Com a alta dos casos de dengue, tem aumentado a preocupação com as gestantes, grupo com risco de morte quatro vezes maior, principalmente se a doença ocorrer no terceiro trimestre da gestação. Na dengue materna, também há três vezes mais chances de morte do feto ou do bebê.
O alerta é da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), publicado na última quinta (15), e traz recomendações para a assistência das gestantes com dengue.
Segundo o documento, devido as alterações fisiológicas causadas pela gravidez, muitos dos sinais e sintomas da dengue podem ser confundidos, retardando medidas de hidratação e causando quadros de maior gravidade.
Por isso, recomenda a Sogesp, é importante que se faça um diagnóstico diferencial com outras doenças, por exemplo, gripe (influenza), sarampo, rubéola, malária, hepatites virais, leptospirose, meningococcemia, sepsis e pré-eclâmpsia.
Confirmada a dengue, a gestante já pula uma casa na classificação de risco. O quadro clínico da dengue vai do leve ao mais grave e é classificado com as letras A, B, C e D. A grávida entra no grupo B, pelo fato de a gravidez em si ser um fator de risco.
O documento da Sogesp orienta que a gestante infectada fique em leito de observação, seja hidratada via oral e mantida sob controle rigoroso de sinais vitais até serem colhidos e checados os resultados dos exames.
“Elas devem ser internadas e manejadas com maior nível de atenção, independentemente de ter ou não um sinal de gravidade identificado”, diz o infectologista André Siqueira, pesquisador da Fiocruz e coordenador de uma recente revisão sobre dengue.
Segundo a médica Rossana Pulcineli, vice-chefe do departamento de obstetrícia e ginecologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), mesmo que a gestante tenha poucos sintomas, ela precisa ser monitorada de perto. “Esse é o maior erro que pode acontecer em um serviço de saúde: tratar a gestante com dengue como se ela não fosse gestante”, diz.
Pulcineli explica que durante a gestação há uma chance maior de hemorragia. A dengue, por modificar e reduzir o número de plaquetas, potencializa ainda mais esse risco. “Isso aumenta a dificuldade de a gente controlar essa hemorragia.”
A hipertensão, que leva à pré-eclâmpsia, outra importante causa de morte materna, também pode ser um fator de confusão na assistência às gestantes.
Segundo Pulcineli, assim como a dengue, uma das formas de pré-eclâmpsia, a síndrome Hellp, também causa redução das plaquetas, e essas condições podem ser confundidas.
“A pessoa vê que as plaquetas estão baixas e acha que é hipertensão. O tratamento para a síndrome Hellp é antecipar o parto. Mas se fizer o parto e a mulher estiver com dengue hemorrágica, há risco de óbito.”
De acordo com a Sogesp, um quarto das gestantes com dengue apresenta pelo menos um sinal de alerta (grupo C) que vai demandar internação por pelo menos 48 horas e hidratação endovenosa e reavaliação clínica e laboratorial a cada duas horas.
Entre os sinais estão dor abdominal intensa e contínua, vômitos constantes, hipotensão postural, sangramento de mucosas, queda abrupta de plaquetas e desconforto respiratório.
Gestantes enquadradas no grupo D, o mais grave, já com choque circulatório, demandam leito de UTI. Um estudo da Fiocruz de 2018 mostra que quando a gestante apresenta quadro de dengue hemorrágica, há um aumento de 450 vezes de morte materna.
“Apesar de a dengue estar entre nós há tantos anos, todas as vezes em que há uma nova onda é importante repetir o treinamento das equipes de saúde para que possam reconhecer rapidamente os sinais de gravidade. Ao mesmo tempo, é preciso acesso rápido a estruturas adequadas para receber essas gestantes”, diz Pulcinelli.
Outros pesquisam mostram que se a mulher estiver infectada com o vírus da dengue perto do período do nascimento do bebê, a criança poderá nascer infectada ou adquirir a doença no momento do parto.
Também pode ocorrer ameaça de abortamento nos três primeiros meses de gestação e risco de o bebê nascer prematuro. “Quanto mais grave a doença, maior o risco de óbito fetal e parto prematuro”, diz a médica.
Mesmo quando leve, a infecção por dengue pode provocar baixo peso ao nascer e aumento do risco de hospitalização de crianças até três anos após o nascimento.
A doença não está associada a malformações fetais, como no caso do vírus zika. “Se a gestante pegar a dengue muito próximo ao parto, menos de dez dias, aumenta o risco de a criança ser exposta à dengue, pelo fato de mãe não ter tido tempo para produzir anticorpos, e ter um quadro grave.”
Para a pesquisadora da Fiocruz Enny Paixão, professora assistente da London School of Hygiene & Tropical Medicine, infecções durante a gestação ainda é um assunto negligenciado e as gestantes e seus fetos estão sendo afetadas por isso.
“Nosso grupo tem uma tradição de estudos não apenas dos efeitos da dengue mas também de zika e sífilis. E temos observado efeitos adversos de crianças expostas ainda no útero a essas infecções”, diz.