“Liderança”, “motivação”, “resultado”, “foco”, “disciplina” e “ambição”. Qualquer pessoa que já passou por uma mentoria ou curso de coaching certamente já escutou incansavelmente, pelo menos, uma dessas palavras como uma forma de se autodesenvolver e atingir seus objetivos na vida.
Desde que surgiu e se popularizou no Brasil, a atividade de coaching logo ganhou ares pejorativos no mercado de trabalho. Entre as principais críticas, está a falta de regulamentação da profissão, possibilitando, em tese, que qualquer pessoa sem uma formação acadêmica específica possa se colocar como um especialista da profissão.
Em entrevista ao Portal A TARDE, o coach e co-fundador da Fascino Brasil, Adson Almeida, comentou o preconceito de algumas pessoas, que, muitas vezes, segundo ele, acabam associando a prática a uma espécie de charlatanismo.
O profissional diz ainda que um coach com credibilidade tem cuidado em não citar motivações vazias que podem fazer com que as pessoas não alcancem seus objetivos “ou valide promessas intangíveis capazes de tornar a aceitação da sua técnica duvidosa em alguns aspectos”.
“Muitas críticas são construídas por pessoas que não tiveram a oportunidade de participar de eventos, congressos, palestras, mentorias ou qualquer produto criado por um coach e muitas críticas são construídas pelo que se tem acesso em redes socais e não sobre experiências vividas, sempre tem o que se absorver de positivo num evento de treinamento”, explicou Adson Almeida.
Sobre o ofício de coach, o profissional ainda explicou: “Um coach tem muitas funções dependendo da área em que atua. De forma geral, ajudam pessoas a identificarem e alcançarem seus objetivos pessoais e profissionais, fornecendo orientação, encorajamento, mudança de comportamento, suporte à inteligência emocional e mais responsabilidade”.
As características trazidas por Adson Almeida para o ofício do coach, muitas vezes, terminam se assemelhando bastante à psicologia, onde os profissionais atendem pacientes e tentam, através de técnicas e estudos, orientá-los de forma que seja possível solucionar problemas de ordem cognitiva.
Para a psicóloga Claudiane Machado, um problema crônico da profissão de coaching está na falta de regulamentação. Em alguns casos, as pessoas fazem cursos com poucos dias de duração e já são certificadas, por exemplo, para palestrar em workshops e dar mentorias.
“Enquanto psicóloga, eu não concordo com esse mercado do coach e da forma como ele está interagindo com o meio e com as pessoas, dentro desse universo que é vendido nas redes. É preciso que se tenha uma estrutura ao nível de entender qual o seu papel enquanto coach. Não dá para fazer um curso de poucas horas ou dias de imersão e se sentir apto para trabalhar com pessoas. Nossa preocupação dentro da psicologia é perceber que o objetivo do coach está se distinguindo”, disse Claudiane.
Psicologia x coach
O problema, em muitos casos, mora justamente na ideia de que alguns coach’s podem substituir a função do psicólogo. Nesses casos, ao invés de um acompanhamento mais duradouro e um tratamento norteado em estudos e evidências científicas, pessoas com traumas de infância, por exemplo, terminam recorrendo a mentorias e ‘soluções rápidas’.
Nestes casos, alguns prejuízos podem terminar ocasionando nestas pessoas que buscam ajudas em mentorias e workshops. Segundo a psicóloga, em alguns casos, o trabalho de coach se aproveita de contextos em que as pessoas estão vulneráveis mentalmente para oferecer respostas equivocadas.
“Na minha visão profissional, que tenho pacientes que falam o quanto esse trabalho trouxe prejuízos, eu vejo isso como algo errado. O trabalho do coach é justamente fazer com que a pessoa alcance algumas metas de forma objetiva. Ele é um consultor, alguém que está ali para dar suporte em áreas através de técnicas motivacionais. As técnicas que muitos coach utilizam acabam atraindo um público vulnerável quando falamos de saúde mental. A meu ver, o trabalho do coach está sem estrutura para seguir aquilo para que a função foi criada. Ele está entrando na área de saúde mental sem ser um profissional qualificado”, analisou.
Ao Portal A TARDE, um dos pacientes da psicóloga Claudiane Macedo, que preferiu não ser identificado, contou que chegou a buscar ajuda com um coach antes de ser atendido pela profissional de psicologia. Ele explicou quais foram as principais diferenças que pôde observar nos dois métodos de tratamentos.
“Durante as sessões com o coach, tive a esperança de obter orientação prática e estratégias tangíveis para lidar com meus desafios. No entanto, as abordagens e ferramentas utilizadas simplesmente não ressoaram comigo. Ao me encontrar com uma psicóloga, experimentei uma abordagem completamente diferente. As técnicas terapêuticas que ela me proporcionou foram reveladoras. Pela primeira vez, senti que estava realmente compreendendo minhas emoções e processando meus pensamentos de uma maneira saudável”, afirmou.
Sobre a falta de regulamentação no ofício de coaching, Adson acredita que não existe uma necessidade de normas para o exercício da profissão. Na verdade, ele explica que a possibilidade do ofício adentrar em diversas vertentes parte justamente da premissa de não haver determinações específicas predefinidas.
“Os coach’s são profissionais de contextos diversos, áreas extensas e técnicas amplas, creio que regulamentar conhecimento não seja o fator que determine a qualidade ou a garantia de segurança sobre sua aplicabilidade no mercado. Afinal, se trata de algo com características livres que fogem do perfil acadêmico e isso é o que tem dado mais amplitude no mercado brasileiro para a profissão. Acredito, sim, que a liberdade de atuação precisa trazer para as pessoas condições de se sentirem seguras com o profissional e não se sintam lesadas, enganadas ou violadas financeiramente por promessas não conclusivas, mas nesse caso a lei ampara o consumidor”, explicou.
Claudiane explica a diferença entre critérios para o exercício das profissões: “Na prática da psicologia, trabalhamos de forma regulamentada. Existem critérios em nossos conselhos, tanto o regional quanto o federal. Seguimos um código de ética profissional. Na área do coach, não existe essa regulamentação. Algo que está solto no mercado e temos que ter bastante cuidado entre as profissões”.
É descartável?
De modo geral, a atividade de coaching pode realmente funcionar para algumas pessoas, uma vez que cada caso costuma exigir uma conduta específica e de diferentes gravidades para cada paciente tratado. No entanto, na avaliação da psicóloga Claudiane, o ideal é que esse acompanhamento seja feito em paralelo com a terapia.
Assim sendo, a profissional acredita que a função pode ser útil para algumas pessoas e que, dessa forma, não pode ser considerada como algo descartável. No entanto, ela ratifica que o ideal é que essas duas funções atuem de maneira conjunta.
“Quando a gente pensa no enfoque da psicologia e do coach, ambos poderiam trabalhar lado a lado. Mesmo sendo distintas, a gente entende que um trabalho bem feito pode fazer uma sobreposição das funções. Precisa ser feita de uma forma que se adeque às necessidades, mas que haja uma conversa entre as atividades. Eu não descarto o trabalho, desde que se faça junto à psicologia”, disse Claudiane.
De acordo com Adson, inclusive, dentro do próprio meio, ainda existem alguns problemas quanto a profissionais incapacitados que exercem a função. Essas situações seriam responsáveis por banalizar e enfraquecer a função, dando conotações pejorativas às pessoas que atuam como coach.
“A profissão requer métodos que sejam aplicáveis, é para isso que as mentorias e suas técnicas obtém resultados, no entanto, ainda temos que lidar com pessoas não preparadas e não condicionadas a exercer a função de coach, tornado a profissão contestável para lidar com situações adversas, essa falta de domínio permite que alguns fatores sejam expostos como negativos e assim atingindo a os demais profissionais”, completa.
“Posso afirmar que um coach com credibilidade tem cuidado em não citar motivações vazias que levam as pessoas de nada a lugar nenhum tornando a aceitação da sua técnica duvidosa em alguns aspectos” Adson Almeida, coach.
Com a popularização da profissão, houve um crescimento ainda maior de pessoas ofertando o serviço. O problema é que, com esse aumento, muitas pessoas têm realmente feito um mau uso do ofício e, no meio de expressões de autoajuda — como “mudança de mindset”, “seja um campeão” e “mude sua vida agora mesmo” — nem sempre é fácil distinguir quais profissionais são confiáveis.
O que diz o Conselho de Psicologia?
Em nota, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) se posicionou sobre a utilização de práticas de coaching por parte de psicólogos. De acordo com o órgão, o exercício da profissão precisa ser norteado nos princípios presentes no Código de Ética, baseando o trabalho no “conhecimento técnico, científico e ético da profissão e zelará pela garantia dos serviços prestados, visando à proteção da população atendida”.
“Embora não exista regulamentação legal específica para a utilização do coaching, tal prática é caracterizada por ser um processo breve que se propõe a auxiliar o indivíduo a alcançar objetivos previamente definidos a partir de metodologias que envolvam a conscientização de elementos da vida, da história, interesses e potencialidades, e que transita em campos de atuação que permeiam o autoconhecimento e o desenvolvimento humano. Assim sendo, entende que o trabalho da(do) psicóloga(o) na utilização do coaching é de extrema importância para a realização de um trabalho que vise à proteção e garantia do cuidado com a sociedade”, diz a nota do conselho.
Por fim, o CFP afirma ainda que o psicólogo que fizer o uso das atividades de coaching assume a responsabilidade pela prática, assegurando a premissa de sigilo profissional. No entanto, o órgão determina que não seja realizada “previsão taxativa de resultados” durante os atendimentos e forneça, sempre que solicitado, os “documentos pertinentes ao bom termo do trabalho”.
Fonte: Portal A Tarde