A Defensoria Pública da Bahia – DPE/BA, em ação conjunta com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro – DPE/RJ, pediu providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que removesse do Cadastro Nacional de Adoção o campo do formulário “preferência étnica”.
A medida seria uma forma de coibir o racismo no sistema nacional de adoção e impedir que crianças e adolescentes negros deixem de ser adotados. A petição foi protocolada nesta segunda-feira (21), Dia Internacional Contra a Discriminação Racial.
Hoje, quem quer entrar na fila para adotar responde a um formulário de pré-cadastro no site do CNJ que funciona como um tipo de triagem: “aceita com deficiência física?”, “aceita com deficiência mental?”. E também permite selecionar preferências como idade, gênero e a etnia (no caso, raça, já que etnia diz respeito a um conjunto de tradições e culturas, não à cor e o fenótipo).
A petição indica que a preferência de raça pode ser qualificada como racismo institucional por parte do Estado. A defensora pública Gisele Aguiar, coordenadora da Especializada de Direitos da Criança e do Adolescente da DPE/BA, que atua há 10 anos na área da adoção, comenta que a maioria dos pretendentes querem crianças brancas.
Segundo ela, não é raro atender pessoas de pele clara que não aceitam de forma alguma adotar negros, com o argumento de que a criança se sentiria ‘deslocada’. “São os adotantes que precisam fazer com que as crianças se sintam integradas à família. Não é a cor que proporciona esse sentimento de não pertencimento”, comenta Gisele.
O curioso é que para cada criança aguardando adoção há cerca de quatro pessoas com o desejo de adotar, conforme os dados do levantamento do Sistema Nacional de Adoção (SNA). E cerca de 70% das crianças que ainda não foram adotadas são negras.
“Enquanto você seleciona algumas crianças, outras são excluídas. Não é como escolher um carro, elas não são produtos em prateleiras. Temos que lembrar que o ator principal em toda essa trajetória é a criança e o adolescente. Em nenhum momento o Estado deve construir políticas públicas pensando nos adotantes”, questionou a coordenadora.
O levantamento do SNA aponta que menos da metade – apenas 39,91% dos pretendentes – aceitam adotar crianças ou adolescentes de qualquer raça/cor/etnia.
Outro pedido feito pelas duas Defensorias ao CNJ é para que os cursos preparatórios à adoção envolvam, necessariamente, discussões a respeito do racismo e tenham capacitações para educar os adotantes em relações inter-raciais.
“As instituições entendem que o Sistema de Justiça tem o dever de preservar o direito da criança e do adolescente ter uma família, não o interesse dos adultos em adotar uma criança com certos fenótipos, características físicas, que os agradem”, comenta o defensor público Rodrigo Azambuja, que está à frente da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da DPE/RJ e assina a petição.
“É um passo importante para que adoções inter-raciais deixem de ser exceção e se tornem práticas comuns no âmbito do SNA. Esperamos que (se acolhido) o pedido de providências seja um importante passo da construção de relações de paternidade saudáveis, com pais mais preparados para a filiação adotiva e não apenas interessados em reproduzir a constituição de uma família biológica”, destacou a coordenadora da Especializada de Direitos Humanos da DPE/BA, Eva Rodrigues, que também assina a petição.
A defensora Laissa Rocha, que atua na área da infância e juventude, acredita que esse cenário de racismo está enraizado no sistema de justiça. “O objetivo maior da Defensoria é trazer luz a essas práticas e debater os melhores contornos para garantir a estas crianças e adolescentes o direito à convivência familiar e comunitária, inclusive com o auxílio da sociedade civil e dos movimentos sociais”, declara.