários, com missões semelhante e luta persistente.
Atualmente, a Lei Federal 10.639 determina a inclusão da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas, públicas e privadas.
Falta de letramento racial
Apesar da lei assegurar a educação da cultura afro-brasileira nas salas de aulas, existem professores que criticam a falta de letramento racial durante a formação. Naiara Felipe tem 41 anos, e mais da metade deles dedicados à sala de aula. Ela conta que decidiu se preparar para poder garantir uma educação antirracista para os alunos.
“Meu letramento racial veio tarde. Não veio porque alguém me ensinou, veio porque eu comecei a enxergar algumas coisas e porque eu estudei muito. O papel do professor é essencial, mas acredito que os professores não estão preparados para elaborar esses currículos e planejamentos de forma segura”, opinou a baiana.
Naiara avalia a postura antirracista para professores como essencial, mas pondera que existe a necessidade de preparação maior dos profissionais.
“Vejo que tem muitos professores que tem boa intenção, mas acabam cometendo um desserviço para a luta antirracista. Eu poderia até dizer: ‘Não é culpa deles, porque infelizmente a gente não tem essa formação, a gente não tem esse letramento racial’. Porém a informação está aí, procura e acha quem quer”, disse.
Desafio com crianças
O professor Felipe Nunes, de 28 anos, ensina em uma escola da rede particular de Salvador. Diariamente trabalha com crianças de 6 a 7 anos, majoritariamente brancas, e em um contexto de educação privilegiado.
“A educação antirracista acontece de forma natural, consciente e reflexiva, focada no pensamento crítico da criança. Através de literaturas e materiais didáticos afrocentrados, projetos e ações sociais, as crianças são convidadas a debater e repensar o negro não somente como o que foi ‘escravizado’, mas também como protagonista no desenvolvimento da história e desenvolvimento da nossa sociedade”, disse o professor baiano.
Para atingir seus objetivos, Felipe Nunes leva exemplos reais de pessoas negras e suas contribuições durante o processo de aprendizagem dos alunos.
Segundo o professor, a educação antirracista é a garantia de uma sociedade mais justa e consciente. Para ele, educar também é falar sobre questões étnico raciais.
“Para uma criança negra, é ter a oportunidade de conhecer verdadeiramente sua história e poder se enxergar nas referências que colaborarão para o seu desenvolvimento intelectual e social. Para uma criança branca também é um processo de conhecimento e reflexão. É entender que existem diferentes histórias, culturas e contribuições que impactam diretamente em suas vidas. É entender o seu papel na construção de um mundo mais diverso”.
Referência da cultura afro-brasileira
Há mais de 30 anos, a Escola Comunitária Luiza Mahin, no bairro do Uruguai, em Salvador, aposta em iniciativas para promover uma educação antirracista, com o objetivo de aumentar o sentimento de representatividade para crianças que começam a aprender as primeiras palavras.
A professora Jacimar Santos, de 47 anos, ensina crianças com média de idade entre 4 e 5 anos. A profissional se diz “fã” dos legados antirracistas, e acredita que se passados no momento em que as crianças começam a estudar, eles acrescentam muito no processo de aprendizado para o futuro.
“Eu vejo o papel dos professores no sentido de caminhar junto, o que procuramos fazer desde a ocupação básica é que os alunos acreditem que eles são protagonista da vida deles. Trazemos reflexões através de ações lúdicas para que eles entendam que são eles”, contou a professora.
“Pró Jaci”, como é conhecida, diz que os professores da instituição refletem junto com os alunos. Quando um novo profissional se junta ao corpo de colaboradores, ele é apresentado à metodologia, vídeos, relatos, para que entendam o motivo da aposta na educação racista.
“Os alunos saem com os olhares firmes, confrontam e me questionam. Sou desafiada todos os dias por eles. Meninos de quatro anos que me dizem: ‘Eu sou negro sim, sou preto sim, amo minha cor’. Isso é muito bonito, gratificante, percebo que estou no caminho certo”.
Projeto Afroinfância
Carol Adesewa, de 41 anos, é idealizadora do projeto virtual Afroinfância, criado em 2017, após o momento de insatisfação com o tipo de educação que as crianças recebem dentro de “escolas tradicionais”.
“Então eu decidi compartilhar com outros educadores e com famílias tudo que eu vinha desenvolvendo dentro da sala de aula no sentido de recentralizar as narrativas africanas, dentro do currículo, das metodologias, dos livros de literatura e didáticos”.
Carol Adesewa afirmou que a ideia não era falar sobre o racismo e a sua problematização.
“É muito difícil falar sobre infância negra sem falar sobre os atravessamentos do racismo, mas é necessário que a gente se entenda enquanto pessoas e a gente entenda essas crianças também para além do embargo histórico da escravidão, para além da problematização do racismo”.
Dentro da Afroinfância, Carol desenvolve atividades como contação de histórias, oficinas afro lúdicas, formação de professores e produção de conteúdo nas redes sociais.
“Nós temos também o livro ‘Plantando com Malique’, que lançamos recentemente, eu e a professora Poliane Nogueira. Nesse livro, o personagem principal é uma criança nascida aqui no Brasil, mas que aprende a plantar com o seu avô que mora lá em Moçambique”.
No projeto, também é apresentado para as crianças a “caixinha da autoestima afro-infância”. onde os alunos têm acesso a 32 cartas da autoestima. “Essas cartas buscam orientar as crianças dentro do seu processo de construção identitária e de fortalecimento da sua autoestima”.
As cartas giram em torno de questões que são importantes e relevantes dentro da infância preta. Algumas buscam resgatar a importância das línguas africanas dentro das comunidades, outras conectam a criança à natureza ou pessoas mais velhas.
“Tudo isso vai contribuindo com o seu processo de construção identitária né? Para que essa criança se veja enquanto parte de algo maior, se veja enquanto comunidade também”.
Letramento da reexistência
Vocês já ouviram falar sobre letramento da reexistência? O termo foi criado por Ana Lúcia Silva Souza, doutora em Linguística Aplicada, pela Universidade de Campinas.
O letramento de reexistência é tudo que se apreende para além da escola, especialmente em relação a culturas e comportamentos afrodiaspórico, dos ancestrais negros.
De acordo com Ana Lúcia, os ensinamentos são muita vezes repassados através da linguagem oral, sem que se necessite de um livro formador por exemplo, e sim de práticas.
“Isso pressupõe reinvenções de práticas que ao mesmo tempo se apropriam de outros usos legitimados, problematizando, subverte, desloca, contribuindo para desestabilizar o que pode ser considerado já cristalizado. Na escola e fora dela, aponta novas perspectivas que podem instaurar mudanças nos discursos e práticas sociais de sujeitos e grupos”, explicou Ana Lúcia.
Formação de professores
Joelma Santos, de 40 anos, fez um doutorado com uma tese voltada para formação de professores de inglês, para eles trabalharem com as questões étnico-raciais e culturas de matriz africana na língua estrangeira.
O que motivou a professora a fazer esse trabalho foi a percepção da falta da educação antirracista nos currículos das faculdades nos últimos anos.
“Isso tem mudado, a gente já tem percebido uma maior preocupação das universidades em incluírem disciplinas que tratem essas questões no currículo de formação de professores de língua inglesa. Os professores que já estão em exercício não contaram com essa formação de maneira estruturada e sistematizada”, apontou Joelma.
Educação antirracista em ambiente técnico
A professora Joelma Santos também ensina o inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), na cidade de Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador.
Por ser um instituto voltado para formação de técnicos, as questões raciais não são abordadas durante todo o ano. No entanto, Joelma consegue trabalhar a educação antirracista em pelo menos uma unidade.
Durante o mês de novembro, por exemplo, ela trabalha conteúdos acadêmicos produzidos por autores negros e pede para que os alunos façam uma biografia de uma personalidade negra da comunidade onde eles moram.
É o momento dos estudantes apresentarem as histórias de pessoas negras comuns, mas importantes em seus bairros como baianas do acarajé, cobrador de ônibus, colaboradores da própria escola e líderes de comunidade.
“É uma oportunidade desses estudantes entenderem que essas pessoas próximas, nascidas, crescidas nas suas comunidades são pessoas importantes. São pessoas que merecem respeito, um olhar respeitoso”, contou a professora.
O ensino após a lei
A legislação que levou a cultura negra para as escolas foi uma conquista do Movimento Negro, cuja luta acontece pelo menos desde os anos 1930, com a Frente Negra Brasileira e figuras como o professor Abdias do Nascimento, indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2010.
A lei alterou a maior legislação da educação no Brasil, a Lei das Diretrizes e Bases (LDB), com a inclusão da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas, públicas e privadas, de ensino fundamental e médio.
No ano seguinte, em 2004, o Ministério da Educação (MEC) designou uma comissão, conduzida pela professora gaúcha Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, para regulamentar essa lei em um documento que direciona sua aplicação.
Basicamente, esse parecer estabelece que a abordagem do assunto deve acontecer não apenas em uma disciplina de História e Artes, ou durante uma semana comemorativa. É preciso atravessar o currículo e a prática, com um esforço permanente pelo fim do racismo nas escolas.
Em dezembro de 2017, o MEC aprovou uma nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que incluiu as diretrizes da lei 10.639, e as escolas públicas e particulares deveriam adequar seus currículos até início do ano letivo de 2020. (g1)