Quando uma mulher planeja engravidar, o sonho de ser mãe vem acompanhado de uma carga imensa de expectativas e novidades. O sexo do bebê, o nome, a cor do quarto, o tipo de parto… E se no começo ainda é tudo muito abstrato, conforme a barriga cresce e a ideia de que há um serzinho ali dentro fica mais concreta, a ansiedade para conhecer o pequeno só aumenta.
Por isso, quando a gravidez é interrompida de forma inesperada, a dor é incalculável. A questão é que, como tudo na gestação, ninguém vai sentir essa perda do mesmo jeito que a mulher, e aí está um problema: às vezes, familiares e amigos não entendem a importância do luto para quem sofre um aborto espontâneo.
“Durante a gestação, a mulher nutre muitos desejos e, quanto maior o tempo de gravidez, mais forte é o vínculo com aquele bebê que está se desenvolvendo dentro dela. Os sonhos vão desde as características físicas até a personalidade que ele vai ter e, quando esse processo é interrompido involuntariamente, acontece uma quebra de expectativas”, diz Anaí Ramos Vieira, psicóloga especialista na área materno-infantil. E embora toda a família sinta essa perda, é comum que a recuperação da mulher seja um processo muito mais lento. “Cada uma vivencia isso de uma forma diferente, tudo depende da singularidade dela e também do suporte familiar, mas o sentimento de impotência é muito comum diante dessa situação dolorosa e irreversível”, destaca.
Por isso, é importante que o tempo de luto aconteça e que ele seja respeitado, sem ser considerado um “exagero” e sem aqueles famosos conselhos simplistas como “bola pra frente, logo você engravida de novo!”. A gente sabe que quem fala esse tipo de coisa sempre tem a melhor intenção, mas é preciso entender que há toda uma tristeza que deve ser vivenciada e que não se resolve apenas com a ideia de que se pode engravidar novamente. “Após um aborto espontâneo, o ideal é que aconteça um processo chamado de ‘elaboração’ e, para isso, a mulher precisa se entristecer, sentir a perda e até mesmo se desesperar por ela, mas é apenas entrando em contato com a dor que a mulher conseguirá dar lugar à saudade e, assim, prosseguir sua rotina e se permitir investir em outras atividades”, explica a psicóloga.
Então, esconder o assunto e evitar a todo custo falar sobre ele – atitude que muitas famílias tomam por acharem que essa é uma forma de proteger a mulher – não é o melhor caminho. Ao não se sentir incentivada a expressar seu sofrimento e se lamentar, ela acaba não entrando tanto em contato com os sentimentos de tristeza e de impotência, vendo-se obrigada a seguir a vida e a planejar outros filhos. “Quando esse processo de se entristecer é negado, é difícil que a mulher siga em frente de forma realmente saudável. É muito comum, por exemplo, encontrarmos casos de mulheres que acabaram de sofrer um aborto e já estão tentando engravidar novamente depois de pouquíssimo tempo. Isso é preocupante porque uma gestação não substitui a outra – primeiro, é preciso lidar com a perda da primeira e desconstruir as expectativas em relação ao bebê perdido para que, assim, uma nova gravidez possa acontecer”, diz a especialista.
O sentimento de culpa e a hora de procurar ajuda
Quantas vezes você não ouviu uma mulher que sofreu um aborto se perguntando o que ela fez de errado? Se foi por causa de algum esforço físico, por trabalhar muito, por não se alimentar tão bem ou até mesmo por um castigo divino? Quando uma gravidez é interrompida, o que não falta na cabeça da mulher que passa por isso são motivos para se sentir culpada – motivos, aliás, quase sempre incoerentes e que apenas causam mais sofrimento. “O aborto também afeta diretamente a autoestima da mulher que começa a se sentir incapaz e infértil, ou seja, não merecedora de gerar uma vida. Isso faz com que muitas acreditem que não têm um corpo ‘bom’ o suficiente para uma gestação, entre outras fantasias”, ressalta Anaí. “É importante que as pessoas que estão em volta apresentem a realidade em pequenas doses para que a mulher entenda que, infelizmente, não temos o controle de todas as coisas da vida. Porém, se a autopunição e o sentimento de culpa não diminuírem com o passar do tempo e começarem a influenciar diretamente no relacionamento da mulher com ela mesma e com os outros, é hora de procurar ajuda”, aconselha.
E saiba: como acontece com qualquer perda significativa, o luto após um aborto é, sim, esperado. É normal ficar triste, deixar as atividades do dia a dia de lado, ficar mais retraída e com pouca energia para as coisas rotineiras. E mesmo que tenha sido uma gestação de poucas semanas, deixar para trás a emoção de se imaginar mãe não é simples – basta saber que um bebê está a caminho para a imaginação ficar a mil, e lidar com esse futuro que não virá é muito, muito difícil. “Entretanto, o processo de luto precisa ter início, meio e fim. Não existe um tempo determinado para acontecer, pois cada mulher irá lidar com isso de forma diferente, mas quando ele passa a influenciar de forma muito negativa e paralisadora, sem que haja mudanças na maneira de enfrentar a perda, acontece o que chamamos de ‘luto patológico’ e é aí que precisamos buscar ajuda profissional”, explica a psicóloga.
O apoio
Por todos esses motivos, a compaixão dos familiares e dos amigos mais próximos é essencial também para o homem, que precisa lidar com a tristeza pela perda do bebê e ainda com a dor da mulher – que demanda todo apoio possível. Porém, mais uma vez, vale lembrar que é preciso muita delicadeza para tratar do assunto. “É importante que as pessoas próximas a ela sejam empáticas e acolhedoras, buscando compreender a tristeza sem julgá-la ou impedi-la de sofrer por essa perda”, alerta Anaí. Então, nada de tratar o aborto como algo menor ou de pouca importância, que pode ser superado com uma viagem de férias ou com o planejamento de outra gravidez.
Nesse período, é necessário dar suporte para ajudar a mulher a atravessar esse momento dolorso e, posteriormente, vale pensar bem antes de perguntar ao casal sobre as novas tentativas para ter filhos – evitando sempre o tom de cobrança. “É importante levar em consideração o nível de intimidade que está em jogo. Acredito que aqui a palavra certa é empatia – colocar-se no lugar do outro o tempo todo, respeitando a história de vida de cada um”, finaliza Anaí. (Bebê Abril)