Bahia é destaque nacional nas ações de cuidados paliativos

Entenda o que é essa prática médica interdisciplinar que busca reduzir o sofrimento de pacientes e seus familiares

Foto: Joa Souza | GOVBA

A Bahia é destaque no cenário nacional quando se fala em cuidados paliativos e, em dezembro deste ano, vai ganhar o primeiro hospital estadual com atendimento 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e voltado exclusivamente para a paliação. Dentre as capitais, Salvador também se sobressai no cenário nacional na oferta desse serviço que tem o objetivo principal de reduzir o sofrimento de pacientes e familiares diante do cenário de uma doença grave ou crônica e que ameaça a vida.

Com previsão de entrega em dezembro, o Hospital Estadual de Cuidados Paliativos terá 70 leitos, sete deles na pediatria, e vai funcionar no prédio do antigo Couto Maia, na Cidade Baixa, que atualmente passa por reformas para abrigar o novo serviço. De acordo com os dados do Núcleo de Cuidados Paliativos da Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), uma média de seis mil pacientes, entre adultos, pediátricos e neonatais, já foram atendidos pelo programa estadual.

Na capital, o Hospital Municipal de Salvador (HMS) dispõe de equipe assistencial com suporte de cuidados paliativos para os pacientes internados e seus familiares, segundo nota da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Além disso, a rede de urgência e emergência municipal também dispõe de médico especialista para acompanhar os pacientes e orientar nos cuidados. Em alguns casos, os pacientes são acompanhados pelo Serviço de Atenção Domiciliar (SAD), acrescenta a pasta.

No país, conforme o Ministério da Saúde divulgou em maio deste ano, ao menos 625 mil pessoas precisam de cuidados paliativos atualmente. A médica oncogeriatra e paliativista da Oncoclínicas na Bahia, Rafaela Cândida, explica que o cuidado paliativo é um conjunto de ações praticados por equipe interdisciplinar e que oferece recursos para diminuir o sofrimento físico, psíquico e social dos pacientes e cuidadores diretos.

“Muitas vezes, a pessoa ao ser diagnosticada com alguma doença mais complexa, entra em processo de sofrimento e começa a se questionar porque isso aconteceu com ela, se preocupar no caso da finitude em quem vai prover o lar, cuidar da família, é um nível de sofrimento muito grande”, acrescenta.

Adotar o cuidado paliativo, completa, é sempre indicado nos casos em que há uma doença que ameaça a vida, mas não precisa necessariamente ser uma doença incurável, basta que seja uma situação como uma pessoa que está em estado grave na UTI, por exemplo. “Esse paciente tem um problema curável, mas durante o processo de internamento e recuperação, pode entrar nesse sofrimento ou a própria família entrar no sofrimento. Então a partir daí é necessário que tenha um cuidado preventivo”.

Existem dois tipos de cuidados paliativos, explica Rafaela Cândida, aquele básico, que é dado pelo médico que acompanha o paciente dentro da sua especialidade, e o cuidado oferecido a partir do momento em que aumenta a demanda de controle da dor ou qualquer desconforto, quando a doença vai ficando um pouco mais difícil. A partir daí, entra o especialista paliativista e ele não é só um médico.

“Dizemos que é uma ação interdisciplinar e não multidisciplinar porque existe uma diferença. Um atendimento multidisciplinar envolve psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, enfermeiro e médico. Mas cada um vai atuar dentro da sua especialidade. O atendimento interdisciplinar, além de cada profissional atender sua especialidade, todos estarão interligados e tomando decisões juntos sobre o paciente, inclusive o próprio paciente e a fanília, buscando alternativas para melhorar o conforto da pessoa, porque o foco é tratar a pessoa com a doença e não só na doença”, diferencia a oncogeriatra.

Um exemplo dessa simbiose entre os profissionais e atendidos descrita pela especialista da Oncoclínicas, acontece no Ambulatório de Cuidados Paliativos da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, que funciona em Brotas, Lá, os profissionais de medicina, psicologia e enfermagem atendem pacientes e familiares juntos, em consultas que podem durar até uma hora e meia.

Os atendimentos são 100% voltados para pacientes do SUS e acontecem sempre às terças e quartas-feiras, das 14h às 17h. Como os atendimentos são extensos, em média, são agendados dois pacientes e familiares por vez. O ambulatório serve, ainda, de escola para os estudantes do 11º semestre do curso de Medicina da Bahiana. Para ter acesso ao serviço, basta entrar em contato com a instituição.

Medicina humanizada

O médico intensivista e professor da Bahiana, Sílber Alves, especialista em paliativismo, diz que nem todos os estudantes que passam pelo treinamento no ambulatório vão se especializar em paliação, que é um curso oferecido como pós-graduação. Mas que a experiência deles pode ser adotada nas suas práticas profissionais futuras, dentro das especialidades que seguirem, para que pratiquem uma medicina mais humanizada e focada nas necessidades do indivíduo.

Sílber Alves conta um pouco da história dos cuidados paliativos no Brasil. Segundo o médico, o processo no país começou entre 2005 e 2006, quando já se discutia a inserção desses protocolos no Código de Ética Médica. Em 2010, o protocolo foi validado em todo o país depois de anos de luta de profissionais, incluindo derrubar uma liminar que proibia a adoção das práticas porque o CFM – Conselho Federal de Medicina, entendia, na época, que médicos não tinham de intervir em decisões familiares sobre suporte à vida.

A partir de 2015, o movimento em prol dos cuidados paliativos ganhou força na Bahia. “Principalmente em Salvador, que é uma cidade reconhecida nacionalmente. De 2015 para cá, houve a organização do serviço em diversos hospitais da cidade, que já tem os seus protocolos e as suas comissões médicas para cuidados paliativos”, diz Silber.

O ambulatório da Bahiana surge a partir desse movimento e, em 2019, Silber Alves e o também médico Franklin Santana, desenvolvem aulas de cuidados paliativos de forma teórica para turmas do oitavo semestre. “Durante a pandemia, entre 2019 e 2022, a coisa andou um pouco mais devagar por conta das restrições sanitárias, mas entre 2023 e esse ano, retomamos e passamos a oferecer o serviço”.

Atenção integral

São dois médicos, uma enfermeira e a psicóloga Juliana Susin. Ela explica que a psicologia, dentro dos cuidados paliativos, oferece um espaço de escuta para que o paciente possa construir um repertório simbólico de enfrentamento do sofrimento causado pela doença. “Muitas vezes, um paciente precisa de suporte porque a doença vai exigir dele algum tipo de readaptação, a alteração na rotina, vai gerar limitação. E a psicologia vem para ajudar a processar essa nova realidade”.

Ainda segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, é um equívoco comum associar cuidados paliativos ao fim da vida. Na verdade, já existem estudos que comprovam que a expectativa de vida de um paciente grave ou crônico aumenta quanto mais precocemente o cuidado paliativo é adotado. O ideal é que seja desde o diagnóstico. Além disso, as práticas que vão da redução da dor e outros sintomas físicos até encaminhando para atendimento psicológico sistemático, com terapia, ou mesmo apoio na resolução de questões sociais, garantem uma melhor qualidade de vida para o doente em tratamento e para os cuidadores.

“As famílias tendem a colocar o paciente nesse lugar adoecido passivo e é também um sofrimento para essa família acompanhar a situação. A psicologia ajuda a processar esse sentimento e a também intermediar a interação da família com a equipe de profissionais da área de saúde responsáveis pelo cuidado do paciente. Desde a mais simples orientação até as situações de finitude da vida, que é uma situação de bastante vulnerabilidade psíquica, nós atuamos”, acrescenta Juliana.

A oncogeriatra Rafaela Cândida lembra que é importante cuidar das famílias e não só dos pacientes porque se a família não for acolhida, ela adoece junto. Geralmente, a depender da doença, enumera a especialista, o paciente pode sentir dor, ter episódios de vômito, não dormir, não se alimentar, não se comunicar direito, não querer sair de casa e tudo isso impacta a rotina dele e dos cuidadores.

“Isso afeta a qualidade de vida do paciente e do cuidador. Chamamos de estresse do cuidador, que é muito frequente. Então, é muito importante que na oferta do cuidado paliativo, se busque conhecer qual é a dinâmica da família para que esse cuidador não seja sobrecarregado, para que possa existir um revezamento, para que o cuidador principal possa descansar também”, diz Rafaela Cândida.

Núcleo baiano ganhou fôlego a partir da pandemia

Em maio deste ano, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Cuidados Paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A meta é criar e treinar 1300 equipes em todo o país. Na Bahia, desde 2020, funciona o Núcleo de Cuidados Paliativos da Secretaria Estadual da Saúde (Sesab).

Uma das coordenadoras do setor, a médica Karoline Apolônio, conta que o núcleo nasceu como proposta ainda embrionária em 2019, com o objetivo de montar um sistema de educação e treinamento para as equipes de paliação.

“Em 2020, com a chegada da Covid-19, ampliamos esse núcleo, que inicialmente era composto por dois médicos aqui na Secretaria, e começamos a ter equipes nos hospitais de referência no tratamento da covid. O impacto disso foi importante para a assistência, os pacientes e familiares, além dos próprios profissionais, que o programa começou a crescer no decorrer dos anos”.

O programa baiano foi pioneiro no Brasil a partir da ideia de fazer uma gestão centralizada em uma secretaria de governo, com foco no cuidado, com uma equipe modelo. Atualmente, o núcleo é composto por duas médicas – uma tem a gestão geral e a outra se dedica a cuidados paliativos pediátricos -, uma enfermeira responsável pelo serviço de atendimento domiciliar e psicóloga que atua na capacitação de equipes.

O núcleo teve impactos significativos também no plano de ação para a criação do Hospital Estadual de Cuidados Paliativos. “Nós seremos o primeiro hospital estadual 100% SUS a oferecer cuidados paliativos. É uma grande conquista para a Bahia e para o SUS e uma quebra de paradigma”, afirma Karoline Apolônio.

Na unidade de saúde especializada, serão oferecidos serviços ambulatoriais para os pacientes que possuem condição clínica que permite receber os cuidados paliativos de forma mais precoce. Caso esses pacientes evoluam com sintomas que não sejam possíveis o controle em domicílio, que não consigam ter o suporte adequado e que impacta negativamente na qualidade de vida, então serão direcionados para a internação. “A ideia da internação é para os pacientes que têm os sintomas de difícil controle em casa e que realmente precisam de uma assistência mais intensificada. Mas não necessariamente para todos os pacientes. Daremos o atendimento que fizer sentido para cada paciente, respeitando suas vontades e da família”, explica a médica.

Atualmente, há equipes de cuidados paliativos em locais como os hospitais Roberto Santos, Geral do Estado, Couto Maia e Ana Nery. Ambulatorialmente, há espaços especializados no Climério de Oliveira e Roberto Santos, na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e no Hospital Santo Antônio, das Osid, entre outros, com atendimento 100% SUS. Unidades de saúde que atendem convênio também dispõem do serviço, como os hospitais Cardio Pulmonar, Aliança e Santa Izabel.

Fonte: Portal A TARDE

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