Se até agora ninguém sabe se o Carnaval 2022 vai mesmo ocorrer em Salvador, o que dirá nas demais cidades do litoral e interior. Como a capital baiana costuma capitanear o debate e o governo estadual é quem bate o martelo da decisão, os gestores seguem na posição de espera para divulgar se vão realizar a festa ou não.
Na capital, Bruno Reis já afirmou que o encontro com o governador Rui Costa deve acontecer “na data-limite”, que seria no final deste mês, para deliberarem sobre a realização da festa.
Enquanto Mata de São João, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), e Porto Seguro, no extremo- sul, já fazem planos para a festa, as cidades de Conde, Maragojipe e Barreiras afirmam aguardar o aval do governador antes de fazer qualquer coisa. Com festas de menor porte em comparação com a da capital, essas prefeituras não têm tanta pressa quanto à decisão e, por enquanto, assistem aos debates sobre o assunto.
Assessor especial institucional da Prefeitura de Conde, no Litoral Norte, Antônio Reis conta que o Carnaval no município sempre teve dois circuitos, um na sede da cidade, e outro na praia de Sítio do Conde, além de alguns blocos que saem nas praias de Barra do Itariri. Segundo ele, era comum receber muitos visitantes de toda a região e até de alguns estados, já que famílias alugavam casas ou adquiriam estadia nos 34 hotéis e pousadas do município. Eles costumavam atingir 100% de ocupação no período.
Sem as festas, a movimentação de público cai e há um impacto econômico no orçamento das pessoas e do município, já que há menos consumo de bens e serviços. Nos últimos carnavais, Conde teve, em média, 150 vendedores ambulantes nos eventos. O assessor acredita que, com os reflexos da pandemia, o número de trabalhadores informais seria ainda maior nas festas carnavalescas de 2022.
Para deliberar sobre o evento, os prejuízos financeiros são colocados na balança junto com os riscos sanitários, uma vez que as festividades podem provocar aumento dos números da covid-19 no município. Isso desencadearia uma nova onda de problemas no sistema de saúde do estado, já que o Conde não conta com leitos próprios para a doença e pacientes com casos graves têm que ser transferidos para Salvador.
“A realização de uma festa que traz mais de 100 mil pessoas para o município durante as festas, representa sim um risco”, diz Reis. “De maneira oficial, ainda não [está decidido se haverá], mas o prefeito entende que é muito cedo para afirmar se fará ou não e, de toda sorte, aguardará posição do governo”, completa ele. Mesmo se a festa for liberada, não haverá condições de promovê-la sem auxílio financeiro do governo estadual.
A Prefeitura de Barreiras, no oeste do estado, diz que conta com uma Comissão Permanente de Eventos que tem “ampla experiência em grandes eventos”, como o Barreiras Folia. Na edição de 2020, o evento teve 80 atrações e levou mais de 430 mil pessoas aos circuitos do Carnaval, injetando R$ 40 milhões na economia local.
A estimativa naquele ano foi de que 30% eram de turistas vindos de cidades da região Oeste e também, de Brasília, Goiânia, Tocantins e São Paulo. A movimentação financeira envolveu gastos com vestuário, calçados, alimentação, bebidas, combustível, além de serviços de costureiras, salões de beleza e artesanato.
“Ainda não temos uma posição definida, seguimos monitorando o quadro epidemiológico, bem como o posicionamento da capital e do próprio governo do estado. Sendo tomada a decisão de realização do Carnaval, o evento acontecerá com o mesmo brilho de sempre”, afirma Edivaldo Costa, secretário de comunicação.
A Prefeitura de Maragojipe informou que terá uma reunião nesta quarta-feira entre prefeito e secretários para tomar uma decisão, mas adiantou que aguarda e seguirá a decisão do governo do estado. As prefeituras de Lauro de Freitas, Madre de Deus, Porto Seguro, Itacaré e Palmeiras também foram procuradas no sábado para se posicionarem sobre o tema, mas não responderam às solicitações da reportagem.
Diferente do Conde, que ainda está na indecisão, a cidade de Mata de São João, também no Litoral Norte, se diz programada para ter Carnaval em 2022. A gestão já discute internamente a realização e, conforme a assessoria de comunicação, “as autoridades municipais estarão atentas ao panorama epidemiológico até lá”. Na vila, costumavam rolar bloquinhos de rua com atrações gratuitas, além de apresentações de bandas no coreto, desfile dos Caretas e festas privadas em hotéis da região.
Com três dias de casos zerados de covid-19, a prefeitura diz que o cenário de queda nos números está se desenhando favorável à realização da festa e, por isso, já está planejando eventos. O detalhamento dos planos, no entanto, não foram divulgados. A administração municipal afirma que, se as festividades de Carnaval forem proibidas por determinação do governo, obedecerá à decisão de não realização.
Em Porto Seguro, o que pesa na decisão é o fator segurança pública, fornecida pelo governo estadual. “Estamos com tudo planejado, mapeado, mas a única que está segurando nosso lançamento é a segurança, porque não tem como você fazer um evento público sem a presença dos bombeiros e policiais militares”, explica o secretário municipal de turismo de Porto Seguro e vice-prefeito, Paulo Onishi.
Segundo ele, há diálogo com Léo Santana, Psirico e Parangolé. “A gente não tem como fechar sem ter certeza, se não, podemos até responder por improbidade administrativa. Mas, como a cidade já é tradição ter Carnaval e por termos bom relacionamento com as bandas, o que existe é uma conversa da possibilidade de, se houver Carnaval, eles virem tocar em Porto Seguro”, detalha Onishi. A gestão também pensa em investir em artistas locais.
Para o vice-prefeito, é possível realizar a festa em 2022. “Por ser uma cidade que 95% da economia direta e indireta vem do turismo, e eventos como o Carnaval são os indutores de emprego e renda, desde o ambulante até a hotelaria, acreditamos que há possibilidade. E a vacinação também está adiantada, montamos uma estrutura para covid além da do estado, com um hospital próprio, especializado. De todo o jeito, a gente aguarda a decisão dele [governador Rui Costa], mas estamos fazendo a lição de casa”, contextualiza o Paulo Onishi.
A cidade recebe cerca de 80 mil pessoas por dia e são cinco dias de festa – de sexta à terça. Ao todo, sete a 10 trios elétricos circulam nas avenidas, sem contar com os blocos de rua, principalmente os mais tradicionais, no Arraial D’Ajuda, Caraíva e Trancoso. A ideia é ampliar o circuito da Passarela do Descobrimento, onde historicamente acontece, para a Orla. “Estamos fazendo um estudo de viabilidade, porque ainda estamos na pandemia e a Passarela tem apenas 1,2 km, enquanto a Orla tem 3,2 km, é um espaço mais aberto e arejado”, afirma o secretário e vice-prefeito. Ele acrescenta que o Carnaval representa 20% do faturamento anual da prefeitura.
Liberação do Carnaval deve ser baseada em indicadores, diz Conselho de Saúde
Concentrada nos discursos do governador Rui Costa e do prefeito de Salvador, Bruno Reis, a discussão sobre a ocorrência do Carnaval 2022 ganhou mais um episódio na sexta-feira (12), com a divulgação da lista que conta com pelo menos sete recomendações sobre a festa, emitidas pelo Conselho Estadual de Saúde da Bahia, órgão de fiscalização da política sanitária no estado, ligado à Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab).
No documento, o conselho recomenda que, para a liberação dos festejos, os prefeitos devem avaliar indicadores como: média móvel semanal de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e de covid-19 por 100 mil habitantes; fila de espera de pessoas por dia para os casos de SRAG; percentual de testes positivos durante os últimos 15 dias que antecederem a data de realização do Carnaval 2022; números proporcionais de novos casos de covid-19 e a taxa de transmissão no município de realização do Carnaval 2022 por um período de 15 dias, além de cobertura vacinal contra a covid-19 no Brasil, no Estado da Bahia e nos municípios de realização do Carnaval 2022.
Presidente da Comissão Especial de Acompanhamento da Retomada dos Eventos em Salvador e ex-secretário de Turismo da capital, o vereador Claudio Tinoco questionou estas recomendações. Na avaliação dele, o documento não fixa índices com valores objetivos para serem levados como referência. “Continua subjetivo. Qual será, por exemplo, a taxa de transmissão, a quantidade de novos casos, a taxa de vacinação?”, apontou Tinoco.
Presidente do conselho, Marcos Sampaio argumentou que os dados da pandemia no estado ainda não apontam baixa taxa de contágio, mas, sim, uma estabilização — o que deixa a Bahia sujeita a uma nova onda da doença. Segundo ele, a subnotificação de casos é alta, já que não há testagem em massa para medir precisamente a transmissão.
“O Carnaval não é uma coisa só da Bahia, é planetário. Salvador e as outras cidades que fazem a festa não estão deslocadas do mundo, então não dá para considerar os dados só delas. Na Europa, vários países estão retomando medidas restritivas. Aqui não se tem um plano estratégico de cobrança de certificado de vacinação. Para entrar na cidade, turistas precisariam de passaporte de vacinação completa. Não temos essa cobrança aqui. Então, que segurança teremos?”, disse Sampaio.
O presidente do CES-BA disse que se Salvador deliberar pela realização, é bem provável que sejam iniciados, por aqui e nas demais cidades, eventos micaretas e ensaios, o que deve promover outras aglomerações além das que já são esperadas para as festas de fim de ano, como Natal e Réveillon.
“Tem uma pressão do mundo empresarial do carnaval, dos blocos e camarotes, que querem que se faça e se decida logo, mas quem vai dizer qual o momento de ter ou não o Carnaval é a ciência e os indicadores. Nos estádios, nas imagens da TV, vemos várias pessoas sem máscara, sem distanciamento, consumindo álcool. Isso é um laboratório do que será o Carnaval. Não somos contrários ao Carnaval, mas temos que ter ambiente seguro”, afirmou.
O conselho recomendou, ainda, que seja obrigatória a exigência do comprovante de vacina em hospedagens e espaços fechados de eventos na Bahia, além de controle de fronteiras. Por fim, o CES-BA também aconselhou que não sejam usados recursos públicos da saúde para custeio da infraestrutura de atendimento aos participantes do Carnaval, a exemplo dos estandes de socorro médico.
“Quando fui presidente do Conselho Municipal de Saúde de Salvador, há quatro anos, 70% das pessoas que precisavam de atendimento médico no Carnaval eram por causa de abuso de álcool. Quem tem que bancar por isso são as cervejarias. Agora, temos muitas pessoas tentando retomar o cuidado com a saúde e já há grandes filas. Não dá para usar recurso público da saúde no Carnaval”, diz Sampaio. (Correios)