Atestado de fé: a preparação da Semana Santa em tempos de pandemia

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Igrejas lotadas, procissões e grandes filas em mercados para garantir ovos de chocolate, peixe e itens da comida típica da Semana Santa. Em um passado recente, era desta forma que Salvador e outras cidades costumavam celebrar o período da Páscoa. No entanto, em decorrência da pandemia do novo coronavírus, as comemorações deste ano serão bem diferentes e, talvez, mais solitárias do que o habitual.

Um dos grupos mais afetados pelas restrições de quarentena é o dos cristãos católicos. Para a religião, a Semana Santa é o momento mais importante no ano. O calendário é extenso e envolve a celebração de uma missa por dia, do Domingo de Ramos até a Páscoa. Para além das celebrações, os fiéis costumam sair em procissões litúrgicas durante e antes das datas, como forma de preparação.

“A Semana Santa é o coração da fé católica, é o cume e centro de toda liturgia católica, pois nela fazemos memória dos últimos dias de Cristo, e acima de tudo a sua paixão, morte e ressurreição”, explica o padre Charles Assis, de 30 anos, responsável pela Paróquia Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Alagoinhas (distante 108 km de Salvador).

Recém-inaugurada, a paróquia, que reúne aproximadamente mil pessoas aos domingos, segundo o Padre, faria este ano a sua primeira celebração do período festivo. Para que a data não passe em branco, ele pede que os fiéis busquem as celebrações litúrgicas online ou na TV e rezem em família. “É viver a fé e a tradição católica e, de modo especial, neste tempo de pandemia sermos como Igreja, o canal da misericórdia, paz, conforto e esperança que brota da vitória da ressurreição de Cristo”, pregou.

Como a comemoração em grupo nos templos religiosos se tornou impossível, resta aos católicos ressignificarem as celebrações dentro de casa. É isso que pretende a vidraceira Cláudia Menezes, 39. Católica e envolvida com atividades religiosas há cerca de 22 anos, ela, que costumava passar a Páscoa com a família reunida na casa da avó ou da sogra, conta como está se preparando para o momento atípico.

“Desde a quaresma estamos vivendo este tempo litúrgico como todo o mundo: em casa. Eu, meu esposo e meus filhos pretendemos participar da missa pelo Instagram e TV todos os dias. Na quinta, vamos lavar os pés uns dos outros, na sexta, tentaremos ser mais íntimos do mistério da Paixão e, no domingo, almoçar com bastante alegria por ter Jesus ressuscitado em meio a nós. A Páscoa nos dá esperança de um mundo melhor”, conta.

Tão tradicional quanto a programação litúrgica, o almoço de comida baiana e com frutos do mar é outro costume que também deve passar por mudanças. A estudante Amanda Fernandes, 25, que é católica, diz que, antes da pandemia, comemorava a Semana Santa em jejum e oração, além de fazer almoço com toda a família no domingo de Páscoa. Para este ano, ela está obedecendo as orientações de isolamento e evitando ir aos supermercados.

“Vou almoçar em casa apenas com meu marido, respeitando o isolamento em combate à Covid-19. Evitei ir em supermercados nos horários mais movimentados e acabei comprando as coisas com antecedência, evitando aglomerações. Acredito que não é necessário deixar de celebrar a ressurreição de Jesus devido a pandemia. O correto é comemorar obedecendo as orientações da OMS, ficando em casa”, disse.

Além da presença do restante família, o cardápio do almoço de Páscoa de Amanda foi outro que sofreu alterações. Preocupada com as aglomerações e o risco de transmissão do novo coronavírus, ela diz que desistiu de fazer um dos seus pratos típico devido à quantidade de pessoas no Mercado do Peixe.

“Iria fazer moqueca de camarão, mas tinha muita gente no Mercado do Peixe. Normalmente, eu compro lá devido à variedade de opções que não tem no mercado comum”, lamentou.

Diversidade de crenças

Cristã protestante, a arquiteta e urbanista Brenda Silva de Brito, 25, mantinha uma rotina religiosa ativa antes da pandemia. Frequentadora da Igreja Batista Nacional Renascente, no bairro do Bom Juá, em Salvador, onde mora, ela também exerce a missão de coordenar o ministério infantil.

Assim como o catolicismo, a Semana Santa, especialmente o domingo, também é considerada um pilar para a religião de Brenda. Segundo a arquiteta, para celebrar a data, era feito um culto festivo com apresentações de peças e louvores voltados à reflexão e agradecimento pela Páscoa. Mesmo com as limitações do isolamento, ela diz que não deixar a data passar em branco.

“Ainda não sabemos como vai ser, talvez sejam jeitos momentos de jejum e oração, além do culto online. Infelizmente o contato físico vai ter que esperar. Na nossa religião não há um ritual a ser feito. Geralmente tiramos um momento para reflexão e agradecimento. Faremos assim esse ano, em casa”, garantiu.

Para Brenda, a pandemia se tornou mais uma razão para que a Semana Santa seja comemorada. “Jesus é o motivo desta celebração e ele está presente com ou sem pandemia. Esse ano só temos um motivo a mais para nos aproximarmos dele. Juntos ou não, a experiência com Deus é, sobretudo individual”, ressaltou.

Apesar de não compartilhar das tradições cristãs de celebração da Páscoa e Semana Santa, a Umbanda propaga o respeito às celebrações de outras religiões, afirma o professor universitário e diretor do Santuário Vida, localizado na Ilha de Itaparica, Paulo José Gonçalves, 51.

Em respeito aos segmentos que comemoram, o Santuário, que reúne de 50 a 70 frequentadores, interrompe a suas atividades durante o período. Segundo Paulo, também é feita a orientação de que os altares domiciliares com os orixás cultuados por médiuns sejam cobertos.

“Dentro dos princípios da Umbanda nós não celebramos a semana da Páscoa. Ela tem os seus princípios próprios que não é o caso da gente. O que fazemos é respeitar esse momento, que para os cristãos é considerado de sacrifício e depois de celebração a vida. Temos muito respeito ao culto do outro”, afirmou.

De família católica, ele diz que, mesmo tendo um credo diferente, considera a data importante em meio ao contexto de coronavírus, por representar uma forma de se solidarizar com aqueles que estão sendo mais afetados pela pandemia.

“O mundo todo está vivenciando um momento de sacrifício. As famílias perdendo seus entes queridos, os profissionais de saúde com uma jornada de trabalho intensiva. O sentimento deve ser comum, o martírio de um é o do outro. O momento de Semana Santa é para oferecer orações e celebrar os que estão vencendo ou lutando contra a doença. Que o mundo todo possa ser reconhecido com Jesus Cristo que venceu a dor, o martírio”, desejou. (A Tarde)

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