Acostumado a levantar pesos por causa da vida no esporte, o fisiculturista Kaique Barbanti precisou de mais do que a força física para conseguir sobreviver à Covid-19. Aos 27 anos, saudável e sem comorbidades, ele ficou 62 dias internado na UTI, sendo 23 na máquina ECMO, que funciona como os pulmões e o coração de forma artificial.
Barbanti pesava normalmente cerca de 80 quilos. Ele perdeu quase 30 quilos no período em que estava contaminado pelo novo coronavírus, em Curitiba.
“A doença foi bem traiçoeira. Comecei tendo sintomas moderados, perda de apetite, enjoo, vômito, dor de cabeça, no dor no corpo. No 13º dia, quando eu achei que estava livre da doença, acordei com 87% de saturação. No hospital, colocaram fita vermelha no meu braço e puxaram para dentro. Só estando lá para sentir o medo de morrer sozinho, sem conseguir nem ao menos me despedir”, disse.
Kaique Barbanti contou ao G1 que desde que entrou na unidade hospitalar, o quadro de saúde foi se agravando cada vez mais. Ficou entubado por seis dias, permaneceu por oito dias na UTI, recebeu alta da UTI e, um dia antes da alta para ir para casa, sofreu uma tromboembolia pulmonar.
“Eles identificaram uma tromba no coração que se deslocou para o pulmão. A partir daí, já voltei para a UTI e me entubaram também. Mas, como eu ainda estava extremamente fraco por causa da Covid, só entubar já não estava adiantando mais. Me colocaram na ECMO, que é quase uma sentença de morte, e venci. Fui o segundo paciente da história do Hospital Marcelino Champagnat que conseguiu sobreviver após essa máquina. Aí foi começando o milagre”.
Apelo à conscientização
No dia 11 de março deste ano, seis meses após a alta, ele fez uma postagem relatando toda a dificuldade de passar pela doença. A postagem viralizou, com milhares de comentários o apontando como um “milagre”.
“Será que você consegue dimensionar a dor de um pai, de uma mãe, de uma família inteira, ser chamada em um hospital para se despedir, porque o seu filho amado está desenganado e não há mais o que os médicos possam fazer? E não, eu não digo isso pelas centenas de cateteres na veia, ou pelas gasometrias coletadas diariamente nas suas artérias, ou mesmo pela dor e a agonia de não conseguir respirar. Mas sim a dor de estar completamente sozinho”.
Na postagem ainda, o fisiculturista fez um apelo para que as pessoas se protejam e respeitem o isolamento social. “Você, jovem ou velho, homem ou mulher, crente ou descrente, que está vivendo como se nada estivesse acontecendo, eu te suplico, fique em casa. (…) Dor que eu não desejo nem para a pior pessoa do mundo”, escreveu ele.
Angústia da doença
Kaique Barbanti relatou que contraiu a Covid-19 na primeira quinzena de julho do ano passado, ficou 12 dias cumprindo a quarentena em casa, com medicamentos e cuidados. Porém, no 13º dia ele apresentou piora no quadro respiratório e precisou ir ao hospital.
Na unidade, ele foi internado às pressas com complicações respiratórias. Segundo ele, o quadro rapidamente evoluiu para gravíssimo em relação à doença. Ainda no hospital teve a tromboembolia pulmonar.
“Mesmo naquela máquina, que é considerada a última esperança para a vida, eu não apresentava nenhuma melhora. Os médicos costumam dar o prazo de 15 dias para a pessoa responder. Nisso, quando deu 18º dia, eles ligaram para a família liberando a visita porque não tinha mais o que fazer”.
A fé e o mel
Barbanti disse que não se lembra desses momentos mais delicados porque estava completamente sedado, porém a mãe dele contou que “nos bastidores” algo surpreendente aconteceu.
“Mãe é mãe e não desiste nunca, né. Ela disse que foi no hospital, conforme pedido dos médicos. Mas, minha família tinha pego o costume de ir rezar no Santuário de Schoenstatt, e uma pessoa lá disse que eles tinham que comer mel porque isso ia abrir os caminhos. Eles ficaram sem entender, mas guardaram aquilo na cabeça. Saindo do santuário, pararam no farol, e tinha um senhorzinho vendendo mel. Parecia destino, então, eles resolveram comprar, entregaram uma nota e falaram que ele não precisava devolver o troco”.
Nisso, segundo o que a mãe de Barbanti relatou, o vendedor disse: “‘então deixa eu falar uma frase para vocês’, daí sem saber de nada que estava passando na nossa vida, disse: ‘Agindo Deus, quem impedirá?’. Sensíveis como estavam, agradeceram e foram para casa. Foi só pisar em casa, a médica ligou dizendo que tinham conseguido baixar um pouco do parâmetro da máquina, ou seja, eu tinha apresentado alguma melhora”, revelou o fisiculturista.
Na tarde do mesmo dia, os médicos conseguiram ir baixando ainda mais os níveis da máquina e, no terceiro dia, ele saiu da ECMO.
“Ninguém sabia explicar o porquê, nem os médicos. Eu melhorei absurdamente e de repente. Mas, o choque aconteceu quando eu acordei porque eu fiquei apagado, não lembro de nada. Acordei e não imagina que tinha passado quase 30 dias ali. Eu estava ‘amarrado’ na cama, olhei para o meu corpo extremamente magro, puro osso, e aquilo me assustou. Fui tentar gritar e não saiu nada por causa da traqueostomia. Essa parte foi a verdadeira cena de terror”, relembrou.
Barbanti contou que ao perceberam que ele tinha acordado, foram acalmá-lo. Mas, só foi entender mesmo tudo o que tinha acontecido uns cinco dias depois.
Recuperação lenta
Mesmo saindo do hospital e considerado sem riscos de morrer, para ficar bem mesmo demorou bastante tempo, segundo o atleta.
Foram meses reaprendendo a fazer as atividades mais básicas, como falar, mastigar, engolir e andar.
“A força de vontade também manda nisso porque os médicos achavam que eu ia conseguir andar depois de um mês da alta mais ou menos e, no último dia antes da alta, eu já dei uns passos. Demorei uns quatro meses para ter uma vida normal de novo, independente de verdade”.
Com ajuda de vários profissionais, como fisioterapeuta e fonoaudióloga, ele recuperou os movimentos e, atualmente, já consegue até malhar – mas sem exageros.
Dos quase 30 quilos que perdeu em poucos dias, ele recuperou 19.
“Sou atleta desde pequeno, nasci em uma piscina praticamente, sempre estive envolvido em vários tipos de esporte, trabalho com isso, tenho academia, não bebo, não fumo, não tenho problema de saúde. Foi um choque viver tudo isso, uma dor psicológica enorme. (…) Mudou tudo, sou outra pessoa, me arrependi de trabalhar muito nos últimos anos, deixei de estar com meu avô que era meu melhor amigo por causa do cansaço. Me arrependi de às vezes, por causa do meu esporte, deixar de beber com meus amigos, de comer o que tinha vontade. Não vale a pena. Ficou muito nítida essa percepção de como a nossa vida é frágil e como pode acabar de uma hora para outra”.
Kaique Barbanti disse que voltou a estudar Arquitetura, que é o sonho da vida dele, fechou uma empresa, ficou com apenas uma academia e não adia nenhum abraço em quem ama mais.
“Hoje, se a minha mãe me chamar para comer um pastel, por exemplo, mesmo exausto eu vou. Amanhã eu não sei se eu ou ela vamos estar aqui. O que importa é o presente”, concluiu. (G1)