O chileno Eric Parrado (Antofagasta, 1970) encontrou-se com uma enorme batata quente em forma de pandemia global, apenas um ano depois de ter aterrissado no cargo de economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Fala ao EL PAÍS por videochamada durante quase uma hora, numa das semanas mais complexas já vividas pela instituição com sede em Washington: o Governo de Donald Trump decidiu travar uma batalha para que um norte-americano presida o Banco, violando assim uma histórica norma tácita. Também é o pior momento sanitário no subcontinente desde o início da crise do coronavírus, com a América Latina transformada no novo epicentro da covid-19.
Pergunta. Você está tão pessimista como sugerem as últimas projeções?
Resposta. Uma das poucas coisas de que temos certeza é que esta é uma crise sem precedentes: há pouquíssimas que tenham se parecido com ela. Talvez, em termos de impacto, a Grande Depressão dos anos 1930, apesar da diferença de que na época foram três anos de forte queda do PIB, e aqui parece que será só um. Os prognósticos estão se tornando mais pessimistas porque começamos a ter informações do setor real, com quedas muito grandes no consumo e [aumento do] desemprego. Na região, estamos vendo taxas de -14% e -15% em termos mensais. E isso significa mais pobreza, mais endividamento e mais desigualdade.
P. Há risco de que a recuperação seja em forma de V nos países ricos, mas de U, mais demorada, na América Latina?
R. É um risco, nos preocupa. Muitos países da América do Sul têm uma dependência importante em relação à China, que, embora esteja se recuperando relativamente bem, vai encontrar um mundo debilitado. De todo modo, nosso problema não é novo: a pandemia nos pegou fragilizados, já crescendo em 2019 menos que o necessário para o nosso desenvolvimento. Um crescimento muito forte em 2021 parece a cada dia mais distante: a recuperação da região claramente vai demorar mais. Nossa previsão central continua sendo uma queda do PIB de 8% a 10% neste ano, e uma recuperação só a partir do segundo semestre de 2021. Ou seja, mais um U que um V.
P. Quando a região recuperará o nível do PIB anterior a pandemia?
R. Vai levar muito tempo, porque o impacto está sendo muito forte e você precisa crescer mais forte do que caiu: se caiu 9%, com uma recuperação de 9% não vai chegar ao mesmo nível… Você tem que crescer muito mais para poder chegar ao nível de tendência. Será bem trabalhoso.
P. De quanto tempo estamos falando?
R. Três ou quatro anos. E ainda mais para retornar aos níveis anteriores de renda per capita, que é um dos indicadores principais do desenvolvimento.
P. Todos os motores frearam em seco. O que guiará essa futura recuperação?
R. A América Latina está sofrendo uma tripla parada súbita: da mobilidade de pessoas, com restrições a viagens e ao turismo, que atinge especialmente o Caribe e a alguns países da América do Sul; do comércio, com exportações e importações caindo fortemente; e de fluxos financeiros, com uma queda em investimento estrangeiro direto que pode chegar a 50% e uma grande redução das remessas, de aproximadamente 30%. Esta tripla parada súbita é a grande diferença em relação ao mundo desenvolvido e quase todos os emergentes. Por isso estamos vendo como as previsões de crescimento vão se deteriorando cada vez mais. O golpe, de todas as formas, não será igual em todos os casos: os países que fizeram a lição de casa, com prudência fiscal e bancos centrais independentes, puderam fazer um esforço adicional para enfrentar a crise. Lá a recuperação será muito mais rápida.
P. No começo da crise, o foco econômico apontava para a Ásia, com a China à frente. Depois a Europa, especialmente a Itália e a Espanha. Agora, os olhares se voltam para a América Latina.
R. Entramos nesta pandemia com uma pré-existência, com baixos níveis de produtividade e crise sociais em alguns países. Em 2019 já voávamos com um motor prejudicado, e neste 2020 o outro motor pifou. Agora o complicado é tratar de fazer este avião planar, salvar seus passageiros e aterrissar em um lugar seguro. Já antes da crise sanitária nos custava reduzir a disparidade de renda per capita em relação aos EUA, enquanto a Ásia emergente a reduziu rapidamente nos últimos 30 anos. A pandemia é um chamado de atenção: não devemos ser tão graduais nas reformas que permitam elevar a produtividade.
P. Quais?
R. É preciso fazer um esforço grande em infraestruturas físicas e digitais, educação e saúde. E tratar de ter instituições que pensem no longo prazo, que projetem as necessidades de cada país e não dependam do ciclo político. Temos que voltar não a uma nova normalidade, e sim a uma normalidade melhor: a normalidade pré-pandemia não é a que queremos. Essa é a mudança de ênfase que os Governos têm que fazer. Se tivermos visão de longo prazo, vamos ter também países mais estáveis, e não a história que se repete na América Latina: vem um Governo para fazer uma reforma, e o seguinte faz a contrarreforma da reforma. Os ciclos políticos tão curtos têm o incentivo de chutar os problemas para frente.
P. A esta altura já está claro que o coronavírus será, também, um catalisador da desigualdade. E a América Latina continua sendo a região mais desigual do mundo.
R. O impacto foi enorme em termos de distribuição de renda: 80% dos latino-americanos de baixa renda sofreram pelo menos uma perda de emprego de um familiar próximo do início da pandemia, frente aos 20% dos de renda alta. Tratamos que fazer esforços de gasto social, mas não deu muito certo. Quando a gente olha o Gini [o índice de concentração de renda usado pelos economistas] antes e depois de transferências e impostos, estamos iguais ao mundo desenvolvido, mas quando cobramos os impostos e aplicamos os programas sociais quase não varia. E isso só quer dizer uma coisa: que as políticas não estão funcionando, que não estão bem focalizadas, e que é preciso um grau adicional de eficiência no gasto público.
P. E há, também, o fator informalidade. O caso do Peru parece claro: mais gente nessa situação significa também um golpe maior de uma crise econômica como esta.
R. Exato. A média da região continua acima de 50%, e o golpe está sendo muito maior para os segmentos informais, aos quais é mais difícil chegar com transferências. Esta pandemia é um claro chamado de atenção.
P. Espera um 2021 quente nas ruas, como foi 2019?
R. Desta crise vamos sair mais pobres, mais endividados e com um maior problema de distribuição de renda. Os Governos têm que começar a planejar sua resposta para que a recuperação seja muito mais inclusiva, que é o que causou os protestos em alguns países da América do Sul. Necessitamos uma rede de proteção social muito mais ampla, e que as transferências não escapem para os segmentos de maior renda: que cheguem aos setores mais pobres. E uma educação, uma saúde e uma previdência que iguale, que nivele o terreno de jogo para todos. A busca por um novo acordo é urgente. (El Paris)