Compreensão sobre felicidade e prioridades fez artistas assumirem cabelos brancos

Foto: Montagem / Bahia Notícias

Para além de toda a tragédia causada pela Covid-19 – só aqui no Brasil já são mais de 170 mil vítimas -, a pandemia tem servido para implantar pequenas mudanças que podem ajudar a combater a tão falada “pressão estética”, que vem acompanhada da padronização da beleza, potencializada nos últimos anos pelas redes sociais. Por muito tempo, bastava abrir o Instagram para se deparar com as simetrias “perfeitas” das artistas, blogueiras, influencers em cenários deslumbrantes, o que fazia algumas pessoas acreditarem que, como “simples mortais”, estavam erradas. O resultado desta narrativa pode ser mensurado com dados apresentados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Só em 2018, por exemplo, mais de 800 mil mulheres no no país fizeram alguma intervenção em seu corpo.

Porém, como dito no início do texto, o cenário – pelo menos nas redes – sofreu um baque no momento em que todos precisaram ficar trancados em suas casas para evitar a propagação do vírus. As festas, viagens e fotos perfeitas deram lugar para pessoas mais “próximas do normal”, com rugas, peles sem maquiagem e cabelos grisalhos assumidos, como foi o caso de personalidades como Glória Pires, Tatá Werneck, Alcione e Fafá de Belém. “É a semente de um processo de aceitação de si. O padrão de beleza condiciona muitas pessoas a um modelo único de beleza e isso gera adoecimento, pois grande parte da população não se adequa a esse modelo”, iniciou a psicóloga Laura Augusta ao Bahia Notícias.

Montagem: Bahia Notícias

“Em alguma medida, essas artistas – especialmente mulheres – estão ajudando outras pessoas a aceitarem o processo de envelhecimento. Há muito o que caminhar, esse mundo midiático é atravessado por fatores estéticos que vão além do envelhecer. Sabemos de diversos artistas que fizeram procedimentos cirúrgicos, entendidos como corretivos, apenas no sentido de se alinhar a um padrão de beleza, para ser aceito como belo pelo mundo – já que a representação de beleza é uma construção social. Porém, é um passo importante sair desse lugar de única referência de beleza”, continuou.

Uma das primeiras celebridades brasileiras a ter o novo coronavírus (relembre aqui), a cantora Preta Gil se viu duplamente isolada logo no início da quarentena. Aos mesmo tempo que buscava lidar com sintomas e consequências de uma doença até então cercada de mistérios, ela parou para refletir sobre a condução da sua vida. “Em meio ao medo, saudade da minha família, cumprindo um isolamento fora da minha casa, eu percebi o verdadeiro valor das coisas. Não havia meios de pintar o cabelo, essa sem dúvidas não era uma prioridade. Assumi minhas verdades, ouvi meu coração e os cabelos brancos simplesmente não me incomodavam. Só queria ter saúde e estar perto de quem amava. Passei a dar importância para o que é essencial e verdadeiro e os cabelos brancos eram parte de mim, passei a ver beleza em assumi-los”, confessou.

A nova postura com seus brancos representou, de certa forma, mais “verdade”. “A liberdade de não precisar ter que parecer ‘perfeita’ para agradar ninguém. Assim como minhas celulites, assumir meus fios brancos foi libertador. Estar viva e com saúde é o que realmente me importa”, reforçou. Para a cantora, a “juventude eterna” na vida real não existe. “É ilusão. Sempre revelei a idade que tenho e de ser como sou. É claro que para estar nos palcos, quem vive da própria imagem acaba usando de produtos e tratamentos para se manter bem, mas isso não pode virar algo mais importante que a própria felicidade. Tudo deve ser feito sem exageros”, ponderou.

A postura segue a linha defendida pela dermatologista Marília Acioli. “Acho extremamente positivo quando a gente tem esse tipo de quebra de paradigmas. Temos que ensinar que a busca da melhora estética está intimamente relacionada a um resgate da autoestima. Então, na hora que a pessoa busca a melhora, mas nunca fica satisfeita e não se vê bonita no espelho, tem alguma coisa errada”, alertou. Para a médica, a pandemia reforçou vários aspectos da saúde mental, da autoaceitação, das relações sociais que poderiam não estar indo bem. “Na hora que os artistas começam a entrar nesse processo isso serve como modelo para a pessoa ‘comum’ se inspirar a ver que também é bonita, legal e socialmente aceitável. Acho muito interessante porque tem muitas pessoas (homens e mulheres) que se submetem à tinta por imposição social, desconsiderando as reações…”, lembrou.

Apesar das ponderações, em tempos de haters, qualquer mudança também pode e gera ataques. A filha de Gilberto Gil foi “cobrada” a retocar a raiz e sua reação foi “ceder”, mas de sua forma. “Pintei de rosa porque quis e adorei o resultado, mas poderia pintar de qualquer outra cor e inclusive branco. Acho que devemos nos importar com valores e coisas mais importantes que uma aparência ou opinião alheia. Não adianta estar bela por fora e destruída por dentro. Tudo é equilíbrio e a cor dos fios não é mais importante que nossa felicidade. A plenitude não está em nada externo, nada”, enfatizou.

Laura reforçou ainda que tentar atender a “pressão estética” gera diversos sofrimentos, especialmente por fazer as pessoas acreditarem “que a morte nunca chegará ou que morrerão belas”. “Dentro desse ideal de beleza, que é colonial, gordofóbico, machista, racista, e que, muitas vezes, não permite que ela seja ela mesma, pode gerar diversos danos de não querer por exemplo viver a velhice, a maturidade. Traz limites na construção do que é cada um, sua subjetividade. Quanto mais se combater esse pensamento, mais criamos possibilidades de ser e estar no mundo. Acredito que precisamos nos afastar desse ideal para que possamos viver bem”, opinou a psicóloga.

TUDO BRANCO NA TV

Para além das redes sociais, se a intenção é levar o debate dessa “desconstrução” para diversos espaços, seria fundamental então aparecer na televisão. Afinal, de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016, a plataforma é o meio de comunicação preferido de 63% dos brasileiros para adquirir informação. E assim tem sido feito com a simples presença da jornalista Astrid Fontenelle. Semanalmente no comando do programa “Saia Justa”, do GNT, a comunicadora vem surgindo com as fios cada dia mais brancos. “Faz um tempo que tinha esse desejo. Há uns quatro anos fiz uma pasta no Pinterest chamada ‘vou ser quando envelhecer’. Daí quando chegou a pandemia entendi que não seria prioridade retocar os grisalhos, fui deixando crescer e gostando do que estava vendo no espelho, que é o principal”, destacou ao BN.

Para ela aparecer assim para uma audiência vista como “intelectualizada” e “que prioriza questões estéticas”, como é o caso do canal a cabo da Globo, representa maturidade, libertação de imposições e quebras de preconceitos. Ou simplesmente: “tudo junto e misturado”. “A juventude eterna, no sentido do aspecto físico, não existe. Não adianta correr atrás dela. A medicina pode ajudar, mas uma hora a conta chegará. Juventude, para mim, também tem que estar ligada à vontade de conhecer coisas novas, de manter a curiosidade, à disposição. Cabelo branco, rugas, dois quilos a mais… Nada disso abalou o prazer de ser quem eu sou diante do espelho”, confessou.

Aciola lembrou ainda que como na pandemia muitos se viram obrigados a diminuir as idas a salão de beleza, passaram a valorizar o que realmente é importante enquanto indivíduos. “Tem pessoas que não consideram pintar o cabelo uma dessas coisas, que pintam mais por uma imposição social. É interessante que a gente questione isso para não acabarmos nos cobrando um modelo de beleza excessivamente perfeito. A pandemia ajudou as pessoas a aceitarem os cabelos como realmente são… é interessante que cada um resgate a sua própria autoestima. Com certeza tem servido como uma reeducação em relação a autoimagem”, opinou a dermatologista.

Apesar de se enxergar como uma pessoa que não se vê presa a essa “pressão pela beleza” desde que foi diagnóstica com Lúpus há nove anos, já que foi informada que não poderia fazer procedimentos invasivos, Astrid confessou ter recebido alguns comentários positivos e negativos sobre seus cabelos. “Recebi elogios no trabalho, apoio nas redes e até uma campanha publicitária eu fiz. Porém uma ou outra incomodada com seus próprios cabelos brancos vem dar pitaco. Mas eu não pedi a opinião de ninguém. Fico impressionada como ainda existem mulheres que não conseguem chegar junto e exercer a tal sororidade. Se eu estou feliz, que assim seja. Se eu não estivesse já teria colorido os brancos”, finalizou.

por Júnior Moreira Bordalo – BN

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