O eletricista Komlan Bolouvi e a contadora Rissikatou Modoukpe não estavam satisfeitos com a situação política e a falta de trabalho em seus respectivos países, duas pequenas nações africanas: Togo e Benin. Depois de tentar sem sucesso um visto de permanência na Europa, Komlan pesquisou na internet países mais acolhedores para estrangeiros e decidiu imigrar para o Brasil em 2017. Ele veio na frente e facilitou a chegada da amiga Rissi. Hoje, os dois são funcionários do Parque São Jorge, sede administrativa do Corinthians.
Rissikatou, ou apenas Rissi, trabalhava no Ministério do Turismo no Benin. Ela conta que a situação do país da costa ocidental da África vinha bem até 2015. Nessa época, a economia baseada no algodão, que corresponde a 80% da exportação, começou a ruir. Casos de corrupção no governo, desemprego e crescente desigualdade social fizeram com que Rissi decidisse sair. Em 2017, deixou seu filho, então com três anos, e apostou no Brasil.
Aqui, ela vê enormes semelhantes com sua terra natal, colônia francesa até 1960. Não é uma apenas uma impressão pessoal. Entre os séculos XVII e XIX, o País recebeu um grande fluxo de escravos da região do reino de Daomé, onde está hoje o Benin. Os historiadores apontam que a costa ocidental tem pratos parecidos com o acarajé e a feijoada e adota uma espécie de candomblé.
Mas o diploma de Ciências Contábeis de Rissi não foi reconhecido aqui. Ela foi acolhida por Ana Canadá, gerente de Esportes Aquáticos do Corinthians, e chegou a trabalhar como empregada doméstica. Hoje, ganhou uma oportunidade na área de limpeza das piscinas do clube. “Ela foi um anjo para mim”, diz a africana.
Rissi começou a estudar novamente depois que ganhou uma bolsa de estudos da Universidade Brasil, patrocinadora do Corinthians, no programa Esporte com Educação. A cada vitória, gol marcado, partida sem sofrer gol e rodada na liderança do Campeonato Brasileiro renderam uma bolsa de estudo. No ano passado, foram 57 benefícios. A doação se dirige os funcionários, trabalhadores com renda de até dois salários mínimos e atletas do futebol feminino. “Tive dificuldades psicológicas para entender que não podia trabalhar com contabilidade no Brasil, mas hoje eu aceitei. Quero me estabilizar e trazer meu filho para cá”, diz a beninense.
Komlan chegou ao Brasil antes de Rissi. Ele estava insatisfeito com a questão política de Togo, que vive uma das mais longas ditaduras do continente africano. Hoje, o país é chefiado por Faure Gnassingbe que está no poder desde 2005. Ele é filho do general Gnassingbe Eyadema, que já havia governado o país com uma ditadura durante 38 anos. “Você não pode falar sobre política. Se falar, você simplesmente desaparece”, conta.
A falta de liberdade política se reflete na economia nacional, opina Komlan. “O país não evolui. Os ricos estão cada vez mais ricos”. A agricultura é a principal fonte de receitas com o plantio de mandioca, algodão, milho, frutas, café e cacau. O setor industrial é pouco diversificado. Mais da metade dos togoleses vive com menos de 1,25 dólar por dia, quantia considerada insuficiente para suprir as necessidades básicas. Esse fato se reflete no alto índice de subnutrição (37%), na baixa expectativa de vida (58 anos) Apenas 10% das casas têm saneamento.
Depois de enfrentar situações de discriminação na Europa, Komlan pesquisou na internet e consultou os amigos sobre países que poderiam aceitá-lo. Com o apoio de africanos que já estavam no Brasil, conseguiu a documentação de permanência. Dono de um diploma de Educação Física, ele também se formou como Eletricista no Serviço Nacional da Indústria (Senai) e conseguiu um emprego como auxiliar de Serviços Gerais no Corinthians. Hoje, cuida da manutenção das quadras de tênis. “Ninguém pode falar mal do Corinthians perto de mim”, sorri Komlan.
Ele sente saudades do filho de 12 anos e da mãe. Diz que só com Deus no País, mas que não se sente sozinho. “O Brasil gosta muito de mim e eu gosto muito do Brasil”. (Estadão Conteúdo)