Estimular coordenação motora, interação social e responsabilidade. Foi com esses objetivos que nasceu o Jiu Jitea, centro especializado em terapia com jiu-jitsu para crianças autistas. O espaço, aberto em janeiro, atende crianças entre três e 15 anos.
A fundação foi uma iniciativa da fisioterapeuta Alycia Reis, 23 anos, inspirada pelas próprias experiências. A história de Alycia com a realidade de pessoas neurodivergentes e com o esporte iniciou cedo: ela começou a praticar jiu-jitsu para conter as crises do irmão mais velho sem machucá-lo. Quando conquistou a faixa roxa, trabalhou por dois anos como instrutora de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O momento decisivo para a fundação do Jiu Jitea, entretanto, foi o diagnóstico de autismo do filho de Alycia, Arthur, de 3 anos. “Salvador carece de iniciativas multifacetadas para tratamento de crianças e adolescentes autistas. Como somos pais de uma criança [com TEA], isso nos deu um inconformismo sobre a realidade. Iniciativas que levam crianças autistas para mais perto dos esportes ajudam a aumentar a conscientização e a aceitação da comunidade em relação ao autismo e promover uma cultura de inclusão e respeito às diferenças”, pondera Alycia.
Atualmente, a Jiu Jitea tem dois instrutores para dez alunos, e trabalha apenas com aulas individuais. Para se inscrever no programa, as crianças passam por uma avaliação em duas partes. A primeira é um acompanhamento minucioso com os pais, e a segunda é uma avaliação psicomotora completa da criança. Na segunda etapa, são avaliados aspectos da como força, cognição, concentração e disciplina. Só então é construído, sob medida, o planejamento de aulas.
A instrutora utiliza um método próprio, que leva o nome do filho e tem o jiu-jitsu e a fisioterapia como pontos principais para a intervenção multidisciplinar. Para Alycia, o esporte tem um forte peso nesse processo, uma vez que muitas crianças autistas têm déficits psicomotores.
“As clínicas acabam focando muito nas funções psicológicas e colocando as motoras em segundo plano, não têm um acompanhamento fisioterapêutico amplo. A maioria das crianças autistas anda na ponta dos pés e isso causa consequências para o resto da vida se não for tratado, como redução de musculatura. O jiu-jitsu é uma forma de estimular esse tratamento”, explica.
Além do estímulo ao desenvolvimento motor, a prática da rotina esportiva é positiva para as crianças no sentido comportamental. “Normalmente, junto com o autismo também existem outras especificidades como o déficit de atenção e o Transtorno Opositor Desafiador [TOD]. A disciplina e o respeito do jiu-jitsu ajudam muito essas crianças na parte da concentração”, diz Alycia.
“Cerca de 99% das pessoas com autismo são pessoas que têm algum tipo de disfunção de integração sensorial. Isso quer dizer que essas pessoas podem ter dificuldade com a recepção, modulação e discriminação dos estímulos sensoriais recebidos pelo meio. O jiu-jitsu vai favorecer muito a percepção proprioceptiva do corpo, porque é um esporte que oferece o uso de força e compressão das articulações”, diz.
Reforçando a fala de Alycia Reis, a especialista ressalta também o aspecto social, uma vez que “é preciso outra pessoa para praticar”: “Então, também tem que aprender a lidar com os próprios limites e com os do outro”.
Esporte como forma de inclusão
Em Ribeira do Pombal, a 300 km de Salvador, a Academia Espaço da Criança promove a inclusão e o desenvolvimento de crianças atípicas por meio de atividades físicas, como judô, treinamento funcional, escalada esportiva e psicomotricidade. Idealizado pela profissional de educação física e judoca Fábia Karina, o projeto surgiu em janeiro de 2022, e hoje atende 25 crianças com autismo e outras especificidades.
“Durante a Pandemia, fiz diversos cursos voltados para crianças atípicas. Um desses cursos foi Judô e Autismo, ministrado por um professor do Rio de Janeiro que tem um Espaço onde ele atende exclusivamente crianças e adolescentes autistas. A forma com que o professor lidava com o público específico me encantou e abriu minha mente para empreender também para esse público. Busquei uma pós-graduação na área e hoje sou especialista em Autismo, o que fez com que melhorasse meus conhecimentos e ampliasse outras possibilidades”, conta a professora.
A iniciativa foi uma das pioneiras em inclusão pelo esporte na cidade de 54 mil habitantes. Para Fábia, é essencial que esses espaços existam. “É muito importante ter um local específico para que as crianças se sintam acolhidas, tendo em vista que há um aumento significativo de crianças e adolescentes com alguma condição neurológica. Elas precisam ser incluídas em diversos ambientes, mesmo em cidades do interior, porque toda a sociedade, independente do lugar, precisa se preparar para elas”.
Fonte: Jornal Correio