Como forma de enfrentar os impactos causados pela pandemia, muitas empresas precisaram remodelar seu modelo de negócios e até demitir trabalhadores.
Com a retomada gradual das atividades por causa da flexibilização, a necessidade de recompor o quadro de funcionários para atender ao aumento da demanda de atividades levanta a seguinte questão: as empresas podem recontratar aqueles demitidos que não foram desligados por causa de desempenho, mas como consequência da crise?
Para advogados especializados em direito do trabalho, a recontratação é permitida, mas não pode ser feita em condições piores, como por exemplo, com salário menor que o anterior.
Com a pandemia, o governo federal publicou a Portaria 16.655, que permite a recontratação em menos de 90 dias nos casos de demissão sem justa causa. Essa medida vale para demissões feitas somente no período do estado de calamidade, ou seja, até dezembro deste ano.
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, professor da pós-graduação da PUC-SP, ressalta que o empregado pode ser readmitido sem qualquer problema se foi dispensado em razão da crise financeira. Mas o problema é quando o empregado é contratado em espaço curto de tempo com salário inferior ao que recebia anteriormente.
“Nessa hipótese, muitas vezes pode se questionar se a dispensa seguida de nova contratação não foi realizada apenas com o objetivo de reduzir salário”, diz.
Guimarães lembra que a decisão de recontratar é do empregador, sempre. E a existência da crise econômica não está prevista nas hipóteses da legislação trabalhista. Portanto, quando o estado de calamidade acabar, volta a valer o que vinha sendo seguido antes.
O que diz a jurisprudência
Bianca Canzi, da área trabalhista do Aith, Badari e Luchin Advogados, lembra que no artigo 489 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é determinado que, durante o aviso prévio, a empresa pode reconsiderar a demissão e o funcionário tem a opção de aceitar ou não a recontratação. Porém, após o aviso prévio, é permitida a recontratação somente após 90 dias da demissão, segundo a CLT.
De acordo com Fernando de Almeida Prado, do BFAP Advogados, pela jurisprudência, a recontratação seria fraudulenta se ocorresse em um prazo menor que 6 meses, mas cada juiz tem seu entendimento.
O advogado cita ainda o artigo 453 da CLT, que autoriza a recontratação, mas não define o período. “Pela interpretação do artigo 453, se o funcionário tiver as verbas rescisórias pagas corretamente e for recontratado no mês seguinte, isso não seria fraudulento, mas muitos juízes declaram fraudulento se a recontratação ocorrer em condições diferentes ou piores da contratação anterior”, explica.
Prado esclarece que a Portaria 384, de 1992, considera fraudulenta a recontratação dentro de um período menor que 6 meses para fins de obtenção de FGTS e seguro-desemprego, porque presume-se que a demissão foi simulada para levantar esses recursos.
“Mas em julho de 2020, houve uma nova portaria reduzindo o prazo de 6 meses para menos de 90 dias. Então, num panorama geral, hoje a jurisprudência ainda está vinculada à portaria antiga de 6 meses, mas a portaria foi alterada para 90 dias. Temos que ver como o poder Judiciário vai entender isso. Até 6 meses ainda depende do que a Justiça decidir, e mais de 6 meses o poder Judiciário considera não fraudulento”, diz.
Eduardo Pragmácio Filho, sócio do Furtado Pragmácio Advogados, ressalta que a portaria de 1992 serve de orientação para fiscais e, por consequência, para empregados e empregadores. Se constatada a fraude, as repercussões vão para além da esfera trabalhista e alcançam a esfera penal.
“O que a fiscalização pretende com a presunção de fraude na recontratação é desestimular as simulações de término do contrato para evitar o saque do FGTS e não onerar o Estado com o pagamento de seguro-desemprego.”
Segundo ele, se a recontratação ocorre de forma lícita e verdadeira, caberá à empresa provar a situação, sob pena de responsabilidade trabalhista e penal.
“Um exemplo disso seria um empregado que pede demissão de um emprego, vai trabalhar em outro e, um mês após, pede para voltar. Não se trata de fraude presumida, é apenas a dinâmica do mercado de trabalho”, diz Pragmácio.
Fernando de Almeida Prado afirma que não é comum a questão da recontratação estar prevista em convenções coletivas. “Poucos acordos e convenções estabelecem isso, não é impossível que haja essa previsão, mas poucos têm isso expresso, talvez agora com a redução da portaria recente para 90 dias, as próximas convenções e acordos possam tratar desse assunto”, observa.
É possível pedir recontratação na Justiça?
O funcionário que foi demitido por causa da crise financeira e não por desempenho ruim pode pedir sua recontratação na Justiça?
Segundo Bianca, o funcionário não possui essa prerrogativa – a iniciativa deve ocorrer por parte do empregador e o funcionário pode aceitar ou não a recontratação.
Prado explica que no Brasil vigora o livre direito das empresas de desligar os colaboradores sem justa causa, com exceção daqueles com estabilidades provisórias como gestantes, dirigentes sindicai e membros da Cipa. Portanto, exceto os casos de estabilidade provisórias, não existe direito à recontratação, seja qual for o argumento.
“Se o empregado foi desligado por justa causa, mas na verdade o que ocorreu foi uma crise financeira e o empregador fingiu uma justa causa para pagar menos verbas rescisórias, aí sim é possível entrar com ação trabalhista para reverter a justa causa. No entanto, uma decisão favorável não permitirá que o empregado seja recontratado, mas que ele receba as verbas rescisórias a que teria direito com a demissão sem justa causa”, explica.
Quem recontratar primeiro?
Com a gradual retomada de diversos setores, muitas empresas estão reestruturando equipes para atender à demanda. Mas quem contratar primeiro? Para Fabio Battaglia, CEO da Randstad, empresa global em soluções de recursos humanos, o recomendado é começar pelos cargos de gestão. “Os gestores serão fundamentais para nortear a equipe na rotina do trabalho ou auxiliar no processo de contratação dos demais colaboradores, uma vez que farão parte do time que ele irá gerenciar”, orienta o especialista.
Quando o assunto é a contratação de ex-funcionários, Battaglia diz que se o desempenho do colaborador era bom e ele foi desligado apenas em decorrência de crise financeira, vale a recontratação, se a política de RH da empresa permitir.
“O profissional em questão já conhece a organização, os processos e a equipe, tem bons requisitos para continuar um trabalho de qualidade. Sem contar que, caso o colaborador que foi desligado ainda não tenha encontrado uma recolocação no mercado de trabalho e estiver disposto a voltar, será uma boa oportunidade de retomar sua segurança profissional e financeira”, opina.
Caso não exista um cenário que possibilite a recontratação de colaboradores desligados anteriormente, o especialista em RH orienta que em momentos como este, as empresas não deixem de buscar profissionais com valores alinhados ao da companhia, que mostrem capacidade rápida de adaptação, disponibilidade em aprender e compromisso com os objetivos que o cargo pressupõe. (G1)