Documentos mostram plano de Bolsonaro para povoar Amazônia, diz site

Foto : Ibama

O governo de Jair Bolsonaro discute, desde o mês de fevereiro, o maior projeto de ocupação e desenvolvimento da Amazônia desde a ditadura militar, de acordo com documentos inéditos obtidos pelo The Intercept Brasil revelados em reportagem publicada hoje (20).

O plano é desenvolvido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, com coordenação do coronel reformado Raimundo César Calderaro. O projeto “Barão de Rio Branco” retomaria, de acordo com a reportagem, o antigo sonho militar de povoar a Amazônia, com o objetivo de desenvolver a região e proteger a fronteira norte do país.

Segundo os documentos, a proposta prevê incentivo a grandes empreendimentos que atraiam população não indígena, de outras partes do país, para se estabelecer na Amazônia e ampliar a participação da região norte no Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Conforme a matéria, apesar de Bolsonaro ter se comprometido a proteger a floresta em pronunciamento em cadeia nacional de televisão, o projeto mostraria que a prioridade é explorar as riquezas, fazer grandes obras e atrair novos habitantes para a região amazônica.

Quando o projeto foi apresentado pela primeira vez, a secretaria ainda estava sob o comando de Gustavo Bebbiano. O então secretário-geral da Presidência iria à Tiriós, no Pará, em uma comitiva com os ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Damares Alves, dos Direitos Humanos, para se encontrar com entidades locais.

Bolsonaro, no entanto, não sabia da viagem e foi surpreendido pelas notícias. O presidente vetou a comitiva, o que culminou na crise que tirou Bebbiano do governo em 18 de fevereiro.

O plano foi apresentado então dias depois, só por Raimundo César Calderaro, seu coordenador, sem alarde, em reuniões fechadas com políticos e empresários locais.

Parte do conteúdo do encontro foi revelado no mês passado pela ONG inglesa Open Democracy. O The Intercept teve agora acesso a áudios e à apresentação feita durante a reunião, organizada pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos no dia 25 de abril deste ano na sede da Federação da Agricultura do Pará, a Feapa, em Belém.

A secretaria afirmou ter reunido a sociedade, academia e autoridades locais para ouvir opiniões e sugestões que irão guiar os estudos sobre o programa. Os documentos revelam, no entanto, que indígenas, quilombolas e ambientalistas parecem ter ficado de fora da programação.

Na apresentação, os responsáveis detalharam a preocupação do governo com a “campanha globalista” que, de acordo com o material, “relativiza a soberania na Amazônia” usando como instrumentos as ONGs, a população indígena, quilombola e os ambientalistas.

O documento mostra que o governo Bolsonaro vê como “riquezas” os minérios, o potencial hidrelétrico e as terras cultiváveis do planalto da Guiana, que ficam entre o Amapá, Roraima e o norte do Pará e do Amazonas. “Tudo praticamente inexplorado”, “distante do centro do Brasil”, “e de costa (sic) para as riquezas do norte”, afirma um slide.

O plano prevê três grandes obras, todas no estado do Pará: uma hidrelétrica em Oriximiná, uma ponte sobre o Rio Amazonas na cidade de Óbidos e a extensão da BR-163 até o Suriname.

Na apresentação do projeto, o governo diz enxergar uma suposta oposição orquestrada à sua “liberdade de ação” na região. Os slides pontuam os supostos opositores: ONGs ambientalistas e indigenistas, mídia, pressões diplomáticas e econômicas, mobilização de minorias e aparelhamento das instituições.

Na visão da gestão Bolsonaro, a população tradicional, formada por indígenas e quilombolas, são um empecilho à presença do estado no local. Segundo o projeto, a “situação econômica do Brasil”, aliada aos paradigmas do “indigenismo”, “quilombolismo” e “ambientalismo” eram entraves do passado.

O “novo paradigma”, com o governo Bolsonaro, com o “liberalismo” e o “conservadorismo”, traz “nova esperança para a Pátria”. “Brasil acima de tudo”, diz o slide, repetindo o slogan de campanha do presidente.

Em um áudio gravado durante a reunião e enviado ao Intercept por uma fonte que pediu para não ser identificada, o General Santa Rosa afirmou que o Brasil precisa agir para garantir a soberania na fronteira com o Suriname, país que recebe investimento e imigrantes chineses.

Segundo ele, a China tem resolvido conflitos em fronteiras promovendo políticas de imigração em massa para regiões problemáticas ou que são consideradas estratégicas, como a Sibéria, o Nepal e o Suriname.

“Na fronteira oeste da Sibéria tem mais chinês hoje do que cossaco. A Rússia está acordando para um problema de segurança nacional muito sério. Nós temos que acordar aqui antes que o problema ocorra”, declarou, na gravação.

Apesar da declaração do general, a reportagem ouviu Mauricio Santoro, professor de relações internacionais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e ele explicou que a China não tem uma política de imigração de seus cidadão. O país está tentando atrair de volta o pessoal técnico e científico que vive no Ocidente.

“Os militares tendem a ver a presença de estrangeiros na Amazônia, sobretudo de países de fora da América do Sul, como um problema e um risco à segurança nacional. Isso diz mais sobre a visão de mundo das Forças Armadas brasileiras do que sobre os objetivos de outras nações na região”, argumentou Santoro.

Povos indígenas

Em uma nota técnica, quatro organizações alegam que o projeto do governo “causará impactos destrutivos e irreversíveis para nós, povos indígenas, e o nosso modo de vida, baseado no uso sustentável dos recursos naturais, fato que permitiu até aqui a conservação de uma das áreas de maior preservação ambiental do planeta”.

O texto é assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará e pela Federação dos Povos Indígenas do Pará.

Segundo o documento dos indígenas, publicado em maio, o plano “rasgaria pelo meio” terras indígenas reconhecidas pelo estado brasileiro.

De acordo com a Secretaria de Assuntos Estratégicos, o programa Barão do Rio Branco “ainda se encontra em fase de discussão e de amadurecimento”. “Está prevista a constituição de um grupo de trabalho interministerial, por meio de Decreto, para a elaboração do Programa Barão do Rio Branco. No entanto, ainda não há data para publicação”, disse a assessoria de imprensa do órgão. O governo deverá criar, por decreto, um Grupo de Trabalho Interministerial para discutir o projeto. 

(Metro1)

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