Caso Melhem: diretor do “Zorra” relata abusos e aponta supostas mentiras do humorista

Ele tinha desentendimentos com diretores, editores, e eu era uma pessoa que o freava muito”, lembrou Farias.

Foto: Reprodução/Metrópoles

Um dos principais diretores de humor da história da TV Globo, o cineasta Maurício Farias esteve à frente por anos de dois dos principais programas do gênero da emissora na última década, “Zorra” e “Tá no ar”, exatamente as duas produções onde teriam ocorrido os episódios de assédio sexual de que o humorista Marcius Melhem é acusado.

Diretor de clássicos da TV, como “A grande família” e “Tapas e beijos”, Farias, de 62 anos, aceitou falar pela primeira vez sobre os anos que trabalhou ao lado de Melhem e das atrizes, roteiristas e outros profissionais que acusam o ex-diretor do núcleo de humor da TV Globo. Disse ter presenciado diversos episódios de abuso moral praticados por Melhem e afirmou que, diante dos relatos das mulheres que acusam o antigo colega, passou a entender o que de fato estava por trás de uma série de atitudes do humorista.

“No trabalho, o Marcius tinha um comportamento que se aproximava de um abuso moral. Isso aconteceu com pessoas próximas a mim e eu tive que intervir algumas vezes. O Marcius tinha uma postura muitas vezes agressiva. E isso constrangia muito os profissionais. Quando um colega me fazia uma queixa desse tipo, eu conversava com o Marcius e a gente tinha vários atritos. Ele tinha desentendimentos com diretores, editores, e eu era uma pessoa que o freava muito”, lembrou Farias.

Farias discordou de Melhem, que afirmou na entrevista que deu à coluna ser natural em um ambiente de trabalho de humoristas a existência de práticas que ele mesmo admitiu ter, como, por exemplo, sarrar o pênis em colegas homens.

“Por que você faz humor, não significa que você pode passar a mão em ninguém. O comportamento de uma cena de proximidade é todo combinado: ‘Posso colocar a mão aqui? Pode aparecer isso? Podemos colocar a câmara aqui?’. É uma coisa técnica, não estamos fazendo pornô. Precisa de consentimento. As pessoas precisam ter liberdade para dizer ‘sim’ e ‘não’. Usar esse argumento de que o ambiente do humor é permissivo ajuda a confundir muito. Nós estávamos em um ambiente de trabalho”, defendeu.

Sobre o hábito de Melhem sarrar em colegas, Farias revelou ter tomado conhecimento de relatos inéditos e que não era algo que o humorista fazia apenas com profissionais homens.

“Recentemente, eu ouvi de uma colega de equipe de muita confiança que ele esfregou o pênis nela. Ela nunca tinha me falado isso, só teve coragem de contar agora. Ela ficou mega constrangida, com nojo”, revelou.

Farias também contou à coluna sobre o relato que ouviu recentemente de um antigo diretor que trabalhou com ele e Melhem.

“Outro dia, um diretor experiente me disse que tem vontade de chorar quando lembra daquela época, tamanha a agressividade e a força que o Marcius usava em cima das pessoas. Ele tinha muito poder. Isso era normal. Mas ele usava essa hierarquia de uma forma torta”.

Sobre as acusações de assédio sexual, Farias afirmou que nunca presenciou nenhum episódio, e, agora, ao ouvir os relatos, disse acreditar que o humorista escondia dele esse lado: “Quando eu escuto os relatos de 20 e tantas mulheres, eu não tenho dúvidas de que ele tenha um comportamento abusivo. Hoje, eu acredito que ele entendia que comigo ele não podia se expor dessa forma. Nós estamos falando de uma pessoa muito inteligente que é capaz de simular muito bem”.

O diretor só soube das histórias de assédio sexual quando já estava fora da direção do “Zorra” havia um ano.

“Quando as atrizes vieram falar comigo, foi um choque. Quando eu percebi que não era só a Dani Calabresa, entendi que era algo sistemático”, lembrou Farias, lamentando o fato de Melhem ter se colocado como um intermediário entre o elenco e a direção: “O Marcius conseguiu se colocar entre a gente e o elenco porque ele era um roteirista e ator. Ele estava nas duas frentes: na sala de roteiro e no set de gravação”.

O diretor contou que, somente após as denúncias contra Melhem virem à tona, entendeu a razão por trás da ação de Melhem para afastar uma atriz cujo nome Farias preferiu não revelar, mas disse ser uma das autoras das acusações contra o humorista.

“O Marcius dizia para a redação que uma atriz específica dava problema no set de gravação. Lá no Projac, ele dizia que a atriz havia pedido para se afastar do programa para fazer teatro. Esse controle dele custou muito caro a essa atriz porque ela foi sendo colocada em um lugar muito menor do que ela poderia ocupar dentro do programa”, avaliou, lembrando que na época ninguém entendeu a razão. “A gente só foi descobrir isso depois quando começaram a sair os relatos [de assédio]. Na época, a gente não pensou que seria algo articulado por ele. A gente acreditou na história. Hoje, quando você conversa com a atriz e ouve o que ela tem para dizer, você pensa: ‘Meu Deus! Como a gente não percebeu isso?’”.

Ao ser questionado se Marcius tinha ou não o poder de demitir ou atores, Farias explicou que a Globo dava poder aos dois de manter ou retirar atores dos programas comandados por eles. Em entrevista à coluna, Melhem havia dito não ter esse poder. “O Marcius está mentindo. O Marcius escolheu e fez pressão para pessoas saírem do programa. E o Marcius foi responsável por algumas listas de saída de atores”, rebateu.

Segundo Farias, hoje, ele entende que em alguns casos Melhem tinha outras intenções ao demitir.

“No primeiro ano do Zorra, o Marcius queria diminuir o grupo do Zorra. Eu dizia: ‘Marcius, esse é um programa de sucesso. Quando nós entramos, nós já diminuímos pela metade o tamanho da equipe. Não há a menor necessidade’. Existia um discurso dele que seria melhor para o grupo, porque as pessoas queriam mais espaço no programa e os atores estavam sem espaço. Eu não percebia que existia um segundo controle: ele colocava na lista também nome de pessoas que ele queria ter relacionamentos pessoais. Isso que é grave”.

O diretor criticou ainda a comparação que Melhem fez na entrevista à coluna entre o relacionamento que o roteirista manteve com uma das atrizes que o acusa de assédio sexual e a relação que outros profissionais da Globo tinham: “Eu conheci minha esposa [a atriz Andréa Beltrão] no trabalho, mas eu não assediei 20 e tantas atrizes. Eu me apaixonei por uma atriz e casei com ela. Nós somos casados há 25 anos. Então, é completamente diferente do caso dele. No caso dele tem um componente abusivo mesmo”.

O diretor também analisou na entrevista a relação de Melhem com o poder.

“O Marcius tem uma coisa com o poder muito forte, ele usava esse poder para crescer na empresa e de se aproximar das pessoas. Ele fazia um cerco ao redor de algumas pessoas com que ele queria se aproximar. A gente enxergava isso na época como uma disputa de poder. Com alguns diretores, ele questionava o trabalho de maneira grosseira e desrespeitosa. Os diretores ficavam chocados. Eu tinha que intervir para saber o que era questões de qualidade de trabalho e o que era disputa”.

O diretor também se incomodou ao saber que Melhem tratava a contratação de atores como uma decisão exclusiva dele. As mulheres que acusam Melhem de assédio sexual e testemunhas delas que deram entrevistas à coluna afirmam que essa era uma maneira com que Melhem fazia os profissionais se sentirem devedores dele.

“Marcius gostava de deixar claro para os atores que era ele que os chamava para trabalhar, mas na realidade nós dois escolhíamos os atores juntos. Quem chamava os atores era eu, ele e a Rede Globo. É muito impressionante que o Marcius tenha convencido tantas pessoas que ele convidava as pessoas sozinho”. As informações são da coluna de Guilherme Amado no Metrópoles.

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