O Dia Nacional do Cerrado é celebrado neste sábado (11), mas, neste ano, não há motivo para festejar: o bioma tem visto, nas últimas semanas, recordes de incêndio e de desmatamento que, para especialistas ouvidas pelo G1, são preocupantes.
“A preocupação é que é um bioma que já perdeu 50% da cobertura original, que já vem bastante pressionado sob as transformações das últimas décadas”, explica a pesquisadora Mercedes Bustamante, professora titular da Universidade de Brasília (UnB) e uma das principais referências sobre o bioma no país.
De 1º janeiro até 31 de agosto, o Cerrado viu a maior quantidade de pontos de fogo para esse período desde 2012, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Considerados apenas os números do mês, houve a maior quantidade de focos de incêndio desde 2014 – mesmo com uma proibição do uso do fogo no país em vigor.
O desmatamento também cresceu: no mês passado, o bioma teve a maior área sob alerta de desmatamento desde 2018, de acordo com o Inpe.
“Quando você vê um aumento do alerta, é um sinal bastante negativo, porque a gente deveria estar controlando o desmatamento do Cerrado”, completa Bustamante, que também integra a Academia Brasileira de Ciências.
O crescimento do desmate no bioma tem a ver com a expansão da nova fronteira agrícola brasileira – na região chamada de “Matopiba”, por abarcar parte dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
“O avanço do desmatamento no Cerrado, sobretudo nos últimos anos, é uma realidade preocupante. O plantio de commodities agrícolas nessas regiões vem causando grande impacto para a natureza e povos e comunidades tradicionais que aí habitam”, afirma a cientista Terena Castro, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), também em Brasília.
Na avaliação de Bustamante, da UnB, o que ocorre no Cerrado é a repetição da degradação que houve na região sul do bioma – e que, hoje, avança para o norte, na região de fronteira entre os estados citada acima.
“Muitas vezes as pessoas abrem a área, utilizam de forma inadequada, a produtividade cai, você abre novas áreas e vai aumentando o desmatamento, deixando terras degradadas para trás”, explica.
De 1970 até 2018, a perda de bioma no Cerrado foi de 50% – mais que o dobro da Amazônia, que perdeu 20%, segundo um levantamento feito pela ONG WWF.
A velocidade de expansão, a intensidade do uso do solo e a extensão das áreas ocupadas pela agricultura no bioma atualmente são preocupantes, afirma a cientista da UnB.
“Hoje você tem uma enorme quantidade de terras desmatadas no Cerrado que poderiam ser utilizadas novamente para a produção. A gente deveria estar modificando o rumo dessa história e encaminhando ações de conservação”, diz.
Recuperar o bioma, diz a pesquisadora, custa mais dinheiro do que simplesmente desmatar novas terras para plantar. Mas, no curto e no longo prazo, a destruição ambiental custa caro: o Brasil corre o risco de não ser mais uma potência na produção e exportação de alimentos.
Para Terena de Castro, a queda na fiscalização ambiental nos últimos anos contribui para a situação precária.
“A fragilização dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização, bem como o enfraquecimento de políticas públicas para o meio ambiente nos últimos anos, contribuem para esse cenário que se anuncia cada vez mais catastrófico”, afirma a especialista.
Seca anunciada
Por ser responsável pelo abastecimento hídrico de 8 das 12 regiões hidrográficas brasileiras, o que acontece no Cerrado não fica só lá: influencia o resto do país. (Entenda melhor aqui).
Se a vegetação do bioma é retirada, o solo perde a capacidade de reter umidade – o que significa menos água indo para as bacias dos rios: vem a seca. Ao mesmo tempo, aumenta a evaporação da água e a temperatura da região. Para completar, quanto mais vegetação é destruída, menos chove.
“A gente corre o risco de deixar o país numa situação de vulnerabilidade hídrica maior do que já está. Você tem a convergência das mudanças climáticas globais com as mudanças locais, que são essas de uso da terra. Essa combinação efetivamente acentua esses efeitos da degradação e reduz a capacidade do sistema de armazenar carbono, de armazenar água”, alerta Bustamante.
A seca pela qual passa o rio Paraná, por exemplo – a maior desde 1944 – é a crônica de uma morte anunciada. O Cerrado, que alimenta a bacia, já vinha tendo menos chuva nos últimos anos, lembra a cientista.
“Em um país habitável, a gente vai precisar ter água, temperatura controlada. Está batendo recorde de área queimada no Cerrado e a gente sente o impacto disso na qualidade do ar em Belo Horizonte. Aqui em Brasília está horrível – eu abro a janela, entra fuligem. A gente começa a ver a poluição em São Paulo com as queimadas e as pessoas começam a perceber, ‘o que é que está queimando?’ É basicamente o Cerrado”, relata Bustamante.
Agora, resta esperar pelo período chuvoso, em novembro, para a situação melhorar.
“Eu gostaria de ter um Dia do Cerrado em que a gente comemorasse a diminuição do desmatamento e o aumento da restauração. Vamos ver se a gente vai ter um dia do Cerrado que tenha essa boa notícia para dar”, diz. (G1)