Vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Viana Queiroz assegura que o grande ponto de divergência entre ele e a gestão de Felipe Santa Cruz, com quem rompeu, é a “interferência político-partidária”.
“Integro um movimento chamado Movimento em Defesa da Advocacia, que foi lançado em uma linha crítica em relação à política partidária na OAB. Essa que é a verdade”, diz, sobre acusações de ser “bolsonarista”.
A Ordem, segundo ele, possui “programas e princípios que estão lastreados na Constituição Federal”. “Então, em relação a todo e qualquer governo que entre em choque com esses valores e programas constitucionais a OAB tem postura crítica, independentemente de qual seja o governo”, garantiu.
Apesar de satisfeito com o comando do advogado Fabrício Castro na seccional baiana da OAB, Viana opta pela cautela em relação à sucessão presidencial da entidade no Estado.
“Uma das características do grupo de que faço parte é exatamente a democracia interna. Então, nós todos juntos vamos decidir isso”, afirma. “O presidente Fabrício Castro me representa e coordena politicamente o nosso grupo. Eu me sinto muito bem representado por ele”, acrescenta.
Viana evita comentar a decisão de Ana Patrícia Dantas Leão, vice-presidente da OAB-BA, que rompeu com o seu grupo, hoje liderado por Castro. Ela pode ser a primeira mulher a disputar a presidência da Ordem na Bahia, em novembro do ano que vem.
O vice-presidente nacional da OAB também avalia que seria uma “contribuição boa ao Brasil” um “modelo mais democrático” na escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“A forma de acesso que hoje é feita, através da indicação do presidente da República, mediante sabatina no Senado Federal, é um modelo do século 19 que a nossa primeira Constituição Republicana importou dos Estados Unidos”, adverte.
Confira a entrevista na íntegra:
Política Livre: O senhor rompeu com o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, de quem foi aliado por anos. Para completar, ele acusou o senhor de ser “bolsonarista”. O que há de verdade neste conflito?
Luiz Viana: Na verdade, eu integro um movimento chamado Movimento em Defesa da Advocacia, que foi lançado por vários presidentes estaduais, três diretores e vários dirigentes da Ordem em uma linha crítica em relação à política partidária na OAB. Essa que é a verdade. Eu sou parte de um movimento que tem uma pauta crítica em relação à gestão do presidente Felipe Santa Cruz. A grande questão é a interferência político-partidária. Na nossa opinião, a OAB tem compromissos institucionais, mas não pode fazer política partidária. A questão é essa.
O senhor acha que a OAB deveria ser mais aguerrida no enfrentamento a posturas autoritárias do governo?
A OAB tem 90 anos. Tradicionalmente eu posso falar dos últimos anos que integro como conselheiro federal, presidente estadual e agora vice-presidente nacional. A OAB tem, tradicionalmente, posicionamentos de defesa de valores, programas e princípios que estão lastreados na Constituição Federal. Então todo e qualquer governo que entre em choque com esses valores e programas constitucionais, a OAB tem postura crítica, independentemente de qual seja o governo. Do ponto de vista teórico, acho que talvez valha a pena ter falado muito sobre isso, quando se fala de democracia, a doutrina, a ciência política sempre tem um posicionamento tradicional no sentido de que democracia é processo. Processo de decisão democrática, coletiva, pelo princípio majoritário. Então tanto no processo legislativo na hora de aprovar leis quanto no processo judicial na hora que vai decidir, como no processo de decisão do executivo. A democracia é quando essas decisões são tomadas com base no princípio majoritário. Mas eu penso que é preciso acrescentar um conteúdo a isso, que é o conteúdo da defesa dos direitos humanos, que no direito interno brasileiro são chamados de direitos fundamentais. Então toda vez, em qualquer que seja o governo, em que haja um descumprimento ou violação dos direitos humanos gera um déficit de democracia. E a OAB tem sido tradicionalmente crítica a todos os governos quando há violação dos direitos humanos. Eu acho que essa é a questão, digamos assim, fundamental. Não é a única, mas eu diria que é a mais importante. Ou seja, a OAB, se você pegar o estatuto, está lá dito que a OAB se destina, entre outras coisas, na defesa do Estado Democrático do Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social. São três valores que estão em nossa Constituição. Então toda vez que esses valores, esses princípios básicos constitucionais, são violados, eu acho que a OAB tem sido crítica. Quando a gente está vivendo momentos presentes, as pessoas tendem a olhar para o governo atual. Mas o que eu penso é que se a gente pegar a história da OAB, a gente vai ver um compromisso permanente em defesa desses valores e de posicionamentos críticos contra todos os governos que eventualmente violaram direitos humanos. Claro que nos períodos de ditadura, e o Brasil já teve vários, a OAB foi mais incisiva. A OAB é a voz constitucional do cidadão. A OAB é da sociedade civil e sempre sintonizada com esses, digamos assim, princípios e anseios democráticos do povo brasileiro. Então, nos momentos de ditadura, que foi o caso do período de Getúlio Vargas, que foi o caso da ditadura militar de 64, essa voz da sociedade civil, que a OAB é uma delas, uma voz importante, ela se destaca mais ainda. Mas eu penso que na história de 90 anos da OAB a gente tem tido sempre um posicionamento crítico, em qualquer que seja o governo, que viola ou fragiliza os direitos humanos.
O desentendimento nacional pode repercutir na sucessão de Fabrício Castro à seção baiana da OAB?
Eu acho que não. Eu acho que, digamos assim, a postura do Movimento em Defesa da Advocacia, que é um movimento nacional, ele se destinou a conversar com a advocacia no Brasil inteiro. E, portanto, nós vamos conversar também na advocacia da Bahia, mas eu não acho que ela tenha uma conotação política ou eleitoral para interferir na eleição aqui ou em qualquer seccional.
Recentemente, a vice-presidente da OAB baiana rompeu com o grupo do senhor e lançou candidatura própria às eleições da Ordem. Ela tem chances de vitória?
O nosso grupo é um grupo que se caracteriza, entre outras coisas, pela democracia e pelo trabalho. Eu penso que nós, com base no trabalho que temos feito ao longo desses anos, com base em deliberações democráticas internas, haveremos de ter uma participação significativa na eleição. Haveremos de ter candidato e nós vamos ganhar. Eu prefiro não comentar a decisão que Ana Patrícia tomou.
Esta sucessão de acontecimentos não estaria demonstrando que o grupo do senhor chegou a uma espécie de fadiga de material cuja solução seria uma completa renovação na instituição?
Não. Eu acho que essa é uma pergunta que espelha muito a política partidária, dos partidos políticos, essa coisa de “fadiga” e de “cansaço”. A política da OAB não é assim, não. A política da OAB é uma política institucional e associativa. Então não acho que ela seja regida por certas avaliações que são feitas, destinadas à interpretar o quadro dos partidos políticos. Eu penso que a lógica é completamente diferente.
Quem será o candidato do senhor à presidência da OAB?
Como falei anteriormente, uma das características do grupo de que faço parte é exatamente a democracia interna. Então nós todos juntos vamos decidir isso.
Algum nome engatilhado?
O grupo tem vários nomes que certamente poderão encabeçar a nossa chapa, mas a coisa não funciona dessa forma. A gente vai ter um nome, com certeza, fruto da decisão democrática internamente. No momento certo isso haverá de aparecer.
E algum nome te agrada?
Eu me sinto muito confortável em fazer parte desse grupo hoje sob a presidência de Fabrício Castro. Como disse, o presidente Fabrício Castro me representa e coordena politicamente o nosso grupo. Eu me sinto muito bem representado por ele e nós temos homens e mulheres absolutamente preparados para isso, mas isso irá aparecer no momento certo. No momento que o grupo internamente, de forma democrática, considerar que é o momento adequado.
Como o senhor avalia o nome de André Mendonça no STF?
Essa é uma questão curiosa porque a Constituição possui os requisitos para que alguém possa ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Melhor do que eu fazer uma manifestação sobre o nome indicado pelo presidente da República, eu acho que eu poderia contribuir dizendo que a gente precisa repensar a forma de acesso de quem quer que seja o ministro ao Supremo Tribunal Federal. A forma de acesso que hoje é feita, através da indicação do presidente da República, mediante sabatina no Senado Federal, é um modelo do século 19 que a nossa primeira Constituição Republicana importou dos Estados Unidos. Então eu acho que já está na hora de a gente democratizar o acesso de quem quer que queira ser ministro do Supremo Tribunal Federal. É claro que o presidente da República está legitimado pelas regras atuais e pelo processo democrático de sua eleição, mas eu acho que a gente poderia dar uma contribuição boa ao Brasil se a gente pensasse em modelos mais democráticos, em que houvesse a possibilidade da sociedade civil participar, juntamente com a sociedade política, da escolha de um cargo tão importante como é o cargo da mais alta Corte Constitucional Brasileira.
Mateus Soares – P. Livre