Três candomblecistas denunciaram à Polícia Civil dois vizinhos por intolerância religiosa em Salvador. Segundo o babalorixá Luciano Gomes, um casal que mora perto do imóvel onde são realizados os rituais religiosos chamou o candomblé de farsa durante uma discussão no final do mês de outubro deste ano, no bairro do Rio Vermelho.
“Chamou a gente de favelado, que se ela viesse aqui na porta a gente poderia matar ela e chamou o candomblé de farsa. Foi a parte que mais doeu na gente, ter chamado nossa religião de farsa. Nós somos povo de santo, estamos atrás da paz, temos a bandeira branca simbolizando a paz”, disse Luciano.
Imagens gravadas por Luciano mostram a vizinha dizendo que eles gritavam como “bruxa” e o marido dela afirmando que a religião era uma farsa. O casal Beta e Alex Lemos negou preconceito religioso, mas enfatizou que o imóvel não é lugar para rituais religiosos.
“Tenho vídeos do pessoal atuando, recebendo, incorporando. Com todo respeito, mas aqui não é lugar de fazer isso. Eu acredito que o terreiro existe em um lugar determinado assim como a gente, por exemplo, não pode colocar uma loja na minha casa porque a prefeitura não permite”, disse.
Quando questionada sobre as celebrações religiosas católicas como cânticos de trezenas, por exemplo, tradicionalmente feitas em residências, a vizinha disse que havia diferença com o ritual do candomblé, pois os cânticos católicos são “pacíficos”.
“Não. Veja bem. É diferente. Eu tenho um vídeo das pessoas gritando, são gritos que assombram. Os nosso cânticos são mais pacíficos”, disse.
Alex mostrou as imagens de São Jorge e Iemanjá que possuem em casa.
“Olha minha prova aqui, Iemanjá da minha esposa e o meu São Jorge. Como é que vou ser contra? Eles estavam fazendo a parte do santo, gritando e tomando cachaça, aí é complicado. Como vamos conversar com uma pessoa bebendo”, disse Alex.
Discussão
Antes mesmo da discussão, os candomblecistas já tinham tido conhecimento de um vídeo em que a vizinha dizia: “Tão se preparando para atuar. Já estão atuando. É.. Virou uma casa de santo mesmo, viu? Casa de candomblé, casa de Ubanda ou macumba”.
O ritual de candomblé ao qual a vizinha se referia era feito em uma varanda, por volta das16h, sem uso de nenhum tipo de equipamento sonoro ou instrumento musical. A discussão teve início depois que o casal começou a gritar, da varanda da casa deles, chamando a atenção da vizinhança e recriminando o ato religioso.
“Hoje de manhã, mais cedo. Por sinal, fui simpática, as meninas foram simpáticas comigo. Mas daqui a pouco, meu irmão, vocês começaram a receber santo, dar gritos, parecendo uma bruxa e uma bruxa que dá gargalhada. Pelo amor de Deus, entendeu? Ou é Exu, ou é Maria Padilha, não sei qual dos dois”, disse a vizinha Beta Lemos.
Em seguida, o marido de Beta, Alex Lemos disse: “Isso é uma farsa”. E Beta completa: “Alex, não entre nessa, religião ele pode ser a religião que quiser”, disse.
O caso foi registrado na delegacia do Rio Vermelho como crime de intolerância religiosa.
“A gente vai mexer onde dói, levar eles para a Justiça e fazer eles pensarem antes mexer com outras pessoas de axé ou de qualquer religião. A gente tem a liberdade para escolher que caminho seguir”, disse a cabeleireira Michele Ramos, que participava do ritual.
De acordo com a Secretaria Estadual de Promoção e Igualdade Social (Sepromi), em 2019 foram registrados 49 casos de intolerância religiosa na Bahia, este ano já são 19. (G1/Ba)