Como a quarentena pode agravar os transtornos alimentares

Os transtornos alimentares (TA) podem se tornar mais ativos quando paciente também se vê numa situação de incerteza ou solidão, como acontece durante a quarentena (Divulgação )

Cada vez mais frequentes, os transtornos alimentares até ganharam um dia mundial de conscientização: foi no último dia 2, data oficializada pela  Academy for Eating Disorders – ou Academia de Desordens Alimentares – para chamar atenção do problema, que só cresce no isolamento social.

Para a psicóloga e professora Carina Magalhães, 35, que tem mestrado na Ufba na área de Alimentos, Nutrição e Saúde, o impacto na quarentena acontece, principalmente, pela ansiedade. Seja pela sensação de solidão, medo da contaminação ou de uma certa indefinição do que vai acontecer no dia seguinte.

“Todos esses aspectos podem se tornar potenciais gatilhos que levam à compulsão ou restrição alimentar. Por exemplo, a dificuldade de lidar com incertezas da pandemia eleva o nível de ansiedade na pessoa, que encontra na comida uma forma de aliviar ou reduzir a tensão do momento”, explica.

“Outro exemplo ocorre quando a pessoa interpreta que vai engordar nesse momento de confinamento ao ver um post na mídia social sobre o peso “antes e depois” da quarentena, aumentando assim sua ansiedade e sofrimento”, afirma Carina.

Mas quando se fala sobre os Transtornos Alimentares (TA) , é preciso explicar que ele pode ser muito diversificado. Segundo Mônica Portela, 53, nutricionista com doutorado em Medicina e Saúde, e professora do Ambulatório de Transtornos Alimentares do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, o TA é doença psiquiátrica.

 “São pessoas que têm uma relação disfuncional, grave e persistente, com a comida ou no comportamento relacionado à alimentação”, define. Os três tipos mais comuns  da disfunção, cita, são a Anorexia Nervosa, a Bulimia Nervosa e o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA).

“A compulsão alimentar [veja que aqui não estamos falando do Transtorno] é um sintoma que costuma surgir no decorrer da adoção de uma dieta restritiva para perda de peso, e a sua presença é um dos critérios estabelecidos para o diagnóstico do Transtorno de Compulsão Alimentar,  da Bulimia Nervosa e um dos subtipos da Anorexia Nervosa”, explica Mônica.

Mônica alerta que, apesar da indicação que a população obesa sofra mais com a condição, os estudos mostram que outras variáveis são causadoras da disfunção, como a insatisfação com a própria imagem corporal. “Os TA são democráticos, e, todos, sem exceção, podem estar propensos a eles”, concluiu a professora.

Apesar da variedade de transtornos, as características mais comuns se relacionam com os três principais citados pela especialista. Na Anorexia, há uma grande preocupação com a perda de peso, o que desencadeia uma restrição alimentar em quantidade e qualidade.

Na bulimia, a perda de peso não é definida como característica principal, mas sim um comportamento purgativo (que pode estar presente também na Anorexia), relacionado à necessidade compensar, seja com exercícios físicos ou até o ato de vomitar o alimento que ingeriu.

“Dos estudos que existem sobre a ingestão alimentar e risco de TA, eles encontraram que pessoas com comportamento de compulsão alimentar adotaram mais o padrão alimentar ocidental (fast food, industrializados) ou ingeriram mais alimentos com maior quantidade de calorias e de gordura”, informou Mônica

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, no Brasil, 4,7% da população sofre do TCA. Esse número é quase duas vezes maior que a média mundial, que gira em torno de 2,6% da população. Aqui, a incidência é maior em jovens de 14 a 18 anos. E é justamente esse o público que comparecia no consultório de Carina, antes da pandemia. “Meu público, em geral, são adolescentes, jovens e adultos. A busca pela psicoterapia pode acontecer espontaneamente por parte dos pacientes, mas também pacientes encaminhados por outros profissionais, como nutricionistas, médicos e psiquiatras”, contou.

Com os tratamentos parcial ou totalmente interrompidos pela quarentena, é importante prestar atenção em si mesmo, ou em  familiares ou amigos que sofram com o problema. “Se o nosso corpo não está bem, podemos fazer uma interpretação errada e isso aumenta nosso sofrimento. Investir na nossa saúde mental apresenta sim bons resultados nessa relação mente e corpo”, diz Carina.

É possível notar alguns comportamentos relacionados à TA, como se pesar constantemente, se preocupar com as medidas do corpo de forma exagerada, presença de vômitos autoinduzidos ou até evitar refeições na frente de amigos e familiares.

“Essas pessoas têm um sofrimento intenso e muitas delas têm outras comorbidades associadas aos TA, como depressão, ansiedade, transtorno de personalidade que amplia expressivamente a gravidade dos TA”,  diz a nutricionista 
 

O tratamento é feito através de acompanhamento múltiplo, que transita tanto na área alimentar, com nutricionistas, quanto às recomendações de psicólogos. “Não existe maneira mais fácil, porém quanto mais jovem e mais cedo uma a pessoa busca o tratamento, mais rápida será a remissão da doença. É importante intervir no início dos sintomas”, recomenda Mônica.

“Acredito também ser relevante a discussão sobre transtornos alimentares em diversos espaços da nossa sociedade, como escolas e locais de saúde, pois compreender a relação entre comportamento alimentar, imagem corporal e fatores psicológicos, diminuem as chances de um adolescente ou jovem desenvolver um transtorno alimentar”, finaliza Carina.

“Por isso é relevante promover programas de prevenção em saúde mental, investindo no autoconhecimento, na autoestima, no desenvolvimento de habilidades socioemocionais e de estratégias de enfrentamento”, avalia Carina.
 

Principais tipos  de Transtornos
Anorexia Nervosa:
 há uma grande preocupação com a perda de peso, o que desencadeia uma restrição alimentar em quantidade e qualidade
Bulimia Nervosa: comportamento purgativo, relacionado à necessidade compensar, seja com exercícios ou até o ato de vomitar, o alimento ingerido
Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA): a falta de controle sobre a quantidade e a qualidade na ingestão de alimentos atinge pessoas com peso adequado ou não. (Correios)

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