A cidade mineira de Serra da Saudade, a menos populosa do Brasil com apenas 781 habitantes, quer desaparecer da mídia nesses dias de pandemia de coronavírus. O prefeito Alaor José Machado (PP) dispensa pedidos de entrevistas e, segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, a intenção é evitar os holofotes.
Não há nenhum caso da doença no local e muito menos suspeitas de infecção pela Covid-19 no momento. A prefeitura, no entanto, observou que houve um aumento na circulação de visitantes nas últimas semanas e faz campanhas para evitar turistas –embora Serra da Saudade não tenha nenhuma pousada ou hotel. “Como Serra da Saudade transmite uma calmaria e não teve infectados, muitos vieram para cá com medo do coronavírus, mas todos estamos expostos e não é para ficar viajando”, diz Amarildo Fernandes, secretário municipal de saúde. “A maioria reside em Divinópolis ou Belo Horizonte e tem casas ou familiares por aqui. A orientação é para o morador pedir que seus amigos e parentes não fiquem viajando.”
Serra da Saudade está a 239 quilômetros de Belo Horizonte, a capital do estado, e nem tão distante de municípios mais populosos como Divinópolis (a 157 km, 238 mil habitantes) e Araxá (a 179 km, 106 mil habitantes). Ao contrário do que ocorre na maioria das cidades do país, a população de Serra da Saudade tem encolhido, principalmente com o êxodo dos mais jovens, o que tirou de Borá, no interior paulista, o título de município menos habitado. O IBGE estima que a o município mineiro tem 781 moradores atualmente, enquanto a paulista Borá tem 837 habitantes. No último Censo, realizado em 2010, Serra reunia 815 moradores.
A fama de menos populosa preocupa a administração local, principalmente diante da sua falta de estrutura hospitalar na cidade. “Depois que Serra ultrapassou Borá, tivemos consequências negativas. A primeira foi uma reportagem mostrando que a população não fechava suas casas, o que pode atrair bandido”, diz um aliado do prefeito Machado, que não quis se identificar. Nas redes sociais, a página oficial da prefeitura compartilhou, entre outras peças sobre o coronavírus, uma imagem com fundo preto e os dizeres em branco: “#FicaemCasa, Serra da Saudade, nossa cidade não tem estrutura e nem aparelho respirador”.
Único equipamento para lidar com a saúde da população, o posto de saúde tem um clínico geral e um pediatra do Programa Saúde Familiar. “Se houver a necessidade de encaminhamento, o paciente deverá ser conduzido para hospitais em cidades vizinhas de Estrela do Indaiá e Dores do Indaiá, mas lá também não também não tem UTI”, afirma o secretário.
A Secretária Municipal de Saúde estadual informou que Serra da Saudade, Estrela do Indaiá e Dores do Indaiá têm acesso aos leitos de UTI em Divinópolis.
“Há que se considerar que uma unidade de terapia intensiva demanda recursos de ordem financeira, estruturação física e recursos humanos capacitados”, diz trecho da nota enviado pela assessoria de imprensa da pasta. Nesta quarta-feira (7), o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, afirmou que mais de 150 prefeitos, entre os 853 municípios no estado, liberaram a reabertura do comércio. Em março, o governador havia determinado o fechamento do comércio não essencial, escolas públicas e particulares.
Zema, agora, estuda diretrizes para os prefeitos mineiros que queiram flexibilizar as medidas de isolamento social. O estado registrou 11 óbitos e 559 infectados pela Covid-19 até o último dia 8. Segundo a assessoria da prefeitura de Serra da Saudade, não há nenhuma previsão de flexibilização, nem para o comércio, nem para os cem alunos da rede pública.
A cidade mineira tem apenas um colégio público, duas creches e nenhum centro universitário. Há também um cartório e uma agência dos Correios. O comércio se resume a duas mercearias, uma padaria, uma lotérica e sete bares. Não há farmácia ou posto de gasolina. Para garantir produtos como máscara e álcool em gel, os moradores organizam pedidos para os que viajam diariamente pela região.
Também não há agência bancária, somente correspondentes de alguns bancos. Entre os essenciais, estão funcionando a lotérica, as duas mercearias e a padaria.
A cidade que, diante da sua calmaria, já fechava as portas do comércio por duas horas durante o almoço, está deserta. No final do dia, a população já não se reúne mais em uma das suas três praças, ou no coreto da praça Ademar Ribeiro de Oliveira, onde há o login e senha do wifi, disponibilizado gratuitamente.
Randon Rodrigues, 41, diz que o a movimentação em sua lotérica se reduziu à metade, sobretudo com a queda na venda de jogos, mas não faz queixas do isolamento social. “Se contrair o coronavírus, em Serra da Saudade, a morte é certa. Nem nas cidades vizinhas tem respiradores”, diz Rodrigues. (folhape)