Em transição de gênero, estudante de medicina tem matrícula cancelada na UFSB por suspeita de fraude de cotas para transexuais

UFSB cancela matrícula de estudante de medicina por suspeita de fraude de cotas para transexuais — Foto: Arquivo Pessoal

A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) cancelou a matrícula de uma estudante de medicina por suspeita de fraude na cota para pessoas transexuais. Joana Magalhães de 34 anos está no processo de transição de gênero para o feminino e disse que não entende os critérios que levaram a universidade a tomar essa decisão.

A matrícula da estudante foi feita em maio do ano passado, no campus de Teixeira de Freitas, e o cancelamento, em último recurso, foi feito na última sexta-feira (11). Jô Magalhães, como a estudante é conhecida, questiona a postura da instituição porque acredita que não houve transparência no processo de decisão de cancelar a matrícula dela.

“Uma coisa precisa ficar bem explícita. Eu sou uma pessoa transgênero, eu sou uma pessoa transgênero fluida, às vezes não binária, no sentido de que às vezes não me defino nem no masculino e nem no feminino, mas eu ando pelos dois muito bem. Tenho gosto, é claro, de andar pelo feminino. Essa primeira questão que a gente precisa deixar bem explícito, eu sou uma pessoa trans”, disse.

Em nota, a UFSB confirmou o cancelamento da matrícula da estudante, mas não entrou em detalhes sobre as acusações dela. Confira o posicionamento na íntegra no final da reportagem.

A estudante disse que acha que há uma grande confusão no julgamento do caso dela na universidade.

“Vale também lembrar que eu não posso me determinar com uma mulher trans, eu sou uma pessoa transgênero. Essa é a grande confusão que está ocorrendo com relação ao meu caso, é justamente a confusão que se dá com os termos transexuais, travestis e transgêneros. Transexuais e travestis são transgêneros, mas a identidade trans ela é muito maior, ela é muito abrangente, ela tem inúmeras identidades”, afirmou Jô Magalhães.

Em entrevista ao G1, a estudante contou que entende a pessoa que fez a denúncia, mas que não concorda com os critérios usados pela UFSB para confirmar o cancelamento, já que o edital de inscrição não especificava quais tipos de transgênero tinham direito a vaga.

“Ao mesmo tempo, algumas coisas precisam ficar definidas, de quais são os nossos direitos como pessoas não binárias e como pessoas de gêneros fluídos. O que que eu preciso? Existe uma performance? Existe um estereótipo, fenótipo que diga que é? Você só é trans a partir do momento que você se assume trans ou você sempre foi trans a vida toda travestida em um corpo que não é seu?”, questionou.

Joana Magalhães relatou que passou a ser intimidada e agredida nas redes sociais após a decisão ser divulgada na mídia.

“Isso eu posso dizer que eu senti na pele. Eu fui execrada, esculhambada, humilhada, tive minhas imagens, minhas fotos expostas. Eu digo para você que a minha vontade era de sumir. Eu não consigo entender o tão mal que as pessoas são ao ponto de fazer isso”, disse.

Ela falou do impacto emocional que as agressões causaram a ela e aos familiares. “São essas coisas que me machucam. Isso machuca minha família, a gente tem sido exposta de todas as formas e tem feito muito mal para mim. Não consigo entender como as pessoas podem ser assim”, concluiu.

Em uma das postagens, mulheres trans criticam a decisão de Jô Magalhães usar barba.

“Eu tenho características sis. Eu não tenho parte dos dentes, que eu perdi, e eu morro de vergonha. Eu morro de vergonha de sorrir, você nunca me vê sorrindo. Eu uso a barba, porque é a única coisa que eu tenho para disfarçar isso, porque eu não tenho dinheiro para disfarçar isso”, disse.

Decisão do PAD

O cancelamento da matrícula de Jô Magalhães foi feito após uma análise do Plano de Auditoria Interna (PAD) da instituição. Outra crítica feita pela estudante é de que os três profissionais de psicologia não investigaram ela da forma que deveriam.

“É muito fácil você dizer o que uma pessoa é e o que uma pessoa não é, sem você conhecer a pessoa. A todo instante eu abri a minha casa, abri a minha vida, me dispus”, disse.

“O PAD diz que qualquer comissão de investigação deve ser objetiva e executiva. O que isso quer dizer? Ela deve investigar, e dentro desse processo de investigação ela tem que dizer o que deve ser feito”, explicou Jô.

A estudante afirma que o relatório da comissão que analisou o caso dela é vago e “não diz absolutamente nada”.

“Não diz em momento nenhum que eu não sou trans e que eu devo ser expulsa da universidade. Outra coisa, pelo contrário, o relatório diz que falta à universidade políticas efetivas para pessoas trans”.

Jô Magalhães considera que o processo foi fraudado e diz que tem provas. Hoje, ela tenta conseguir a vaga na Justiça.

“Acho que fraude é até uma palavra pesada, mas eu tenho como provar, porque eu gravei o áudio da oitiva. Então, dentro do processo, ela fala que eu não disse em momento nenhum dentro da entrevista de cinco perguntas em 13 minutos, de que eu era trans”, disse.

“Mentira, porque eu digo, quando eu sento com ela, eu falo que eu sou uma pessoa trans. Agora você imagine, eu nervosa, sentada em uma mesa com cinco pessoas para me analisar, eu não tinha nem ideia. Graças a Deus, eu gravei esse áudio para provar que eu falei”.

O que diz a UFSB?

“A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a respeito do caso em tela, informa que: i) após corridas todas as etapas do processo originado por denúncia de ocupação indevida de vaga supranumerária destinada à pessoas Trans egressas de escola pública, por meio da Ouvidoria da instituição; ii) tendo garantido todos os prazos recursais e o amplo direito de defesa à estudante nas instâncias asseguradas pela legislação e pelo Comitê de Acompanhamento de Políticas de Cotas (CAPC), indicadas na Resolução Consuni 26/2019; iii) o Conselho Universitário, em reunião extraordinária realizada na última sexta-feira (11) pela manhã para análise do recurso impetrado em segunda e última instância, deliberou pela manutenção do cancelamento da matrícula da estudante”.

(G1)

google news