Como se fosse uma orquestra: entenda como o corpo age após receber uma vacina

(Infografia: Axel Hegouet/Correio)

Imagine uma orquestra, trabalhando harmoniosamente para executar bom samba com os melhores de seus músicos. Esta poderia ser uma reportagem sobre como nasce um concerto, mas não se trata de maestros, instrumentos, músicos ou compositores, e sim de vacina, células e tecidos humanos. “É como se fosse uma orquestra”, resume o imunologista André Báfica, coordenador do Laboratório de Imunobiologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Báfica recorre a palavras como orquestra e samba para explicar como o corpo reage ao receber uma vacina.

Ao longo desta semana, mais de 56 mil pessoas foram vacinadas contra a covid-19 na Bahia – 49,7 mil delas são profissionais de saúde, como a fisioterapeuta Layla Cupertino, 29 anos, que trabalha diretamente com pacientes com covid-19 no Hospital Emec, em Feira de Santana, e recebeu a primeira dose nesta quinta (21). “Fiquei emocionadíssima. Uma sensação de leveza, esperança, de tempos melhores, de luz no fim do túnel”, disse.

Layla deu o primeiro passo ao tomar a vacina. Agora, cabe ao sistema imunológico agir, e ele funciona em perfeita harmonia, mas leva um tempo. Todo esse processo conta com o trabalho fundamental de algumas células e tecidos. Você já ouviu falar de todas elas em aulas de biologia: as células dendríticas, especializadas em identificar um agente estranho; os linfonodos, aquelas glândulas que aumentam de tamanho quando se tem uma infecção de garganta, por exemplo; os linfócitos T e B, que fazem a defesa; e os anticorpos, o resultado desse processo inteiro.

“O nosso sistema imunológico funciona compreendendo o que é do nosso corpo e o que é estranho a ele. No momento em que recebemos a vacina, o sistema analisa a química dela, percebe que tem algo estranho e começa a agir. As células especializadas recebem sinais, como se fossem uma orquestra, e orquestram uma ação”, explica Báfica.

Aquela dor provocada pela inflamação da vacina é um sinal. “As células especializadas pegam o antígeno e levam até os linfonodos, que têm uma estrutura muito propícia a iniciar a resposta do corpo, e é onde o samba acontece”, completa o professor.

Entre a chegada da vacina, o envio da mensagem e o início da resposta, vai um período de até 21 dias, sem contar a segunda dose. É por isso que, memes à parte, uma pessoa vacinada já deu um grande passo, mas ainda não é, necessariamente, uma pessoa blindada contra a covid-19.

Também imunologista, a professora Fernanda Grassi, da Fiocruz/Rede CoVida, explica que é preciso aguardar que a vacina surta efeito.

“Normalmente, a produção de anticorpos demanda um tempo. É bem variável, mas em torno de sete a dez dias para uma resposta imune adquirida e para que você tenha uma produção e expansão das células que produzem esses anticorpos”, explica Grassi.

Uma vez produzidos, os anticorpos atuam como se fechassem uma porta. “O anticorpo neutralizante impede a ligação do receptor do vírus ao receptor da célula. É como se fosse uma chave e uma fechadura – o anticorpo bloqueia essa fechadura”, mostra.

Lembra da segunda dose? Nem todas as vacinas precisam dela, mas a covid-19 é uma doença em pleno curso e, estrategicamente, a maioria dos laboratórios fez testes considerando já a possibilidade de uma segunda dose. Do contrário, se a primeira não fosse suficiente, seria necessário iniciar testes de novo, do zero, explica André Báfica.

“Quase todas essas vacinas têm duas doses. Os estudos estão mostrando que com uma dose você já induz uma imunidade pequena. A segunda dose é um reforço que amplifica muito esse curso. Até o momento, a segunda dose é necessária e é preciso aguardar um intervalo de 14 a 28 dias para tomá-la. Se a pessoa atrasar um pouco porque teve alguma contraindicação no dia da segunda dose, não tem grandes problemas, mas ela precisa tomar”, alerta Fernanda Grassi.

Não vai dar para saber se a vacina ‘pegou’ ou não. Especialistas alertam que a vacinação é uma ação coletiva – as pessoas precisam se vacinar para se proteger e proteger as demais. Mais um motivo para seguir com as medidas de proteção, como uso de máscara e distanciamento. Esta semana, mais um estudo publicado por pesquisadores norte-americanos na revista The Lancet mostrou que elas ajudam a controlar a transmissão da covid-19. 

(Infografia: Axel Hegouet/Correio)

O professor André Báfica, que também tem um canal no Tik Tok com vídeos de educação científica, nos ajudou a explicar o que acontece no corpo humano quando tomamos uma vacina. Confira:

1. A primeira dose da vacina é administrada por via intramuscular.
O sistema imunológico tem uma série de células especializadas. Quando uma vacina é administrada no corpo de uma pessoa, por via intramuscular, há uma inflamação e as células são ‘enviadas’ até o local e começam a analisar quimicamente a substância que foi injetada ali: elas entendem o que são carboidratos, proteínas e outras pequenas moléculas que estão ali, incluindo o antígeno que a vacina leva – no caso da CoronaVac, o coronavírus inativado.

2. Quando percebem a presença da vacina, as células especializadas ‘orquestram uma ação’
As células que identificam a inflamação fazem parte do sistema imunológico e são chamadas de células dendríticas, ou DC. São elas que começam a agir para produzir uma resposta imune, levando o antígeno presente na vacina até outra parte do nosso corpo, os linfonodos. Eles são gânglios cobertos por tecidos linfáticos aderentes, estão presentes em todo o nosso corpo – mas geralmente notamos no pescoço, nas axilas e na virilha. Nestes locais, se encontram linfócitos – outras células do sistema imunológico.

3. Tempo de resposta pode levar dias
Uma das razões para que a resposta imune (adaptativa) da vacina não seja imediata é o fato de que o sistema imunológico leva um tempo até orquestrar uma ação e fazê-la, de fato, acontecer. O transporte do antígeno até os linfonodos, onde a resposta vai acontecer, leva alguns dias – no primeiro contato do corpo com a vacina, a resposta completa pode levar 21 dias.

4. Linfócitos são acionados
Todas as informações da vacina, incluindo, no caso do coronavírus, uma proteína chamada Spike, chegam até os linfonodos e, lá, elas encontram os linfócitos. Há vários, mas aqui nos interessam particularmente os linfócitos T e B. Os primeiros são produzidos no timo, uma glândula localizada entre os pulmões e o coração, onde os linfócitos T são ‘capacitados’ para comandar a defesa do nosso corpo a um agente invasor. Além dos linfócitos T, há ainda os linfócitos B, produzidos na medula óssea.

5. Linfócitos começam a produzir anticorpos
Quando a vacina chega aos linfonodos, eles ativam os linfócitos T e B. Os linfócitos B são responsáveis pela produção de anticorpos neutralizantes. Os anticorpos, especificamente, têm uma grande capacidade de aderência à proteína Spike, presente no coronavírus e responsável por fazer com que ele entre nas nossas células. Com a grande capacidade de adesão, os anticorpos ‘colam’ nessa proteína e formam uma barreira, impedindo que ela infecte o corpo humano.

6. O corpo começa a responder
Entre a chegada da vacina, a reação das células dendríticas e a atuação dos linfócitos T e B, o corpo começa a gerar uma imunidade adaptativa, que envolve a formação dos anticorpos neutralizantes. Esse processo leva em torno de três semanas após a primeira dose. Não significa que a vacina vai funcionar bem e para garantir que a resposta imune seja suficiente e duradoura, algumas vacinas necessitam de uma segunda dose (ou até de uma 3ª dose).

7. A segunda dose
Imunologistas perceberam, ao longo de décadas de pesquisa, que se uma segunda dose da vacina for aplicada três ou quatro semanas depois da primeira, a resposta imune é acelerada e permanece por mais tempo no corpo. Isso gera uma inflamação aumentada no local, o que também faz aumentar a resposta imune. Isso explica o fato de se usar duas doses da vacina para que se tenha uma resposta imune protetora. Assim, após o desenvolvimento da memória imunológica durante a vacinação – pode demorar 30 a 60 dias – da próxima vez que o corpo tiver contato com aquele invasor, a resposta vai ser mais rápida, de cerca de 3 a 7 dias. Isso evita em muitos casos o desenvolvimento da doença e circulação do coronavírus. Estudos específicos ainda estão sendo realizados para compreendermos melhor a resposta imune às vacinas contra covid-19.

ENTENDA O QUE SIGNIFICA A EFICÁCIA DA VACINA E PORQUE ELA ORIENTA O PLANO DE VACINAÇÃO

Ainda tem dúvidas sobre a vacinação?

O que é uma vacina?
É um antígeno, uma preparação capaz de induzir resposta imune naquele indivíduo que a recebe, para que, quando ele for exposto a um agente invasor, já tenha anticorpos protetores.

Como funciona o sistema imunológico?
Ele funciona compreendendo o que é o nosso corpo e o que é estranho a ele. Há uma rede de células, órgãos e tecidos que atuam na defesa do organismo.

Quanto tempo leva até que uma vacina gere imunidade?
Após o primeiro contato da vacina com o corpo, a resposta imune pode levar até 21 dias. Mas algumas vacinas precisam de uma segunda ou terceira dose.

Por que precisamos de uma segunda dose?
Nem todas as vacinas precisam de uma segunda dose, mas imunologistas perceberam que a resposta imune era mais rápida e mais duradoura após a aplicação de uma segunda dose entre três e quatro semanas após a primeira. Algumas vacinas não precisam dessa segunda dose, mas é mais barato e mais rápido fazer o estudo levando em conta duas doses porque, caso a primeira não seja suficiente, não será necessário iniciar os estudos do zero para uma segunda dose.

Já se sabe quanto tempo vai durar a imunidade fornecida pela vacina?
Ainda não. Isso depende da vacina e também pode ter relação com mutações do vírus, que podem ‘escapar’ dos anticorpos. Mas, como a covid-19 é uma doença nova, os pesquisadores desenvolveram várias vacinas, com estratégias diferentes. À medida em que elas forem sendo aplicadas é que vai se observar quanto tempo dura a resposta.

É preciso que tenhamos que tomá-la anualmente?
Sim, existe a possibilidade de que a vacina contra a covid-19 seja sazonal, assim como a da gripe. Isto está relacionado com uma coisa chamada memória imunológica, que indica quanto tempo os anticorpos gerados pelos linfócitos nos dão proteção.  

Quais os efeitos adversos da vacina?
As queixas mais frequentes dos voluntários que testaram a CoronaVac foram dor no local da aplicação, dor de cabeça, fadiga e dor muscular. Reações como febre, vômito e reação alérgica foram muito raras. Não houve reações graves nem reação anafilática.

Quem pode e quem não pode tomar a vacina?
Pessoas que tiveram covid-19, que vivem com HIV, que têm doenças pulmonares ou doenças como cirrose, diabetes, pressão alta, cardiopatia, epilepsia, transplantadas, que tomaram vacinas para outras doenças, que tomam imunossupressores ou imunobiológicos, que têm doenças autoimunes, que têm alergia a ovo e que tenham tatuagem podem tomar a vacina. Menores de 18 anos, grávidas, pessoas com febre ou que tiveram febre nas últimas 24 horas, que participaram de estudos de vacina para a covid não devem tomar a vacina.

Clarissa Pacheco – Correio / 24h

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