A vontade de se relacionar com outras pessoas já era presente, assim como conversas sobre deixar a monogamia de lado. O clima de Carnaval foi o empurrão que faltava a casais que já pensavam em abrir o relacionamento para curtir a folia livres para beijar outras bocas.
É o caso do economista Lucas Poli, 27, que vive em Londres, onde cursa mestrado. A possibilidade de abrir o relacionamento era uma conversa que ele mantinha com o namorado desde o início -eles estão juntos desde setembro do ano passado.
Este é o terceiro relacionamento de Poli e ele conta que, no passado, o modelo não monogâmica foi um ponto de tensão nos antigos namoros. Em um dos casos, ele sentia insegurança. Em outro, sentia vontade, mas o parceiro não.
Depois das relações, ele diz que passou por um processo de entender seus desejos e compreender que não há contradição em ser um namorado afetivo e, ao mesmo tempo, flertar com outras pessoas em festas ou paquerar alguém no dia a dia.
Quando conheceu o atual namorado, deixou claro que não se identificava com relações tradicionais. Mas, no início, o casal decidiu manter o relacionamento fechado. “Estávamos no início, mas não era um tabu debater a relação no futuro”, afirma ele. Em dezembro, Lucas passou o Ano-Novo no Brasil e sentiu vontade de beijar outras pessoas.
“Senti que fazia sentido abrir e trouxe à tona isso”, diz ele. O namorado concordou e Lucas, que vai passar o Carnaval no Rio de Janeiro, desembarca no Brasil para curtir a folia com o aval de beijar outras bocas. Mas, é claro, há limites que foram desenhados pelo casal. Por exemplo, eles concordam que não há necessidade de contar com quem ficaram.
O namorado também pediu para que ele não faça posts beijando outras pessoas, e Lucas acrescenta que eles não estão prontos para que a relação seja aberta para outros afetos, ou seja, nada do beijo na rua se estender para encontros.
“É preciso deixar bem claro seu sentimento para o parceiro, não pode ser uma relação sem segurança”, diz ele, que afirma que, por isso, fez questão de deixar claro aquilo que incomoda e o que não incomoda. “Não quero essa sensação de prestação de contas, queria que fosse o mais natural possível.”
Algo similar aconteceu no relacionamento da técnica em farmácia Isabel Barbosa, 24, que namora há seis anos. Ela e o namorado decidiram há um ano tornar o namoro não monogâmico. Só que apenas no período do Carnaval deste ano que eles começaram, de fato, colocar a relação aberta em prática.
A decisão no passado aconteceu após eles se interessarem mais sobre o assunto e, por meio de livros, concluírem que o capitalismo é o responsável por moldar regras de comportamento, como o casamento como sendo “uma forma de contrato de fidelidade”, diz ela.
“É como se fosse errado demonstrar afeto para além do nosso parceiro e ter vontade de se relacionar com outras pessoas.” Junto, o casal entendeu que ficaria feliz em se relacionar com outras pessoas em vez de tentar “controlar a vida do outro, o que o outro sente, o que o outro está pensando e desejando”.
Apesar da decisão há um ano, eles não tinham beijado ninguém. Mas sentiram vontade nos bloquinhos e festas de pré-Carnaval. “No começo, foi difícil ver o meu parceiro beijando outras pessoas, mas sempre teve muita conversa para entendermos nossos limites, o que estava nos incomodando e como poderíamos melhorar.”
Lázaro, 43, que pediu para não ter o sobrenome identificado, afirma que ele e a namorada já tentaram abrir o relacionamento em outros momentos, mas não deu certo. “Fiquei naquela insegurança de homem hétero”, brinca ele. A terapia ajudou, e ele e a amada decidiram tentar novamente no Carnaval de Rua de São Paulo neste ano. “Vamos fazer esse ‘test drive'”, diz Lázaro, que afirma que o futuro do modelo da relação vai depender de como rolar a folia neste ano.
O combinado é que, se pintar interesse em alguém durante os desfiles, um deve avisar ao outro antes de fazer qualquer coisa. Também não é permitido andar de mãos dadas com outras pessoas. A decisão de tentar novamente abrir o relacionamento no Carnaval veio porque o casal tem dois filhos e não costuma sair à noite. “Temos poucas possibilidades de estar com mais pessoas. Vai ser gostoso”, prevê ele.
Bernardo, 40, que é casado há seis meses e também pediu para não ter o nome o seu verdadeiro nome publicado, afirma que a decisão foi bem tranquila de abrir a possibilidade para novas experiências com a esposa. “Não quer dizer que vamos fazer, mas podemos desde que tenha oportunidade e vontade.”
“Nunca tivemos uma conversa oficial para abrir o relacionamento, mas entendemos que, desde que os dois estejam de acordo e que seja legal para ambos, está tudo bem”, relata ele.
Mayumi Sato, sócia da Sexlog, rede social de sexo e swing, e apresentadora do podcast Vida Não Mono, afirma que o cenário de casais que estão experimentando novos modelos de relacionamento mostra que eles estão sendo sinceras com os próprios sentimentos.
Segundo ela, é importante que casais que optem por abrir o relacionamento tenham responsabilidade com quem vão se relacionar. “Mesmo que seja Carnaval é importante comunicar às pessoas com quem eles estão ficando que eles têm uma relação principal e não vão abrir mão dela. Isso é interessante para não constranger e nem criar uma expectativa errada para depois que acaba a farra as pessoas não ficarem com a sensação de ‘que que eu tô fazendo aqui'”, afirma ela.
Ela considera que, neste ano, há um “fogo generalizado entre os foliões”, que ela atribui ao tempo de isolamento imposto pela pandemia da Covid-19. “Vejo as pessoas mais exaustas. Perdemos esse tato da socialização, com muita gente ainda trabalhando de casa e acho que tem um pessoal exausto de não viver”, diz Sato.
Além disso, ela considera que as pessoas que estão em relacionamentos há muitos anos e seguindo um modelo tradicional se cansaram de só relacionar com a mesma pessoa. “Antes, estávamos ainda tateando como seria a vida e, neste Carnaval, tem uma expectativa muita alta.” (Bnews)