A guerra na Ucrânia, que completou um ano na última sexta-feira, 24, é o maior problema militar e diplomático desde o fim da Segunda Guerra Mundial, segundo o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa, que também alerta que o problema pode sair do controle a qualquer momento. “Está tendo uma escalada neste ultimo mês com entrega de tanques, mísseis e agora estão falando de caças F-16, além da retórica entre o Putin e Biden”, diz Barbosa, se referindo as últimas jogadas dos líderes: a ida do norte-americano para Ucrânia dias antes do conflito completar seu primeiro ano e o aumento da ajuda militar para o país, e a suspensão russa do cumprimento do START III, ou Novo START, o último tratado de desarmamento nuclear ainda em vigor entre a Rússia e os Estados Unidos. Para ele, a visita surpresa de Biden não passou de um gesto simbólico para mostrar o “controle que os EUA estão tendo da situação, além da força e o apoio que estão dando para Ucrânia”. Apesar de considerar essa decisão como um risco, visto que os norte-americanos não estão diretamente envolvidos no conflito, ele chama atenção para outro ponto: o não desejo dos EUA de que uma paz seja estabelecida. “Para eles, isso não é interessante porque, no fundo, estão em uma guerra de atrito com a Rússia e querem derrotá-la” e “enquanto eles não conseguirem isso, a guerra vai continuar”, diz. Porém, os russos, como uma potência nuclear, não vão admitir serem derrotados, o que faz com que exista esse impasse que foi observado nos últimos meses.
“É uma situação terrível, negativa e a busca por uma solução negociada seria uma coisa melhor, mas a radicalização é muito grande e cada um tem a sua agenda. Os EUA têm sua agenda de combate, a Rússia tem uma agenda de sobrevivência existencial para impedir que a Ucrânia entre na Otan. A Ucrânia quer manter a integridade territorial, cada um tem uma agenda, é muito complicado isso”, fala Rubens sobre a complexidade de achar uma resolução rápida para o conflito que ataca o Leste Europeu, mas que também surte efeito em outras partes do mundo, visto que a guerra está causando estrago generalizado, mesmo em países como o Brasil que se beneficiou pelo aumento do preço das commodities, mas que, em compensação, perdeu pelo aumento maior ainda dos preços dos fertilizantes. Apesar de o conflito ter beneficiado alguns países, como a Turquia, que ganhou mais presença diplomática, em decorrências dos problemas que foram originados nestes 12 meses, Barbosa pontua que “nenhum país hoje tem força para tentar influir nos rumos dos acontecimentos. Nem a França, nem Turquia e nem Brasil, porque as posições estão muito radicalizadas”. Outro ponto de atenção que Barbosa fala é que, até o momento, os EUA estão apoiando a Ucrânia, porém, as eleições presidenciais norte-americanas estão se aproximando – vão acontecer em 2024 – e isso pode fazer com que a postura mude. “Se o Trump for presidente, se for candidato e ganhar, a gente pode ter uma mudança na posição americana em relação à guerra”, diz, relembrando que o posicionamento de Biden está sendo contestado.
Questionado sobre o posicionamento do governo brasileiro neste último ano, afirma que foi correta – país assumiu uma postura de neutralidade, apesar de condenar a invasão e anexação de territórios – “Temos uma posição de equidistância, acho que essa posição é correta”, diz. Contudo, não aposta na sugestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para criar um grupo da paz, o ex-embaixador diz se tratar de um “gesto do petista de querer ter uma influência e participação, além de ser uma forma de se inserir no contexto internacional”, porém, não acredita que esse grupo realmente vá ser criado e que possa existir alguma consequência disso, porque “os EUA não querem, a Rússia e Ucrânia não vão querer e a China vai apresentar uma proposta de paz independente desse grupo” . Na quinta-feira, 23, a China, que tenta se posicionar como parte neutra no conflito, ao mesmo tempo que mantém laços estreitos com a Rússia, apresentou uma proposta de 12 pontos para uma “solução política” para o conflito, na qual faz um apelo por diálogo, alerta que armas nucleares não devem ser usadas e pede que os civis não sejam atacados. O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, expressou ceticismo com o plano. “A China não tem muita credibilidade porque não foi capaz de condenar a invasão ilegal da Ucrânia. E, além disso, assinou alguns dias antes da invasão um acordo (…) de associação ilimitada com a Rússia”, disse. “Não é um plano de paz, é um documento de posicionamento, no qual a China reuniu todas as suas posições expressas desde o início” da invasão russa, disse o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
Para Barbosa, essa é “uma guerra que vai se prolongar, pois não vemos possibilidade de suspensão das hostilidades e tratado de paz, porque as posições são completamente antagônicas” e “é difícil parar para negociar quando as posições são completamente radicais”, afirma o ex-embaixador do Brasil em Washington. Apesar do impasse que estava marcando o conflito, há expectativa que a Rússia lance uma nova ofensiva durante a primavera, enquanto os ucranianos já se comprometeram em fazer o possível para vencer a guerra ainda em 2023. “Atacaremos com mais força e a partir de distâncias maiores, no ar, em terra, no mar e no ciberespaço. Nossa contraofensiva vai acontecer. Estamos trabalhando duro para prepará-la”, prometeu o ministro da Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov. O ex-embaixador diz que o conflito mostra o esvaziamento das organizações internacionais para manter a paz e segurança no mundo. “Essa guerra só trouxe instabilidade muito grande, uma desorganização do mercado energético, de commodities, de alimentos e trouxe uma perda muito grave para Ucrânia que está sendo destruída”. A guerra intensificou uma crise de custo de vida que já era vislumbrada antes da pandemia, conforme apontado pelo Fórum Econômico Mundial.