Assim como o futebol e o samba, dividir um cartão de crédito entre vários integrantes da família também representa muito bem os brasileiros. A prática pode parecer inofensiva, mas, de acordo com especialistas, pode levar ao endividamento dos titulares e conflitos familiares.
De acordo com uma pesquisa do Serasa Experian, entre as mais de 60 mil compras online consideradas no estudo, 65,9% foram finalizadas com cartões de mães. Na sequência foram usados os de irmãos (14,9%), filhos (12,6%), avós (3,2%), tios (1,9%). O parentesco menos comum nessas operações foram outros (1,5%), o que inclui pais, netos ou sobrinhos.
Para o psicólogo Gustavo Santos (nome fictício), 29, o empréstimo foi sinônimo de prejuízo. Um parente dividiu em várias parcelas uma compra no cartão, mas só pagou as primeiras. “Não teve jeito, tive que assumir o restante. Depois disso, nunca mais emprestei”, diz.
O que aconteceu com Gustavo, de acordo com o consultor financeiro Tiago Menezes, acontece com muita gente. “Ao emprestar o cartão, é melhor atribuir essa dívida já como sua. Porque, se o parente não pagar, é o seu nome, você quem será o responsável”, destaca.
O engenheiro Rodrigo Nascimento, 28, por outro lado, teve uma experiência tranquila ao compartilhar o cartão de crédito com a sua mãe durante um tempo. Segundo ele, os empréstimos aconteciam toda semana para compras em supermercados de produtos pontuais que faltavam em casa, principalmente.
“Sou muito receoso em emprestar o meu cartão, porque já tive um prejuízo considerável devido a isso. Mas emprestei a minha mãe e nunca tive problema, ela sempre foi consciente e responsável. Percebi que ela usava bastante e fiz um para ela, para ficar mais fácil”, conta.
Entre Jéssica Lordelo e a mãe, a prática de compartilhamento acontece desde que Jéssica resolveu fazer um cartão de crédito. Segundo ela, inicialmente, a mãe a pedia esporadicamente, mas, agora, ambas usam o cartão com frequências parecidas. “Eu faço o controle das contas de cada uma e não temos problema com atraso de pagamento. Então, a organização ajuda muito”, afirma.
Mas, afinal, por que tanta gente pede o cartão de crédito de parentes emprestados? Segundo Tiago, com a inadimplência em alta, muitas pessoas optam pelos cartões de familiares por não conseguirem aumentar os limites de seus próprios cartões. Além disso, em alguns casos, há o conforto, que pode representar descompromisso, em realizar uma compra no nome de outra pessoa.
“É preciso ter cuidado ao emprestar o cartão para parentes com o nome sujo, dívidas. Se a pessoa não honrou o próprio nome, imagine o seu?”, questiona Tiago. Além disso, de acordo com a gerente do Serasa Experian, Ana Julia Andrade, existem as chamadas “fraudes amigáveis”, comuns no ambiente familiar. Corroborando com a pesquisa, mães e parentes idosos costumam ser as principais vítimas. “Uma pessoa se aproveita da proximidade e usa os dados do titular sem que ele saiba. É comum até que o próprio parente seja usado, sem saber do que se trata, para “validar” a realização de saques e transferências bancárias, compras com cartões de crédito, financiamentos, empréstimos pessoais ou consignados”, explica.
80% com dividas
Outro levantamento do Serasa Experian com a Opinion Box, Endividamento 2022, mostra que, do total de entrevistados, 11% estão endividados porque “alguém comprou em nome deles e não fizeram o pagamento” e 8% estão com dívidas porque emprestaram o nome para outra pessoa.
O planejador financeiro pessoal e familiar Rodrigo Dias indica a necessidade de exercitar o “não” dentro das relações familiares quando se trata do empréstimo de cartão de crédito ou, ao menos, reduzir a quantidade de compartilhamentos. Além de apresentar riscos para os titulares, pode acarretar em conflitos na família.
Para os que já têm o costume de compartilhar um cartão, no entanto, há dicas para evitar transtornos. O mais importante, segundo Rodrigo, é que o titular do cartão tenha uma reserva financeira.
“Em um momento de emergência, de não pagamento, o dono do cartão tem como não se endividar tanto”. Além disso, um bom controle orçamentário torna a prática do empréstimo mais organizada e segura.
A divisão de compras em muitas parcelas também pode representar um problema, principalmente se o titular do cartão contabilizar apenas os valores mensais, e não o montante final. “O valor da compra no final do período é que assusta, normalmente. Então, evitar contabilizar apenas as parcelas, mas sim o preço da compra, para poder se planejar”, aconselha.
Dicas para um bom planejamento financeiro
– Nome sujo: Cuidado ao emprestar o cartão de crédito a parentes que não conseguiram honrar as próprias dívidas. Ao final das contas, não esqueça: seu cartão, seu nome. A responsabilidade será sua
– Reserva: Ter uma reserva de emergência é crucial para titulares que emprestam o cartão de crédito com frequência. Em caso de não pagamento, o responsável não ficará tão endividado
– Parcelamento: Evite permitir a divisão de compras em muitas parcelas. Neste caso, é mais fácil que o autor da dívida esqueça ou não consiga pagar todas as prestações
– Controle orçamentário: Esteja ciente de todas as despesas que entram na sua fatura de cartão de crédito. A organização facilita a cobrança e evita conflitos familiares
(A Tarde)