Covid: O que ciência já descobriu sobre maior agressividade de variante P.1 em jovens?

Foto: getty images

Manaus era uma das únicas cidades do mundo onde se acreditava que o pior já havia passado.

Após uma onda avassaladora de casos e mortes em 2020, os estudos indicavam que mais de 75% da população da cidade já havia se infectado com o coronavírus e, portanto, não haveria mais motivos para grande preocupação.

Mas o começo de 2021 provou que essa ideia estava absolutamente errada.

O número de afetados pela covid-19 explodiu de maneira dramática, o que desembocou num colapso do sistema de saúde, na falta de oxigênio e numa situação de calamidade pública que causou comoção nacional e internacional.

Enquanto esse drama começava a se desenrolar nas ruas da capital do Amazonas, os cientistas faziam uma importante descoberta na bancada dos laboratórios: Manaus parece ter sido palco do desenvolvimento de uma nova variante do coronavírus, que passaria a ser conhecida como P.1.

Pelas informações disponíveis naquele momento, tudo levava a crer que essa nova versão do agente infeccioso era mais transmissível e teria capacidade de driblar a imunidade obtida anteriormente, o que ajudaria a explicar o quadro crítico na capital do Amazonas.

Mas será que essa linhagem atualizada do vírus também é mais mortal, especialmente entre indivíduos mais jovens e sem doenças prévias?

Por ora, esse campo ainda está cheio de perguntas sem respostas. Mas algumas pesquisas publicadas nas últimas semanas ajudaram a entender um pouco melhor essa história.

O ovo ou a galinha?
Para começo de conversa, é preciso observar que o surgimento de novas variantes está diretamente relacionado ao comportamento das pessoas e à falta de políticas públicas claras e bem definidas.

Em outras palavras, não é o surgimento dessas cepas “atualizadas” que gera a piora da pandemia: o problema começa muito antes, quando as medidas de controle são relaxadas e as pessoas começam a transitar livremente pelas ruas, sem tomar os cuidados básicos, como o uso de máscaras e o respeito ao distanciamento físico.

Quanto maior for a circulação, maior a transmissão do coronavírus — e quanto mais o vírus “pula” de uma pessoa para outra, maior o risco de ele sofrer mutações vantajosas para sua replicação e potencialmente danosas e preocupantes para nós, seres humanos.

E esse fenômeno, por sua vez, agrava ainda mais o problema de saúde pública e contribui para o colapso que vivemos em várias cidades brasileiras.

“Não há como culpar só a P.1 por esse grande aumento de casos e mortes que vimos nos últimos meses. A variante só surgiu por causa do descontrole nas medidas restritivas capazes de inibir a transmissão”, concorda o virologista e pesquisador em saúde pública Tiago Gräf, do Instituto Gonçalo Moniz, da FioCruz Bahia.

Esse raciocínio se aplica perfeitamente ao que ocorreu em Manaus: com a noção de que a cidade já estava livre da pandemia, as atividades foram retomadas com força total a partir de setembro e outubro de 2020.

As aglomerações fizeram o vírus circular com grande intensidade novamente e ganhar uma nova versão: tudo indica que a P.1 se desenvolveu a partir de novembro do ano passado e, em dezembro, dominou geral.

Suspeita confirmada
Esse temor de que a P.1 seria mais transmissível era praticamente um consenso entre os cientistas da área logo após a descoberta da nova variante.

Isso porque ela trazia algumas mutações muito parecidas ao que já havia sido encontrado com outras cepas novas, especialmente aquelas detectadas no Reino Unido e na África do Sul.

Muitas dessas mudanças genéticas mais preocupantes se concentram justamente na espícula, estrutura que fica na superfície do vírus e faz com que ele “se grude” nas células humanas para dar início a uma infecção.

Essas alterações no genoma tornaram essa tal de espícula ainda mais sofisticada, o que facilita a invasão viral no nosso organismo.

“A variante P.1 necessita de uma quantidade menor de vírus para causar uma infecção”, explica Gräf.

Ou seja: se antes a pessoa precisava ter contato com uma boa quantidade de coronavírus para desenvolver um quadro de covid-19, a nova linhagem passa a exigir uma carga bem menor, o que facilita as coisas (pelo menos do ponto de vista do vírus).

Essas observações iniciais ganharam mais exatidão no dia 14 de abril, após a publicação de um estudo na revista Science que envolveu mais de 30 instituições e dezenas de pesquisadores, muitos deles brasileiros.

Após uma vasta análise dos dados, os autores concluíram que a P.1 é de 1,7 a 2,4 vezes mais transmissível e um quadro de covid-19 prévio, causado por outra linhagem, dá uma proteção de 54 a 79% em relação a uma probabilidade de reinfecção por essa nova variante.

Diante dos achados, os autores reforçam a necessidade de uma “vigilância genômica global aprimorada sobre as novas variantes de preocupação”, como é o caso da P.1, e entendem que essa ação é “crítica para acelerar a capacidade de resposta à pandemia”.

Essa maior “ganância” do vírus é fácil de ser observada num acompanhamento que é feito pelo time da Rede Genômica da Fiocruz, do qual Gräf faz parte: segundo as análises do grupo, a P.1 rapidamente se tornou a linhagem dominante em todas as regiões do país.

No mês de abril de 2021, ela estava presente em 92% de todas as amostras colhidas de pacientes com covid-19 confirmada.

Três meses antes, ela representava apenas 29% do total das análises. (Fonte: G1)

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