Em janeiro, a criadora de conteúdo Kelly Pinheiro, 39 anos, estava se sentindo pronta para finalizar o tratamento da depressão. Para os médicos, ela estava bem o suficiente para começar o desmame dos remédios que começara a tomar um ano antes, quando recebeu o diagnóstico.
Mas veio a separação. O casamento de quatro anos acabou. “Foi um baque grande. Tive que mudar de cidade, vir para o interior, para a casa de meus pais. Minha depressão voltou com carga total”, conta ela, que hoje vive em Paulo Afonso, no Vale do São Francisco.
Já na cidade, voltou com a medicação. Fazia caminhadas diárias – indicação da psiquiatra que a acompanha. Mas março chegou trazendo os primeiros casos do novo coronavírus na Bahia e as primeiras medidas de distanciamento social.
“A primeira semana foi tranquila. Acho que até no primeiro mês, fui levando. Mal, mas fui levando. Mas comecei a ter crises de ansiedade e precisei ir para o hospital. Eram sintomas que minha mãe achava que eu estava morrendo”, lembra.
Kelly não está sozinha. A pandemia da covid-19, que já fez mais de 5,8 milhões de pessoas adoecerem no mundo e mais de 360 mil mortes, também tem provocado outro efeito devastador: uma crise de saúde mental em todo o planeta. O alerta foi feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) este mês.
“O impacto da pandemia na saúde mental das pessoas já é extremamente preocupante”, declarou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, no último dia 14. No mesmo dia, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou um relatório que defende justamente o investimento urgente em serviços de saúde mental. Para a ONU, eles devem ser considerados essenciais, inclusive para acesso remoto.
No Brasil, onde as mortes pela doença já passam de 26 mil, os primeiros estudos sobre o impacto já mostram o crescimento de novos casos, além da piora de pacientes que já tinham algum diagnóstico.
No início deste mês, uma pesquisa com psiquiatras brasileiros mostrou que 47,9% dos profissionais tiveram aumento no número de consultas, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Esse crescimento, em alguns casos, chegou a 25%. Além disso, 89,2% dos psiquiatras identificaram que seus pacientes tiveram sintomas agravados no período de quarentena. Quanto aos novos casos, quase 70% dos profissionais afirmaram ter recebido novos pacientes após o início da pandemia – todos nunca tinham tido sintomas psiquiátricos antes.
Quarta onda
A questão é que, se não for possível dizer que outra pandemia está se formando dentro da pandemia do coronavírus, a emergência de saúde mental é mais uma das consequências da atual crise.
Na verdade, a ABP, ao lado de outras entidades médicas, acredita que se trata de uma “quarta onda” da pandemia. Essa divisão foi inicialmente identificada pelo pneumologista Victor Tseng, do Emory University Hospital, em Atlanta (EUA). De acordo com ele, a primeira onda é a pandemia em si – com a morbidade e a mortalidade imediatas causadas pela covid-19.
Já a segunda onda envolve a superlotação e o colapso dos serviços de saúde. Enquanto isso, a terceira onda diz respeito ao agravamento de quadros de pacientes com doenças crônicas – ou seja, aqueles que não são pacientes de covid-19, mas sofreram o impacto da superlotação ou que, por conta do isolamento, interrompem o tratamento.
“A quarta onda é uma epidemia de doença mental. A gente já observa que o adoecimento está aumentando. Pessoas que nunca tinham adoecido começam a ter sintomas, principalmente de ansiedade e depressão. Por outro lado, muitos pacientes com piora. Alguns que estavam ótimos, estabilizados e até tiveram alta pioraram”, explica a médica psiquiatra Miriam Gorender, professora dos cursos de Medicina da UniFTC e da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Também diretora da ABP, ela diz que a entidade está finalizando outras duas pesquisas, em parceria com o Ministério da Saúde, para compreender melhor como está a saúde mental dos brasileiros.
O primeiro estudo é exclusivo com profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à covid-19. Inicialmente, a entidade esperava que cerca de duas mil a três mil pessoas respondessem ao questionário. No entanto, em duas semanas, 200 mil pessoas participaram.
A resposta foi considerada “avassaladora” pela ABP, que teve até que contratar uma empresa especializada em big data para lidar com os dados.
“Uma equipe de pesquisadores normais não daria conta. Por isso, vamos divulgar quando as análises estiverem bem consolidadas. A nossa hipótese é de que vamos encontrar altos índices de sintomas, porque é isso que nós todos (psiquiatras) temos visto”, diz.
Entre os profissionais de saúde que trabalham no atendimento às vítimas de covid-19, há relatos constantes de pesadelos traumáticos. Esse fenômeno não é apenas local. Na Universidade de Harvard, a psicóloga Deirdre Barret identificou que os profissionais de saúde têm tido sonhos como os de veteranos de guerra ou de sobreviventes do atentado do 11 de setembro de 2001.
Já a outra pesquisa é sobre a saúde mental da população em geral. Ainda aberta, ela deve servir para que os gestores dos serviços de saúde tenham uma dimensão do problema, no futuro. É possível participar através deste link.
“Tem coisas que são normais. Ficar preocupado é normal, ficar ansioso é normal.A questão é quando isso se prolonga por muito tempo. A gente precisa olhar para isso, até para que não tenha uma onda de suicídios”, alerta Miriam.
Novos casos
Em muitas clínicas de Salvador, é possível notar que as tendências se repetem. Na Holiste Psiquiatria, porém, a médica psiquiatra Fabiana Nery, professora da Faculdade de Medicina da Ufba, tem observado dois fenômenos que acredita serem distintos, mas complementares. De acordo com ela, entre os pacientes que estavam assintomáticos, com acompanhamento regular e quadro controlado, não houve piora.
Em outros casos, de pacientes que não vinham fazendo acompanhamento adequado ou faziam de forma irregular, houve piora. Na clínica, que oferece consultas particulares e através de planos de saúde, os atendimentos hoje são apenas 20% do que eram no mesmo período do ano passado. Para a médica, muito disso ainda se deve ao fato de que alguns convênios ainda não liberaram a opção de telemedicina.
No alerta da OMS, ela destaca o surgimento de novos casos. “São pessoas que não tinham histórico de transtorno psiquiátrico ou tinham sintomas leves e agora começam a apresentar sintomas, principalmente do cunho da ansiedade e dos transtornos de humor”, explica. Além da já conhecida depressão, entre os transtornos de humor estão o transtorno bipolar e o transtorno esquizoafetivo.
Daí a importância de observar situações que indiquem mudanças no padrão de funcionamento no corpo, como alterações no sono, no apetite e no humor, a exemplo da irritabilidade.
“Lembrando que nós estamos passando por uma fase de alterações. Não dá para comparar com como era antes da quarentena, mas, assim como o indivíduo consegue perceber, a família também é fundamental para identificar falta de vontade, desânimo, falta de concentração”, lista a psiquiatra.
As doenças psiquiátricas geralmente são causadas por um ‘tripé’: a pré-disposição genética; as questões ambientais (e, nesse contexto, entram a pandemia, questões financeiras e o distanciamento das pessoas) e, por fim, as características de personalidade próprias de cada indivíduo.
Além disso, de acordo com a psiquiatra, já é sabido que todos os sintomas de estresse prolongado afetam o sistema imunológico. Se a pessoa vive uma situação de estresse e não está sabendo lidar com ela, é bem provável que comece a ficar gripada com frequência ou tenha doenças de pele, por exemplo.
“Sem dúvida, um quadro de ansiedade não controlado é associado a um quadro de baixa imunidade. Se isso vai ter uma consequência clara ou direta sobre a covid-19, é difícil dizer. Mas, de forma geral, transtornos de estresse podem diminuir a imunidade”.
Sintomas
É por isso que é importante observar cada mudança no corpo ou sintoma estranho. Com a empresária Isabella*, 27, a primeira manifestação foi uma dor no estômago constante. Além da dor, que não passava, sentia azia e refluxo após as refeições.
Era uma gastrite nervosa, provocada pela ansiedade e pelo estresse elevado. Perdeu o apetite por completo – a falta de vontade para comer é apontada por especialistas como um dos sinais que devem ser observados com cuidado. “Comecei a fazer coisas para distrair a mente e exercícios, tipo dançar com o YouTube. E melhorou. Aos poucos, voltei a comer as coisas”, explica.
Em outros casos, mesmo quem já faz algum acompanhamento psicológico tem buscado a ajuda médica. Esse foi o caso do professor Eduardo*, 35, que escutou a recomendação da própria terapeuta para que fosse a um psiquiatra.
Na terapia desde 2017, entre idas e vindas, ele viu a rotina mudar na quarentena. Fazia o mestrado em Engenharia, enquanto frequentava a academia, o pilates e ainda o trabalho voluntário na igreja.
Mas, há mais de dois meses sem sair de casa, tudo parou. Chegou a ficar 25 dias sem fazer exercícios físicos. “Só comendo. Parei completamente minha pesquisa. Sento na frente do computador e não consigo produzir”, revela.
Com o sono prejudicado, vieram pesadelos com frequência. Daí a indicação para buscar também um médico, além da psicoterapia. No início, Eduardo resistiu. Ainda assim, decidiu ir. Ao chegar lá, escutou que passava por um agravamento da ansiedade e que o quadro poderia evoluir para uma depressão.
“Eu estava muito desconfortável em ir pra consulta pois não queria tomar remédio. Ele me prescreveu Rivotril e explicou a importância de tomar. Já tem uma semana que estou com o remédio em casa e só consegui tomar uma vez. Estou resistente até porque ele falou que o tratamento deve durar um ano”, conta.
Ele nunca tinha tomado nenhum medicamento para transtorno de humor ou ansiedade antes. O Rivotril, um dos nomes comerciais do Clonazepam, é um ansiolítico usado para tratamentos de ansiedade, transtornos de humor, crises epilépticas e síndromes psicóticas. É um dos medicamentos mais populares, entre os tratamentos psiquiátricos.
Procurada pelo CORREIO, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que não tinha dados de vendas de medicamentos. Dados disponibilizados pelo órgão de até 2012, porém, indicam que o Clonazepam já era a substância industrializada mais consumida na Bahia, entre 2009 e 2012, à frente da codeína e da testosterona.
Prescrição médica
Ainda é difícil saber, ao certo, em quanto aumentaram as vendas de medicamentos como o Rivotril, além de antidepressivos, calmantes e indutores de sono, na quarentena. No entanto, o vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado da Bahia (Sincofarba), Luiz Trindade, admite que teve crescimento.
“Houve, realmente, um aumento muito grande. Mas a gente não faz esse levantamento”, diz, explicando os motivos para não conseguir estimar. Procuradas pelo CORREIO, redes de farmácias como a Extrafarma, a Pague Menos e a São Paulo informaram que não poderiam compartilhar os dados.
No entanto, é possível ter uma noção de como a demanda cresceu pelos dados da ePharma, empresa de gerenciamento de planos de benefícios de medicamentos. Só em abril, o consumo de antidepressivos prescritos por planos de saúde empresariais cresceu 180% no Brasil. De janeiro a abril, o aumento de consumo foi de 196% em relação ao mesmo período do ano passado, com crescimento de 117% nas vendas.
Desde o começo da quarentena, a psicóloga Kelly Neves tem percebido uma angústia maior em alguns pacientes. Sintomas de sofrimento se tornaram mais comuns e, por vezes, começaram a atrapalhar a rotina dessas pessoas. Por isso, ela logo se viu indicando que alguns dos seus atendidos buscassem também o suporte de um médico psiquiatra.
É justamente na consulta clínica que um psiquiatra pode identificar se uma pessoa precisa ou não de medicação.
“Dentro dos pacientes que atendo, 20% precisaram ir a esse profissional. Mas tem outros que já são medicados. Com esses, a gente pede que mantenham a visita ao psiquiatra”, diz.
Ela também já esperava que houvesse uma piora nos sintomas. Ao longo das semanas, foi fácil notar as mudanças nas demandas dos pacientes. “Até com aqueles que têm um potencial de resiliência bacana, o medo começa a aparecer diante dessa situação. Começam a vir a ansiedade e os pensamentos catastróficos”.
Mudanças
A fisioterapeuta Layla Silva, 28, sentia que estava bem. Por isso, naquele dia, há duas semanas, só precisava ir à farmácia. O estabelecimento, aberto por ser considerado um serviço essencial, ficava a poucos metros de sua casa. Mas, ao chegar, uma negativa: a receita do remédio – um indutor de sono de prescrição controlada – tinha vencido quatro dias antes.
A última caixa que tinha em casa havia acabado. “Tive uma mini crise de pânico. Comecei a chorar loucamente na farmácia, porque achava que não conseguiria dormir sem o remédio. Foi horrível. Não achei que fosse chorar”, diz, ao lembrar do episódio.
Em dezembro, ela recebeu o diagnóstico de ansiedade, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), em São Paulo, onde passou a morar para fazer mestrado. Mas, com o início da quarentena, retornou à Bahia, para ficar com a família. Foi aqui, no começo de março, que um psiquiatra suspendeu os antidepressivos e receitou apenas o indutor de sono. Parecia estar bem.
“Ele achou que eu estava bem e realmente acho que, nesse sentido, estou. Porém, não sei avaliar se regredi. Eu estava com uma rotina legal em São Paulo: estudava, tinha aula, fazia pesquisa. Me sentia útil e feliz. Voltar para cá significou perder tudo isso e ainda juntou a quarentena”, explica.
Na farmácia, os funcionários a ajudaram a se acalmar. Recebeu água, foi orientada a sentar e, juntos, fizeram uma contagem para que ela se tranquilizasse. Por telefone, o médico que a acompanha disse que era normal se sentir assim e que não se cobrasse tanto. Pediu que marcasse uma consulta pessoalmente.
No início do distanciamento social, ela acredita que estava mantendo uma rotina aqui. Fazia exercícios físicos, tinha horários para estudar e pesquisar. Em alguns dias, nem tomava o remédio. “Mas fui parando a atividade física e tinha dias que não conseguia estudar. Ficava só agonizando. Mesmo assim, eu sei que está tudo bem em não estar bem”, reflete.
Hoje, ela tenta voltar à psicoterapia. Está tentando marcar com a antiga psicóloga, com quem se tratava antes de se mudar. “Como eu saí, estou numa fila de espera. Mas acho que estou ficando bem. Estou voltando aos treinos aos poucos e tento ter paciência comigo mesma”.
No caso da criadora de conteúdo Kelly Pinheiro, lá do começo do texto, a quarentena veio acompanhada de falta de ar, tontura e desmaios. Às vezes, demorava para acordar. Na última vez em que passou mal, entrou no hospital pela ala vermelha. Com pressão arterial muito baixa, passou direto pela triagem.
Desde o começo das crises, sabia o que estava acontecendo. Trancada em casa, via as notícias sobre a pandemia e só pensava nas incertezas do futuro. Em pouco tempo, parou de escrever em seu perfil no Instagram, que usa como instablog e de onde vem parte de sua renda.
Para piorar, há pouco mais de duas semanas, um novo baque.
“Há 15 dias, meu pai faleceu do coração. Teve quatro paradas cardíacas aqui em casa e outras seis no hospital. Dessas quatro, em duas, eu estava presente. Eu gritava, tentava ajudar. Foi terrível. Agora, a gente está vivendo esse luto”.
Online
Uma das dificuldades de Kelly é justamente encontrar uma psicóloga ou psicólogo que possa ajudar no tratamento. “Eu voltei a caminhar, pelo menos meia hora. Mas o que acho pior são os julgamentos. O que mais ouço é que depressão é frescura, que ansiedade é frescura. Ainda é um tabu para muita gente”.
De fato, nem todo mundo tem conseguido ter acesso a atendimento psicológico durante a pandemia. Foi pensando nisso que a prefeitura de Salvador lançou a plataforma online Psiu Acolhimento, no final de abril. A ferramenta, que é gratuita e foi criada em parceria com as startups Cubos Tecnologia e Sanar, busca conectar psicólogos voluntários aos cidadãos através do endereço www.psiuacolhimento.com.br.
Desde o começo do serviço, mais de 330 psicólogos já foram validados para atender e mais de cinco mil pacientes se cadastraram. Ao todo, mais de 1,2 mil pessoas foram atendidas e o serviço já contabiliza 2,4 mil atendimentos – ou seja, uma mesma pessoa pode ter sido atendida mais de uma vez.
Uma das voluntárias é a psicóloga clínica Silvana Alvim, que tem mestrado em Psicologia Social pela Ufba. Baiana, ela mora em Rotterdam, na Holanda, desde 2018. Na época da mudança, sentiu que alguns dos pacientes ainda tinham a necessidade de manter o vínculo por um tempo. Assim, começou a se familiarizar com o atendimento online, regulamentado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), desde aquele momento.
O primeiro caso de covid-19 na Holanda foi registrado na mesma semana que o Brasil teve sua primeira confirmação, em 26 de fevereiro. No entanto, a proximidade com a Itália fez com que os sentimentos de ansiedade e estresse atingissem o país europeu um pouco antes, na avaliação de Silvana.
“Isso já estava acontecendo aqui e eu vi que existia uma possibilidade de contribuir com o Brasil, pelo que estava por vir. Então, iniciei atendimentos online voluntariamente, antes do Psiu. Pessoas que já me conheciam e faziam terapia comigo indicavam outras para virem para mim”, lembra.
Em seguida, ela foi convidada a participar de uma rede voluntária de psicólogas em Santa Catarina, onde também morou por dez anos. Na rede, também atendeu online. “Eu senti que havia muita necessidade de que esse atendimento fosse respaldado por uma instituição, por uma rede de atendimento. Não era simplesmente abrir a opção de fazer atendimento à distância. Não era suficiente”, analisa.
Foi assim que ela também se viu em outro front – a linha de frente do combate às doenças mentais na pandemia do coronavírus. Só no Psiu Acolhimento, ela estima já ter atendido mais de 20 pessoas. Para organizar a rotina, separou dois dias – segundas e quintas – nos turnos da tarde. Como ela está cinco horas à frente, pelo fuso horário, acaba ficando disponíveis no horário da manhã, por cerca de três horas. Eventualmente, aos finais de semana, disponibiliza outros horários.
Entre os atendidos, os mais frequentes são os que já usam algum dos serviços públicos de saúde mental.
“Uma coisa é ir num consultório particular, receber o coquetel e fazer o acompanhamento. Mas se você é um paciente do SUS (Sistema Único de Saúde), muito do tratamento é baseado em atividades multidisciplinares do Caps (Centro de Atenção Psicossocial). Você tem a demanda dessas pessoas que não têm mais a rotina no Caps, nas oficinas, na grupoterapia”, explica.
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), as atividades grupais dos Caps da rede municipal foram suspensas, seguindo a orientação para evitar aglomerações como forma de prevenção e enfrentamento da pandemia. No entanto, o serviço de atenção psicossocial está mantido, inclusive no horário de funcionamento normal – 8h às 17h. Há manutenção e implementação de protocolo de higienização na chegada e saída do serviço.
Os acolhimentos estão acontecendo, respeitando o distanciamento social e com uso de equipamentos de proteção. A maioria, porém, tem sido agendada. “Em alinhamento com as orientações do Ministério da Saúde, a SMS orientou os serviços para que realizassem a gestão dos casos dos usuários dos serviços, também, por telefone e outras alternativas de comunicação virtual”. A SMS disse ter observado redução na procura presencial por parte dos pacientes, mas não estimou de quanto seria essa queda.
Atendimento psicológico pode ser de emergência ou de longo prazo
Quem busca um atendimento psicológico de emergência está procurando uma forma de se estabilizar emocionalmente. É o que explica a psicóloga clínica Silvana Alvim, que é uma das voluntárias da plataforma Psiu Atendimento.
“O atendimento da psicologia de emergência de desastres é de início, meio e fim. Tem uma técnica que obedece certos critérios, além de ser um atendimento que necessita de eficiência e foco”, diz Silvana.
O importante, nessa escuta qualificada, é separar o que é uma demanda de emergência e o que é uma demanda de psicoterapia, por exemplo.
Na plataforma, ela tem atendido principalmente mulheres jovens, com idades entre 20 e 30 anos. No entanto, a presença dos profissionais de saúde entre os que buscam atendimento se destaca.
“Já atendi pessoas do próprio hospital. Técnico de enfermagem, enfermeiro, pessoas de gestão hospitalar. Estava tão insuportável (para eles) a ponto de que, ao chegar no hospital, a primeira coisa que fizeram foi buscar atendimento”.
Silvana já tinha experiência em atendimento de emergência em situações de colapso e crise. Em 2010, fez uma especialização em recuperação em saúde mental nos Estados Unidos. Mas tão logo começou a pandemia, buscou outra capacitação. Acabou fazendo um curso online, da Universidade John Hopkins.
Já a psicóloga Myla Arouca, gestora da Clínica de Psicologia da Escola Bahiana de Medicina, conta que, no serviço, desde o dia 25 de março, os pacientes estão sendo atendidos à distância. Há pouco mais de um mês, a equipe, formada por nove psicólogas, abriu a agenda também para novos pacientes.
“O que a gente tem percebido é que são muitas ligações e muita procura para entender o atendimento. Muitas buscam o atendimento gratuito”, explica. Na clínica, as psicólogas atendem com valores sociais. No entanto, um grupo de voluntários da Bahiana tem feito escuta especializada, que deve ser de, no máximo, três sessões. Mais de 50 pessoas já buscaram a clínica tentando contatar o grupo de acolhimento.
Entre os pacientes, as questões que mais têm aparecido nesse período são relacionadas à ansiedade pelo momento e pela incerteza quanto ao futuro. Há, ainda, muitos relatos de dificuldades de se organizar ou de manter a rotina – seja com aqueles que estão trabalhando em home office, seja com os profissionais que estão na linha de frente no combate à doença.
“Quem já tinha questões anteriores e já estava pensando em fazer acompanhamento psicológico, nesse momento, vê que as questões podem ser potencializadas”, explica Myla.
De acordo com Myla, é importante saber que a saúde mental tem aspectos históricos e que, de fato, muito depende de cada um. No entanto, não é preciso enfrentar ou passar pelas dificuldades sozinho.
“A gente se cobra o tempo todo, mas, se tem um nível de sofrimento que nos traz falta de condição de lidar com o dia a dia, essa é a hora de procurar o profissional”.
Quais são os sinais aos quais devemos ficar atentos?
- Sono (alterações; não conseguir dormir; dormir demais; sono bagunçado, etc);
- Alimentação (perda de apetite; comer muito mais ou muito menos do que normalmente come);
- Tristeza muito forte e frequente (muito além de uma tristeza normal);
- Hipersensibilidade;
- Humor alterado;
- Ansiedade patológica (é normal ficar ansioso nesse contexto, mas uma ansiedade que tira o sono não é normal);
- Não conseguir ter a rotina;
- Taquicardia e respiração ofegante;
- Falta de motivação;
- Dificuldade para organizar o pensamento;
- Pensamentos catastróficos com frequência;
- Abuso de álcool e drogas;
- Não conseguir ter contato com as pessoas que gosta;
- Feedback familiar (se outras pessoas, que convivem com você, têm notado alterações no seu comportamento);
Quais são as principais doenças psiquiátricas que têm se manifestado na pandemia?
Ansiedade
Todo mundo pode estar ansioso em algum momento. No entanto, a ansiedade patológica é quando esse sentimento é excessivo e interfere na vida cotidiana. É uma preocupação intensa e persistente que pode envolver dor no peito, frequência cardíaca elevada, tremores e respiração ofegante.
Depressão
A depressão é um dos transtornos de humor. É uma doença crônica que provoca uma tristeza profunda e forte sentimento de desesperança. Pode vir associada a dor, amargura, desencanto e culpa, além de alterações de apetite e no sono.
Transtorno bipolar
Também é um dos transtornos de humor. Nesse caso, é uma doença marcada pela alternância entre períodos de depressão e períodos de euforia (mania). Os episódios de mania podem incluir perda de contato com a realidade e falta de sono. Cada episódio pode durar dias, meses ou semanas, além de vir com pensamentos suicidas.
Síndrome do pânico
O transtorno do pânico envolve crises repentinas de ansiedade aguda, vindas de forma inexplicável. Costumam ser associadas a medo e desespero, com a sensação de que a pessoa vai morrer ou enlouquecer. Ataques de pânico podem também um sintoma da ansiedade.(Correios)